Recentemente, li no meu jornal de
eleição, um artigo intitulado: “Adormecer em serviço é grave? Na GNR é crime e
dá direito a julgamento”.
A leitura trouxe-me à memória
alguns episódios, uns hilariantes, outros mais sérios, que recordo de
experiências pessoais e que já relatei em artigos e livros.
No artigo de Ana Henriques, no Público, referia-se que a GNR instaura processos-crime a militares apanhados a
dormir em serviço, mesmo quando sujeitos a jornadas prolongadas.
“Uma só condenação, alerta o líder da Associação de Profissionais da
Guarda, pode deitar por terra a carreira de um guarda exemplar”. Um dos casos
mais recentes deu-se na zona fronteiriça de Serpa, numa madrugada próxima do
Natal de 2023. Um cabo e três guardas andavam em missão de vigilância há vários
dias por causa de um gang, que tinham andado por ali a assaltar
residências. Estranhando o silêncio nos rádios-patrulha, cinco colegas foram à
sua procura. Eram 2h50 quando encontraram, num sítio ermo junto a um cruzamento
na zona de São Marcos, dois veículos de serviço com os militares reclinados lá
dentro. As “flashadas” que deram com as lanternas à primeira dupla
não surtiam efeito. “Tentámos fazer algum barulho, de forma a não os assustar,
pois poderiam ter algum tipo de reação adversa”, resume o relatório oficial dos
acontecimentos feito por um dos homens, que se disse incrédulo com o que tinha
presenciado. Foi preciso esperarem 15 minutos para que despertassem. Já os
militares do segundo veículo “acordaram sobressaltados e de imediato” com as “flashadas”, tendo os seus ocupantes “justificado a situação com o cansaço”.
Dadas as circunstâncias, três magistrados – entre os quais um juiz
militar – decidiram absolver os arguidos, que contam com vários louvores no
currículo, do crime do incumprimento dos deveres de serviço, até porque não
ficou provado que todos os quatro estivessem adormecidos.
No nº. 107, de julho a setembro de 2017, d’ O Combatente da Estrela,
publiquei um artigo sob o título “A sentinela dormia”. Numa forma preambular,
fazia então referência à “violação dos perímetros de segurança dos Paióis
Nacionais de Tancos e o arrombamento de dois “paiolins”, tendo desaparecido
granadas de mão, munições e granadas foguete anticarro”. No Público de 2 de julho desse mesmo ano referia em título de grandes parangonas:
“Tancos esteve 20 horas sem ronda de vigilância na noite do assalto”.
Ao escrever este texto recordei-me de algo ocorrido comigo quando
cumpria serviço militar obrigatório no Regimento de Artilharia Ligeira (RAL 4),
em Leiria, no contexto de segurança.
Estávamos em 1969, e, de serviço de Sargento de Dia, coube-me também
nesse dia a obrigação de fazer a ronda noturna a uma zona de paióis e guarda de
obuses obsoletos, fora da cerca do quartel, numa distância de cerca de um km.
Eram umas quatro horas da manhã. Ao aproximar-me do local onde estaria a
sentinela, que não dava sinal de vida, e estava escuro, fui-me aproximando, já
receoso não me fosse pregar alguma partida, já que não respondia à minha voz
que lhe lançava – “Sargento de Ronda!!!”, com a senha que me deveria responder
para depois eu concluir com a contrassenha.
Continuei a
caminhar, cada vez mais devagar, até que lobriguei, mais adiante, deitado no
chão (era verão), a sentinela com a arma G3 a seu lado, enquanto ressonava.
- Este gajo está a
dormir, porra! - Disse para comigo.
Agarrei na G3 e deixei-lhe ficar só o capacete. Dei-lhe dois pontapés – e nada!
Dei-lhe dois mais fortes – e nada!
De pistola à cintura e a G3 ao ombro regressava ao quartel para
apresentar o caso ao oficial de dia.
Num reflexo de não
querer prejudicar o militar, voltei atrás – ele continuava a dormir – e entrei
na caserna onde estavam seis soldados a dormir nas camaratas de ferro. Como
lhes acendi a luz, perguntei se estava tudo bem. Disseram-me que sim.
Mostrei-lhes a G3 da sentinela e disse-lhes que ia entregá-la ao oficial de
dia.
Eles lá foram acordar o soldado em transgressão, enquanto eu regressava
ao quartel. Dei então conta que a sentinela veio atrás de mim a pedir desculpa,
por todos os santos, e a pedir-me a arma.
Anuí por complacência e não registei nada no relatório do serviço.
Ainda neste contexto, trago parte de uma narrativa sob o título “Estórias com Professores”, que publiquei no Notícias da Covilhã, em 6 de março de 2014.
Lembro ainda uma peripécia dos meus tempos de estudante, no ano letivo
de 1959/60 – 2º ano do Ciclo Preparatório. O arquiteto Manuel João Calais
dá-nos aula de desenho. Duas horas seguidas, naquele grande salão onde cabiam
várias turmas, masculinas e femininas. Início às 14 horas a seguir ao almoço dá
o sono ao professor. Sobre a secretária deixa o seu peculiar relógio de bolso.
Em certa aula o arquiteto é apanhado a dormir. Três dos seus alunos (João Riscado,
da Covilhã; Craveiro, do Tortosendo e Francisco Sales, de Vale de Prazeres)
sorrateiramente adiantam-lhe uma hora. Quando toca a campainha para o
intervalo, o arquiteto olha para o relógio e, pensando que era o final, manda
sair os alunos.
A sua colega, D. Etelvina, que tinha a sua turma ao lado, estranhando a
saída mais cedo, pergunta ao professor o que se passava. No entanto, é
descoberto o trio chico-esperto e o arquiteto reprova-os aplicando-lhe uma nota
baixíssima.
Se fosse nos tempos que correm, isso não seria possível de fazer, penso
eu.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de 15-06-2025)
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