6 de junho de 2025

AINDA OLIVENÇA

 

Depois de já me ter reportado a Olivença, cidade portuguesa retida pelos espanhóis, sob o título “Olivença e a Real Politik”, em outubro de 2024, volto à carga sobre um texto inserido no livro de Joaquim Vieira, intitulado “História Libidinosa de Portugal”.

Um indício de adultério na perda de Olivença.

Sucedendo a D. José em 1777, sua filha D. Maria I, a primeira mulher a sentar-se no trono de Portugal, empenhou-se numa política de apaziguamento, com vista a dissipar as tensões acumuladas no reinado do pai – em grande parte devido à inflexibilidade das ações do conde de Oeiras (promovido a marquês de Pombal em 1769).

Isso passou, desde logo, pela dispensa de Sebastião José de Carvalho e Melo da ação governativa, assim como pelo perdão aos dois meninos de Palhavã, exilados havia 17 anos no Buçaco. D. António e D. José não foram, porém, autorizados a regressar de imediato a Lisboa. Já o terceiro menino de Palhavã, D. Gaspar, arcebispo de Braga, que se deslocou à capital para felicitar a sobrinha pela ascensão ao trono, teve de passar por Coimbra antes de finalmente abraçar os meios-irmãos, depois de tanto tempo de forçada incomunicabilidade.

Na reabilitação dos bastardos de D. João V teve papel determinante o rei consorte – e também seu meio-irmão – agora com o título de D. Pedro III, após D. Gaspar (que passou então um ano em Lisboa) interceder a favor deles, por meio do confessor do marido de D. Maria I, o padre José Mayne. E, em janeiro de 1778, os banidos tiveram, por fim, autorização da sobrinha para regressarem ao Palácio de Palhavã, com vista à sua readmissão na corte. Um cronista testemunhou que foram acolhidos em Lisboa num ambiente de grande regozijo e “reintegrados em todas as suas honras, dignidades e prerrogativas”.

Em agosto desse ano, D. António e D. José visitaram D. Pedro III no Palácio de Queluz e, a partir de 1779, o mais velho esteve ao lado do rei consorte em diversas cerimónias religiosas realizadas no Palácio da Ajuda. Tudo indica, aliás, uma enorme proximidade entre o filho legítimo de D. João V e os meios-irmãos, o que remetia ao esquecimento a desconfiança recíproca existente no tempo de D. José I.

Mas a reintegração dos bastardos estava longe de ser total, como anotou, em 1786, o embaixador francês em Lisboa, o marquês Marc-Marie de Bombelles, ao relatar a Paris que não lhes havia sido concedido o tratamento de alteza (pelo que não podiam contactar o corpo diplomático) e que ambos levavam “uma vida muito retirada, muito triste, não tendo recuperado os bens que lhes tinham sido concedidos por seu pai e de que o marquês de Pombal os tinha esbulhado”.

Traumatizada pela desapiedada execução dos Távoras – com a qual nunca terá concordado –, D. Maria I tratou de reabilitar também a memória dos condenados e promover a revisão jurídica do processo, que se saldou pela ilibação de todos os perseguidos, exceto o duque de Aveiro, o único que teria tido responsabilidade na emboscada a D. José. Não se conclui, sequer, que a finalidade da ação consistisse em tirar a vida ao monarca. Julga-se, aliás, que a obsessão da rainha pelo caso, levando-a a revogar uma deliberação penal do pai, terá contribuído para afetar a sua sanidade mental – mais abalada ainda a partir de 1786 com o falecimento do marido –, a ponto de ser considerada inapta para reinar.

Tendo morrido em 1788 o seu primogénito (destino que, em 1763, já tivera o segundo, D. João Francisco, falecido menos de um mês após o nascimento), foi o terceiro descendente, D. João, quem assumiu a governação a partir de 1792, aos 25 anos, e a regência sete anos mais tarde, por absoluta incapacidade da mãe.

Foi já o príncipe regente que, a 4 de fevereiro de 1801, concluiu o processo de reabilitação total dos “tios de Sua Majestade” (como eram designados), D. António e D. José, considerando-os “limpos de toda a mancha” quanto aos crimes que o marquês de Pombal lhes imputara quatro décadas antes e enaltecendo “a regularidade de suas vidas e a pureza de seus costumes, em todo o tempo exemplares”.

D. António, falecido no ano anterior (já como cavaleiro da Ordem de Cristo), não pôde sentir o consolo, mas D. José (cavaleiro da Ordem de Avis desde 1789) ainda beneficiou do novo estatuto, vindo a morrer meses mais tarde, aos 81 anos. Foram ambos sepultados no panteão dos Braganças, na Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa, em túmulos situados frente a frente.

O príncipe D. João, nesse mesmo ano de 1801, teve de lidar com mais um confronto armado entre Portugal e Espanha, do qual resultaria a perda permanente da praça de Olivença pelo mais pequeno dos países ibéricos (apesar de posteriores tratados internacionais obrigarem Madrid à sua devolução – o que nunca veio a suceder).

A designação da breve contenda poderá ter radicado em mais um caso de adultério régio, desta vez do lado de lá da fronteira. A 20 de maio, o exército espanhol desencadeou no norte do Alentejo uma ofensiva relâmpago sob a direção do próprio primeiro-ministro do rei Carlos IV, Manuel de Godoy, de quem se dizia ser amante da rainha, Maria Luísa de Parma. A ela, ele terá enviado um ramo de laranjeira colhido nos arredores de Évora para  informá-la da conquista de Olivença. Por essa razão, o conflito terá ficado conhecido como a Guerra das Laranjas.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 04-06-2025)

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