Há celebrações de efemérides, todos os anos, em Portugal, na Europa ou no Mundo. Memorizam figuras importantes de Portugal ou da própria Humanidade; eventos, no âmbito científico, do desenvolvimento ou, paradoxalmente, das adversidades no nosso Planeta, às quais o Homem é impotente; e mesmo daquelas em que o homem emprega a força das armas, sejam de que tipo forem, incluindo as do mal.
Para a história portuguesa fica o início de mais um novo Presidente da República – Cavaco Silva – como também o fim de outro – Jorge Sampaio.
Quer queiram quer não, estas duas figuras irão permanecer para sempre, nas páginas da história portuguesa, ainda que no amarelecimento do papel; adulterada ou não.
Para Jorge Sampaio, a sua presidência, à luz do país que encontrou e do país que deixou arrisca-se a ser sombria, com dois mandatos de paradoxos. Fez o inevitável contra o que gostaria de evitar (recordemos o anterior “pseudo” governo, de espectáculo circense); no entanto, com rectidão e sentido de Estado. A sua imagem futura indubitavelmente irá depender muito do que Cavaco fará, ou não fará.
No entanto, uma apreciação global é positiva, na opinião de Marcelo Rebelo de Sousa. Lamentamos ver, na comunicação social “da nossa praça”, certos senhores a opinar, num ódio frontal, de certo facciosismo, a década presidencial de Jorge Sampaio, como se fosse o pior de tudo e de todos.
Portugal atravessa a crise mais prolongada dos últimos 25 anos. Em vez de uma doença súbita, a actual crise tem sido de uma agonia prolongada. Sabemos, contudo, que ao contrário do que aconteceu em outras décadas, Portugal pertence hoje ao sistema monetário europeu e já não pode desvalorizar a sua moeda para estimular as exportações (recordam-se quando, na década de 60 e grande parte da de 70, do século XX, comprávamos uma peseta por menos de cinquenta centavos?..); também a concorrência internacional é maior, com os novos Estados-membros da União Europeia e das novas potências asiáticas, pese embora a Europa também atravessar um período prolongado de crescimento muito reduzido.
Pois bem, este ano também não ficou aquém dos precedentes; e celebram-se vários acontecimentos, entre os quais, os 100 anos do nascimento de Arlindo Vicente que foi candidato à Presidência da República, tendo desistido a favor de Humberto Delgado, em 1958; os 20 anos da adesão de Portugal à União Europeia; os 100 anos do nascimento do filósofo Agostinho da Silva, conhecido por “cidadão do mundo; os 300 anos do nascimento de Benjamim Franklim, um dos pais fundadores dos Estados Unidos; os 500 anos da Guarda Suíça, veteranos do mais antigo e colorido exército do mundo, que chegaram a Roma para proteger o Papa Júlio II e depois ficaram; entre outros eventos.
Contudo, eu preferi falar sobre outra efeméride – os 50 anos do XX Congresso do PC da União Soviética – data em que Nikita Krustchev denunciou Estaline para salvar o regime soviético, acusando-o de ter chegado ao poder à custa da eliminação física dos colaboradores próximos de Lenine. Há 50 anos o “discurso secreto” de Krustchev deixou sementes que germinaram com Gorbatchov.
Este evento é um pretexto para saltar para o ano 1961, altura em que se vivia a guerra-fria, com o presidente americano, John Kennedy, a manter os EU mergulhados no pântano vietnamita e no fracasso da Baía dos Porcos, em Cuba, na crise dos mísseis nucleares, vendo-se obrigado a adoptar uma política internacional mais beligerante para mostrar, tanto aos críticos internos como aos soviéticos, que tinha mão firme.
Era a altura das grandes vedetas internacionais: Marilyn Monroe, Elvis Presley, Brigite Bardot, Elizabeth Taylor, entre outras; e o mundo ainda não tinha atingido os 6,5 mil milhões de pessoas, cujos números foram atingidos em Fevereiro deste ano.
Em Portugal, vivia-se a ditadura e o mundo exigia, na ONU, a independência das colónias portuguesas. Nikita Krutchev, numa ida às Nações Unidas, para se fazer ouvir, proporcionou um espectáculo hilariante ao descalçar o sapato e bater com ele na mesa donde pretendia falar. Esta notícia correu mundo; e, em Portugal, cada vez mais pressionado para entregar as colónias, vê-se confrontado com Nehru a mandar invadir Goa. Surgem grandes manifestações patrióticas contra a invasão da Índia Portuguesa, por todo o lado. Também na Covilhã. Da Escola Industrial, o director Ernesto Melo e Castro dá ordens: “todos ao Pelourinho”. Eu também lá estou no meio da maralha. Bandeiras, cartazes improvisados, tudo serve para a manifestação e bradar que Goa é nossa – o que já não era.
Tinha surgido a publicidade ao “tody”, incluindo na televisão (de um só canal para esta região, a preto e branco), com uma bela moça, de vestido comprido, meio transparente, proporcionando as pernas ao léu, cantando: “todo o mundo toma tody, para se alimentar; tome tody, frio ou quente; tome tody para fortificar”. No Pelourinho, em plena multidão, surge um estudante empunhando um cartaz, improvisado, em cartão, com a caricatura de Nikita Krustchev, com o sapato na mão, que dizia: “dêem tody ao Krustchev”. Esse jovem, estudante do Liceu ou do Colégio Moderno, era João Rosa Lã; hoje é Embaixador de Portugal em Rabat, depois de exercer o mesmo cargo em Paris e, antes, em Madrid.
Nessa altura, e durante vários anos, durante a ditadura, rezava-se nas igrejas pela conversão da Rússia; e, com grande temor, falava-se que ainda não tinha sido revelado o 3.º Segredo de Fátima.
(In “Notícias da Covilhã”, de 23/03/2006; e diário digital Kaminhos)
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