23 de junho de 2011

O COPIANÇO E O DR. CASTRO MARTINS

Sensação foi a notícia de futuros magistrados terem copiado em exames para magistratura.

Apesar de apanhados na rede, o Centro de Estudos Judiciários (CEJ) decidiu anular a prova mas manter a passagem na mesma, com 10 valores, a todos os infractores. Serão estes, futuros juízes e procuradores…Que grande exemplo para o nosso país, tão empobrecido na justiça!...

Nos meus tempos de estudante havia um clima geral de emoção na época de exames.

Os jornais diários dedicavam algumas páginas aos exames, publicando os textos dos pontos escritos e as soluções. Toda a família vivia o acompanhamento dos seus filhos, até à porta da escola; ou mesmo do Liceu ou da Escola Industrial, onde eram efectuados os exames de admissão ao ensino secundário, então na altura, depois dos da 4.ª classe.

Os exames, no Ciclo Preparatório, só se realizavam no 2.º ano (actualmente, 6.º ano).

Depois, por aí fora, conforme os anos e as disciplinas.

No final dos exames, à saída, havia a preocupação de conversar com alguns colegas, trocando impressões, ou verificar/conferir as respostas ou cálculos matemáticos, se certos ou errados.

Surgia a ansiedade pelos resultados a colocar nas vitrinas.

Numa cena dos tempos de estudante, no 2.º ano do Ciclo Preparatório, na Escola Industrial e Comercial Campos Melo, nos finais da década de cinquenta do século passado, o professor de Língua e História Pátria – Dr. Manuel de Castro Martins – mandou fazer um ponto escrito (teste). O texto de desenvolvimento era a descrição da viagem de circum-navegação, de Fernão de Magalhães.

Caiu-me que nem um figo. No livro de Ciências Geográfico-Naturais, de outra disciplina, vinha a viagem bem descrita e, de certo modo, resumida, num capítulo sobre a forma e dimensões da Terra… Tinha-a lido várias vezes, e fixado, quase de cor. Tratava-se dum tema duma disciplina que não pertencia ao Dr. Castro Martins. Fiquei satisfeito. Senti que o teste me iria correr bem.

No intervalo da aula seguinte à do teste, um colega soa-me aos ouvidos que o “ponto” lhe correu bem, e confidenciou que veio mesmo a calhar ter ali o livro de “Ciências” à mão, para a aula seguinte… foi só copiar… Fiquei apreensivo, porque iria dar barracada…

Surgida a aula do Dr. Castro Martins e consequente entrega dos pontos escritos, somos chamados para o estrado junto à sua secretária e, em voz alta, para todos os alunos ouvirem, quis saber o porquê de aparecerem dois testes aparentemente iguais, o que lhe causava uma certa perplexidade na classificação, e, por isso, queria saber o que se tinha passado.

De imediato, esclareci que sabia narrar a viagem de circum-navegação, estudada no livro de “Ciências”, e, se quisesse a prova de que não copiei, que me perguntasse ali.

- “Então diz lá” – perguntou o professor.

Comecei a desbobinar, certinho, pelo que me mandou ir para o lugar.

- “Agora conta lá tu” – dirigindo-se para o outro colega.

Este começa a gaguejar, a não dar trinta por uma linha, e manda-o também para o lugar.

No final, entrega-nos os pontos escritos, com as notas de “bom” , no meu; e “medíocre” no do colega.

Tive o privilégio de continuar a ter o Dr. Castro Martins, mais tarde, como professor de “Português” – a quem muito devo – em 1964. Neste mesmo ano, na disciplina de “Francês”, a sua esposa, Dr. Edite Arriaga Castro Martins. Foram professores de excelência.

O nome que uma das ruas da cidade da Covilhã ostenta – Rua Dr. Manuel de Castro Martins – na sua zona moderna, faz jus ao mérito patenteado na qualidade da sua forma de ensinar na Covilhã, tendo ainda sido director do extinto Colégio Moderno.
(In Notícias da Covilhã, 23/06/2011)

Casal Castro Martins, uns meses antes do falecimento do marido

Num restaurante da cidade da Covilhã, em 1967, tendo o Dr. Castro Martins acabado de discursar, na presença do Dr. Duarte Simões

A Dr. Edite Castro Martins, viúva, na última visita à Covilhã, à saída da Escola Campos Melo, aquando da homenagem que a APAE Campos Melo, da minha presidência, prestou aos antigos professores daquela Escola, da década de 60, no dia 14-12-1996

16 de junho de 2011

O 10 DE JUNHO E A ALMA DE UM POVO

“ O problema está em nós. Nós como povo. Porque pertenço a um país onde a esperteza é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro. Um país onde ficar rico de noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais. Fico triste. Porque ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria-prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um Messias. Somos nós que temos que mudar. Decidi procurar o responsável e estou seguro que o encontrarei quando me olhar ao espelho. Aí está. E você, o que pensa?...Medite!” – frases, salteadas, de parte de uma reflexão de Eduardo Prado Coelho, antes de falecer (25.08.2007).

A caneta com que hoje escrevemos é substituída pelo digitar dos dedos sobre umas teclas. As canetas antigas borravam ou deitavam tinta: MontBlanc, Pelikanm Lamy…

Surgiram outras. Com elas se enlevou a alma do povo português – terra de descobridores, de cientistas, de sábios e de santos –, (assim diziam os manuais escolares da primária d’outrora).

E foi a “10 de Junho” de 1943 que foi patenteada a caneta esferográfica, substituindo a caneta-tinteiro, invenção do jornalista húngaro László Biró.

Esta data que comemora o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, curiosamente também se insere em vários eventos, para além do dia do falecimento do nosso maior poeta de todos os tempos, Luís Vaz de Camões, em 10 de Junho de 1580:

- Falecimento de Alexandre III da Macedónia, o Grande ou Magno, em 10 de Junho do ano 323 antes de Cristo, na Babilónia, com 32 anos; fundação, nos EUA (Nova Iorque) do grupo de auto ajuda para dependentes do álcool, sob a designação Alcoólicos Anónimos, no dia 10 de Junho de 1935; como também as declarações de guerra à França e à Grã-Bretanha, por Mussolini, líder italiano, no dia 10 de Junho de 1940, para, no mesmo dia, o Canadá declarar guerra à Itália.

- Mas também de algum alívio, como o fim da Guerra dos Seis Dias, ganha por Israel, em 10 de Junho de 1967; e o Conflito do Kosovo, em 10 de Junho de 1999, com a Jugoslávia a assinar o acordo para encerrar o conflito.

A nossa guerra é política e financeira. Portugal subiu ao segundo lugar no ranking dos países com maior risco de bancarrota, tendo perdido quase 19 mil empresas em apenas três anos.

Pela primeira vez em Portugal, neste 10 de Junho de 2011, na sessão solene de Estado, em Castelo Branco, reuniu dois primeiros-ministros: o do ainda Governo de gestão, José Sócrates, e o eleito nas urnas há menos de uma semana, Pedro Passos Coelho.

Cavaco Silva falou sobre o momento delicado que se vive na sociedade portuguesa. Parafraseou o médico do século XVI – Amato Lusitano : “não há cura para aquele que não quer ser curado”.

As comemorações do 10 de Junho começaram por ser exaltadas com o Estado Novo, a partir de 1933, passando o “Dia de Camões” a ser festejado a nível nacional, sob a designação de “Dia de Camões, de Portugal e da Raça”, em memória às vítimas da guerra colonial. A partir de 1963, o feriado assumiu-se como uma homenagem às Forças Armadas e numa exaltação da guerra e do poder colonial. Eram então as condecorações aos que se distinguiam em combate e, tristemente, aos familiares dos que tombaram durante a guerra nas colónias.

A segunda república não se reviu neste feriado e, por isso, em 1978, converte-o em “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”.

É bom, pois, que a alma do povo português se reveja neste dia, onde o colorido das manifestações tem sido de regalar os olhos – este ano até aproveitando-se a festa da cereja, em Alcongosta, concelho do Fundão. E, a propósito, foi também num dia 10 de Junho (do ano 1907) que os irmãos franceses Auguste e Louis Lumiere passaram a comercializar, pela primeira vez, o “Auto Chrome”, ou seja, processo fotográfico com reprodução de cores.

Não nos podemos deixar cair na decadência mas sim abrir a porta de esperança.

Não podemos continuar a consumir mais de dez por cento do que aquilo que produzimos.

Não podemos continuar, logo que surja “a primeira distracção dos nossos credores a tentar repetir a manha de sempre e dar o remédio a lamber ao cão”, conforme palavras de José Manuel Fernandes, no Público de 3 de Junho, mas sim elevar a nossa alma de portugueses, com amor á sua pátria, de verdade.

(In “Notícias da Covilhã” e “Jornal do Fundão”, de 16.06.2011)

13 de junho de 2011

Almoço-convívio dos reformados da Liberty Seguros, realizado no dia 13.06.2011, no Restaurante Búfalo Grill, no Parque das Nações, em Lisboa


 Palavras de João Nunes, convidado pelo Dr. José António de Sousa, para falar em nome dos antigos Colegas, reformados, como ele 



Prezado Amigo Dr. José António de Sousa,
Prezados Responsáveis pelos vários Sectores da grande Seguradora Liberty,
Prezados Amigos e Companheiros da mesma condição de vida como eu,

Talvez não fosse a pessoa mais acertada para transmitir umas palavras neste evento, mas, paradoxalmente, estou muito entusiasmado e feliz pelo amável convite do meu especial amigo, Dr. José António.
E ele sabe bem porquê.
Sou um homem de memórias. E hoje, aqui, em dia de Santo António, volta-se mais uma página da história de cada um de nós.
E, se a velhice é um posto, conseguimos esta promoção da vida, atingindo a condição de reformados.
Pois bem, todos nós, “os promovidos por esta condição de vida”, somos oriundos da Europeia, Seguradora adquirida pela Liberty Seguros, esta que, num rasgo de imaginação dos seus progenitores, deu corpo ao lema “Pela protecção dos valores da vida”.
Se folhearmos as páginas da vida de cada um de nós, (reporto-me, evidentemente, à vida no seio da actividade seguradora em que estivemos ou ainda estamos inseridos) verificamos que houve altos e baixos, ânimos e desalentos, mas, entre os ventos e marés, uma coisa acaba por nos unir – a amizade entre os companheiros de jornada, ainda que entrelaçada pela saudade dos tempos d’outrora.  
E aqui recordo quando, naquela manhã de segunda-feira, de 4 de Junho do ano da graça de 1973, na “idade da pedra” em relação à inexistência das tecnologias que hoje abundam, foi a minha entrada para me apresentar, então com 27 anos, no mesmo edifício que hoje ainda é Sede da Companhia, com destino para os então Escritórios da Covilhã. Fui recebido pela D. Helena Ranito e pelo então Subdirector, Sr. Jorge Marques Ferreira.
Apreensivo, temeroso, mas com uma vontade indómita para prosseguir caminho, levou a que os anos dissipassem a apreensão e os temores, e a vontade de caminhar, em vez de se dissipar com a nossa actual condição de vida, foi-se mantendo cada vez mais viva, porque o caminho faz-se caminhando.
Dos muitos antigos Colegas, uma fatia aqui presentes, ficaram recordações importantes, incluindo os que já partiram para a outra margem da vida e que dos mesmos fica a saudade.
Sou, como atrás disse, um homem de memórias. É que, para além do nosso empenho profissional, do espaço temporal que medeia, ou mediou, entre a profissão e as nossas famílias – quantas vezes prejudicadas pela actividade – houve quem se pudesse empenhar mais em determinadas ocasiões, ou determinadas circunstâncias, em prol do lema de excelência da Liberty, já referido – Pela protecção dos valores da vida.
E é por esse valores que me debato, sendo que a amizade, hoje representada neste convívio de reformados, é um desses valores.
Sempre que posso, e a inspiração ou a oportunidade me permitem, faço referência, nas minhas publicações, textos ou crónicas, e por via da Internet, destes momentos inesquecíveis – e este não será excepção – fazendo também jus aos valores, tantas vezes esquecidos pela humildade dos seus protagonistas.
É inquestionável que este encontro será objecto de uma referência na Revista “Liberty em Acção”, não é verdade, Dr. José António?
Termino, com o forte desejo de que todos os antigos Colegas do mesmo ofício, aqui presentes, e também os ausentes, tenham muita saúde e as maiores venturas.
Para o meu bom Amigo, Dr. José António, os restantes membros desta equipa da Liberty, que se encontram ainda em actividade, uma palavra de paciência para comigo – reformado mas ainda não parado – pelo que têm que me aturar ainda durante algum tempo enquanto me mantiver com energia positiva.
Do coração, para todos, um grande abraço!

  O administrador e CEO da Liberty, Dr. José António de Sousa, no uso da palavra
 
João Nunes falando com o antigo Colega e director comercial da Europeia, Vasco Mendes

    Diversão durante o almoço-convívio

 Durante o almoço convívio dos Reformados da Liberty Seguros

Diversão durante o almoço-convívio

2 de junho de 2011

UM MOVIMENTO EM MOVIMENTO

Desde sempre houve lutas pelas injustiças sociais, entre trabalhadores e patrões. Reclamaram-se direitos e deveres, vertentes estas do trabalho nem sempre respeitadas.

A desumanização, a falta de dignidade pelo homem e pela mulher, desde tempos longínquos, foram de grande repulsa, ainda que interiormente suportada no âmago dos corações de cada ser humano, como a escravatura, sustentada num silêncio dilacerado.

Os tempos foram correndo, e evoluindo, para o bem mas também para o mal. Emergiram homens que, deste nome, mais lhe cabiam o de carniceiros, num desejo forte duma abrangência do mundo só para si e para os da sua corte.

Mas, também um séquito dos que espreitaram e espreitam essa corte, sempre existiu até aos dias de hoje. São os que aforram as calças para trepar o muro a fim de permanecer por uns momentos, olhando de soslaio o lado mais propício para saltar. Eram e são os homens da informação sobre os subjugados para os de decisão, os homens do mando…

“É bom trabalhador, cumpridor, mas…um gajo que não é do nosso lado…” E, assim, muitas famílias se viram privadas de um direito que era o pão ganho com o seu suor, por vezes adquirido com a última moeda retirada do bolso mais escondido da sua albarda, mas que ainda podia enganar a fome dos seus filhos, ranhosos com o choro.

Era uma vez um tempo em que houve uma Primeira Grande Guerra Mundial. Se dificuldades haviam no seio dos trabalhadores, agravar-se-iam. Decorriam somente duas décadas após aquelas lutas sangrentas, quando surge a segunda, mais terrificadora, e destruidora, de bens patrimoniais e vidas humanas.

Entre as duas grandes guerras mundiais, agravantes nos sofrimentos dos trabalhadores, surge uma alma que dá pelo nome de Joseph Cardijn, belga, filho de um cocheiro-jardineiro e duma empregada doméstica. Sobe ao mesmo muro, atrás referido, não de soslaio nem para escolher o lado mais agradável para saltar, mas para se revoltar e actuar contra toda a miséria que existia dos dois lados do globo! Ali, coloca uma bandeira imaginável que haveria de revolucionar o mundo dos jovens trabalhadores. Em 1925, funda a JOC – Juventude Operária Católica, que se haveria de estender por todos os continentes.

Trata-se então dum movimento para jovens dos 14 aos 30 anos para dar resposta às situações de sofrimento e exploração vivida pelos jovens operários, e à necessidade da Igreja Católica os entender e organizar.

Dez anos depois, a JOC, que foi o único movimento juvenil na igreja portuguesa até ao Concílio Vaticano II, dava os primeiros passos em Portugal.

O Mundo, e a Europa, após a Segunda Grande Guerra, começam a tentar organizar-se. Unem-se alguns países, em organizações económicas e de outras vertentes, ainda que venha a surgir uma Guerra-Fria. Pelo Tratado de Paris, em 1951, estabelece-se a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Vai evoluindo com outras designações, e outras acções próprias, passando a CEE, hoje União Europeia (UE). Junta-se-lhes Portugal e Espanha em 1986. Em 1 de Janeiro de 2007, passaram a somar 27 países.

Quando tudo deveria passar por um melhor bem-estar para as populações e, consequentemente, os seus trabalhadores, vem a verificar-se, cada vez mais, a necessidade do movimento operário cristão, fundado por monsenhor Joseph Cardijn, mais tarde cardeal, se manter vivo e dinâmico.

Foi assim que, no sábado, dia 28 de Maio, um grupo de antigos jocistas e vários membros da organização sequencial da JOC, a LOC/MTC – Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos, evocou os 75 anos deste movimento em Portugal, no Seminário do Tortosendo.

Com a presença da Coordenadora Nacional do movimento, Fátima Almeida; da antiga Dirigente Livre da Diocese da Guarda, Camila, que trabalhou na empresa Coelima e foi presidente dum Sindicato; do antigo assistente diocesano, padre Fernando Brito (muito acarinhado face aos muitos anos que esteve como assistente, em tempos difíceis de ditadura), foram muito interessantes os testemunhos, marcados por vezes por expressões sentimentais, de antigos jocistas que sofreram com a ditadura as graves crises por que passaram. Foram tempos de trabalho negado no devido pagamento salarial, onde, por vezes, os habituais subterfúgios não encontravam atropelos, nos tempos de então, pelos Governos do Estado Novo.

Depois de alguns se expressarem, e ficar assente que se desse continuidade a este tipo de acções, para denúncia dos males que continuam a afectar os tempos difíceis de hoje, em várias vertentes, seguiu-se um ameno jantar, após a Eucaristia, presidida pelo actual assistente diocesano. No final do jantar seguiu-se um serão convívio, participando a cantata do Rancho Folclórico da Boidobra, onde surgiram as castanholas com pedras do Rio Zêzere, e pinhas dos pinhais da região, para além das violas e adufes, cuja actuação, como lhes é peculiar, a todos agradou.


 




 




In Notícias da Covilhã, de 02/06/2011