2 de setembro de 2005

O POLVO

Neste período estival, como vai sendo hábito, tem sido o inferno, grassando a destruição e também algumas mortes, no Continente, face à onda infernal de incêndios.
Não se compreende tamanha catástrofe, num país reduzido no seu espaço territorial, face a outros de maior dimensão.
É necessário o grito de Ipiranga. Basta! Vamos atacar o fogo de frente, os incendiários, quem lhes sorri!
Na comunicação social, mormente na imprensa, surgem alvitres, geram-se polémicas, propõem-se acções de combate, e lá aparece um ou outro a levantar o véu da sua imaginação, mas, chegado o fim dos fogos, regressa-se ao sono dos deuses.
Este país de desempregados e de reformas antecipadas; de pobreza envergonhada em contraste com a formação de riquezas; de sinais exteriores de riqueza sem causa plausível e sem que ninguém lhes pegue; de atentados à fuga fiscal; é propiciador da manutenção dos mesmos comportamentos e no grassar de dificuldades para quem o infortúnio lhes bateu à porta.
Não há governo que resista aos tentáculos do polvo, surja ele de qualquer área partidária.
E isto tem vindo a surgir em todos os governos, com mais incidência nuns que noutros, onde o povo, confiante nas promessas eleitorais, começa a já não ir em cantigas.
Basta estar um pouco atento para podermos ver como nestes últimos governos, pantanosos de ambiente político, do qual não é alheio o governo de Sócrates, o polvo aplica bem as ventosas nos seus tentáculos.
Os políticos mais bem intencionados acabam por ser vítimas do mesmo, indefinível dos aparelhos partidários.
Chega-se ao ponto de nem o voto popular, mesmo ao propiciar maiorias absolutas, ter mais força que o polvo, onde as lideranças partidárias são, em grande parte, constituídas por gente emanadas do “aparelho”.
Os seus tentáculos permitem afastar os melhores que não aceitam trabalhar por interesses particulares, e dá guarida aos dependentes de troca de favores, onde persistem os jobs for the boys and the girls.
Assim, como é possível levar por diante qualquer reforma impopular?
O polvo estende os tentáculos e força as suas ventosas quando as dependências das benesses do Estado são de flagrante evidência, não obstante se mostrar a necessidade de levar por diante a eliminação ou redução das mesmas.
E a forma tentacular do bloqueamento da acção governativa, em dados momentos como os inerentes aos receios de castigos eleitorais, tanto pode ser branda como mais cerrada, segundo as conveniências de ocasião.
Penso que a correcção do défice não se consegue só com legislação administrativa ou medidas económicas, porquanto o grande mal também é político.
A perversidade entre chefias e o grande aparelho, sem a intervenção, no momento, com o voto, dos eleitores poderem dizer de sua justiça, é mais uma forma de levar ao desânimo dos portugueses, cuja esperança começa a ficar de um verde demasiado claro.
Valerá a pena dar exemplos? Eles são de uma clarividência nos noticiários e imprensa diária, onde o espanto já pouco se evidencia, passando à banalidade. Depois, não digam que o maior partido passará a ser a abstenção.
A justiça no nosso País tem que ser profundamente alterada, com mais celeridade que as pretensões da OTA e TGV, eliminando-se uma boa parte dos brandos costumes.
Nos tempos que correm somos um País de vergonha, à frente dos primeiros lugares no que é mau; na retaguarda daquilo em que os outros países desenvolvidos evoluem.
Vejamos, no caso dos incêndios, segundo o DN de 14 de Agosto, “só um por cento dos incendiários chega a tribunal. Nos últimos oito anos nenhum autor de fogo posto foi sujeito a prisão efectiva”.
Afinal, o que estão os militares a fazer nos quartéis, agora que não há guerras coloniais? Não poderão ajudar incondicionalmente os bombeiros e, muito antes da lamentável romaria aos fogos, exercer tarefas de prevenção?


(In “Notícias da Covilhã”, de 02/09/2005; e diário digital Kaminhos)

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