22 de outubro de 2014

MARIA IVONE DE JESUS PINTO MANTEIGUEIRO VAIRINHO

Não é fácil falar sobre uma personalidade covilhanense por quem tive grande amizade e que nos compreendíamos pela envolvente cultural que nos tocava, tantas vezes no caminho da nossa Terra-Mãe.
Maria Ivone Manteigueiro, que nasceu na Covilhã em 27 de Fevereiro de 1936, desde muito jovem, e ainda na adolescência, se evidenciava, na Covilhã, no âmbito cultural, pelas excelsas qualidades que possuía e lhe fervilhavam da sua jovialidade, num encontro do saber e do saber fazer, de tal forma que a Covilhã, após a década de cinquenta do século XX, já era uma cidade pequena para ela.
Com 9 ou 10 anos fez a sua estreia no teatro – no teatrinho do salão paroquial de S. Pedro, como lhe chamava – e, mais tarde, ensaiou as primeiras pequenas peças de teatro que, entretanto, ia escrevendo, nos seus 13 anos.
O ensino na Covilhã, e no País, não tinha a evolução dos tempos de hoje – e o que era isso de novas tecnologias? – e, assim, o nosso Liceu só tinha o 1.º ciclo, à altura. Como Maria Ivone queria muito mais, e até  mesmo por um impulso familiar, optou pela Escola Industrial, onde o ensino se prolongava até ao 5º. ano industrial, e aí prosseguiu os seus estudos até que já no 4.º ano industrial, o então dinâmico director da Escola,
Eng.º Ernesto de Melo e Castro, conseguiu que na Escola fosse também criado o Curso Comercial. Aconselhou a jovem aluna  a mudar de curso, a qual sobressaía pelo seu valor académico.  E ei-la a ser a aluna mais distinta da Escola e a ganhar prémios entre os quais a de ter sido a 1ª classificada dos Cursos de “Formação Geral do Comércio” e “Complementar do Comércio”.
Mais tarde viria a completar os cursos do Instituto Britânico e Alliance Française, assim como a diplomar-se em estenografia portuguesa, francesa e inglesa.
E é já na sua actividade profissional ao serviço da ex-Sacor e depois Petrogal, como Secretária do Conselho de Administração que frequentou um curso internacional além de outros de informática e técnicas de secretariado.
Mas, voltando à sua juventude, na Covilhã, as peças de teatro e autos de Natal, que escrevia, foram por si representadas na Escola Industrial e Comercial Campos Melo e no já referido teatrinho do Salão Paroquial de São Pedro, mas também contos e poemas que viriam a ser publicados em diversos jornais e revistas, tendo ganho quatro primeiros prémios em contos, e uma menção honrosa em Poesia Lírica no I Concurso Literário da ex-Sacor.
Com guião e direcção do Padre José Domingues Carreto, foi a protagonista do filme “Dois Caminhos”, que relatava a luta de uma jovem operária, militante da JOCF, na defesa da mulher no mundo do trabalho, tinha Maria Ivone 15 anos.
As gentes mais antigas poder-se-ão recordar do retumbante êxito de Maria Ivone na
festa de finalistas de 1955/56, na representação de “Auto da Alma, Todo o Mundo e Ninguém” e “Súplica de Cananeia”.
Mas já antes, em 1952/53, no ressurgimento do Orfeão da Covilhã, começou a fazer parte do grupo de teatro. Declamava entre a 1.ª e a 2.ª partes da actuação do Orfeão. Foi criado o grupo folclórico que levou o folclore beirão a vários pontos do País, onde Maria Ivone fazia o papel de “Covilhã”, apresentando e explicando os números que o grupo exibia e declamando também.
Em 1954, aquando da inauguração do Teatro-Cine da Covilhã pela Companhia de Teatro Nacional Amélia Rey Colaço – Robles Monteiro, Maria Ivone representou um monólogo de Alice Ogando, tendo o casal de actores ficado muito agradado, o que proporcionou lhe  abrirem as portas do Teatro Nacional, oportunidade que não pôde concretizar.
Mas, com estes seus dotes de mulher multifacetada, colaborou em concertos da “Pró-Arte”, dizendo poemas ilustrativos de diversos andamentos de Sinfonias de Beethoven.
No cinquentenário do Monumento de NosNeves e de Maria Alberta Menéres, na sessão solene, a que presidiu o Núncio Apostólico em Portugal, Cardeal D. Fernando Cento.
sa Senhora da Conceição, na Covilhã, declamou poemas do Padre Moreira das
Com o pseudónimo de Ivone Beirão, em 1959 pertenceu ao Centro de Preparação de Artistas da Rádio. Gravou programas  nos estúdios da Emissora Nacional, na Rua do Quelhas, e estreou-se num Serão para Trabalhadores, no Pavilhão dos Desportos, no Parque Eduardo VII. Nessa altura teve também lições de arte de dizer.
Entretanto, ia escrevendo, tendo publicado quatro livros (entre os 20 e os 23 anos), dum mercado específico da Agência Portuguesa de Revistas que tinha aberto uma porta a “Novos Escritores Portugueses” – “Linhas Trocadas”, “Amor Cigano (1.ª e 2.ª edição)”, “Humilhação de Amor” e “Uma Mulher Moderna” – os romances; e, já mais recentemente,  “Livro da Dor e da Esperança”, em poesia, apresentado no Salão Nobre da Câmara Municipal da Covilhã.
Escreveu também largas dezenas de contos e crónicas que foram publicadas em revistas e muitos jornais, como já referi.  Foi colaboradora da Crónica Feminina, nos seu anos de ouro, de 1957 a 1982, com uma página semanal (conto ou crónica).
Também foi colaboradora do jornal “Poetas e Trovadores” e participou em 12 Antologias da Associação Portuguesa de Poetas.
As suas biografia e bibliografias estão incluídas em vários livros.
Em 02.10.1961, Maria Ivone casou com Victor Vairinho e foi para Lisboa, empregando-se na Sacor. Passou a ser então a Maria Ivone Manteigueiro Vairinho.
Em 1966 fez parte do “Teatro do Pessoal da Sacor”, tendo depois realizado Serões Culturais Vicentinos. Colaborou em diversos Saraus de Poesia, sempre a poesia…
A convite da ex-FNAT, representou no Teatro da Trindade, em Lisboa; no Luísa Tody, em Setúbal; e nas instalações da ex-Sacor em Lisboa, Cabo Ruivo e Faro.
Continuou a escrever os seus contos mas teve uma excelente proposta para fazer traduções de Francês, Inglês e Espanhol, e, por isso, não voltou a publicar mais romances originais. Tem várias dezenas de livros traduzidos de Espanhol, Francês e Inglês (entre eles a série Dallas, da Televisão, e Robinson Crusoe, editadas pela Agência Portuguesa de Revistas e Circulo de Leitores).
Na Biblioteca Nacional (Base Nacional de Dados Bibliográficos) tem registados em seu nome 239 livros (traduções e originais).
Reformando-se aos 56 anos, recomeçou as suas actividades literárias e artísticas e é então que começa a escrever poemas.
Foi ao auditório da RTP onde declamou e recebeu uma proposta para fazer parte da Associação de Poetas Portugueses (APP).
Proferiu diversas palestras e conferências, em vários locais do País.
Foi Presidente da Direcção da Associação Portuguesa de Poetas e Directora do seu Boletim.
Desde 2001 que Maria Ivone  dava aulas de “Ler…e Dizer – Oito Séculos de Literatura Portuguesa/Poesia”, na Universidade Sénior de Oeiras.
Era sócia da Associação Portuguesa de Poetas, Associação Portuguesa de Escritores e Sociedade Portuguesa de Autores.
Mas…poderão perguntar alguns das gerações mais novas, ou, outros, do seu tempo, menos interessados pelo fenómeno cultural: quem era Maria Ivone que aqui se narra?
Maria Ivone Manteigueiro, como era conhecida, e, depois, Vairinho pelo casamento, era  a mais nova de três irmãos: Armanda e  Francisco Manteigueiro, que foi velha glória do Sporting da Covilhã e também meu bom amigo. Quis Deus que o Francisco deixasse o mundo dos vivos em 9 de Novembro de 2011 e aguardasse pela companhia de sua querida irmã, volvidos pouco mais que dez meses, em 7 de Setembro de 2012.
A Maria Ivone era uma pessoa de raras qualidades, humilde, sem dar nas vistas, orgulhosa da sua Covilhã, amiga do seu amigo, de grande sabedoria que com facilidade assimilava e se reflectia na sua pessoa como mulher multifacetada. Depois, acabaria na sua grande paixão – a poesia, depois do teatro.
Mas isto é o suficiente para tão grande reconhecimento de mulher covilhanense?
Maria Ivone Manteigueiro Vairinho tinha na sua alma a Covilhã, sempre a Covilhã e as coisas lindas desta cidade maravilhosa!
É que, vivendo mais de meio século na cidade alfacinha, a sua voz, transcrita para o papel e para a declamação, em vários pontos da cidade lisboeta, transmitia na sua alma a Terra-Mãe que a viu nascer – a sua Covilhã, como a conheceu e a ia vendo transformar-se.
Os covilhanenses não se aperceberam!
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Houve várias ocasiões em vida, na Covilhã,  que foram merecedoras do seu reconhecimento público, mas tal não aconteceu, tendo sido  como que votada ao ostracismo. Mas, na outra cidade onde vivia – Lisboa, e também  Oeiras – Maria Ivone foi merecedora do reconhecimento dos seus méritos, tantas vezes aclamada no dizer das suas poesias, quando antes o fôra também na parte teatral.
Sabia ela que este seu amigo era ainda o que ia dando conhecimento público, na comunicação social, do valor da sua pessoa, e das suas obras, tendo a oportunidade de o fazer por várias ocasiões.
Por isso, me passou a enviar o Boletim Trimestral Informativo e Cultural da Associação Portuguesa de Poetas, à qual presidia. Guardo-os ainda religiosamente, para saborear, de quando em vez, as suas poesias, muitas delas declamadas em locais como no Centro Cultural de Belém e no Mosteiro dos Jerónimos, onde seria a sua última homenagem, já fora do mundo dos vivos.
E que doce a leitura dos seus versos, ora em redor da sua família, mormente a mãe, ora noutras direcções do seu pensamento de covilhanense de raiz. Respigo alguns títulos da sua vasta obra:  O Menino Jesus e as Crianças; Noémia; Os olhos das crianças; Lua Branca em Céu Azul (sobre a Covilhã); Tecelão da Covilhã; 25 de Abril; Olhos secos de dor; Árvore da Vida (sobre a Covilhã e a família); A Matança dos Inocentes; Meu Canto de Cisne.
Em 1 de Março de 2008, as suas amigas e amigos poetas, homenagearam a Presidente da Direcção da APP:

“Com a Lira no coração
faz da ética o seu bordão.
Tem uma chama sempre acesa
na sua alma poética
e na sua forma de amar
a nossa Língua Portuguesa”.

E, a poetisa Virgínia Branco, tesoureira da Associação Portuguesa de Poetas, referia-se assim a Maria Ivone Vairinho:
“Encontro-me hoje e aqui a prestar homenagem à grande amiga que muito prezo, à Professora, à Tradutora, à Escritora, à Conferencista, à Poetisa e Declamadora, mas acima de tudo à Digma Presidente da Associação Portuguesa de Poetas, nau que tão dignamente tem sabido levar a bom porto, servindo-a sem nunca se servir.
Para Maria Ivone não há dia ou noite, apenas conhece trabalhos a apresentar e prazos a cumprir, pois é dotada de grande carácter e firmeza, pessoa de uma só palavra.
Maria Ivone Vairinho é um Ìcone da cultura portuguesa, possuidora ela própria de uma vasta cultura é há muito um grande vulto nas Letras e na Poesia”.
O meu preito de gratidão à Maria Ivone, pela grande amizade que teve para comigo, que é, como dizer, para com a nossa Terra-Mãe – a Covilhã, e que lá dos céus possa gozar a plenitude da glória que sempre mereceu.
À família, mormente ao meu especial amigo Victor Vairinho, e à Mané, a certeza de que hoje, dia 20 de Outubro de 2014, no Salão Nobre da Câmara Municipal da Covilhã, é prestada a homenagem, há muito devida, à vossa mui amada esposa e mãe – a Maria Ivone, com a atribuição da Medalha de Mérito Municipal – Classe Prata, a título póstumo!

João de Jesus Nunes



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