14 de outubro de 2014

UM PAÍS ADIADO

Depois do adeus à troika, o recuperar da nossa soberania e poder de decisão independente ainda estão longe.
Continuamos um país adiado e sob tutela apertada, e assim continuaremos enquanto não tivermos juízo.
Segundo se consta, a troika tem um compromisso de nos “deitar a mão” caso as condições dos “mercados” nos obriguem, de novo, a que estendamos a mão à caridade.
Continua a haver fonte de desperdício e de dinheiro mal gasto no setor público, onde ainda não foi organizado.
Dou um exemplo recente, de desorganização, que já vem de anos atrás, e isto no que se refere à distribuição dos excedentes alimentares da União Europeia, da responsabilidade da Segurança Social.
Na Covilhã, das listas de carenciados fornecidas à Segurança Social pelas instituições de solidariedade social, como as Conferências Vicentinas, foram eliminados vários nomes, muitos deles verdadeiramente carenciados, o que causou estranheza nos meios que prestam, num autêntico espírito de voluntariado, um bem às pessoas desprotegidas.
Aconteceu, porém, como vem sendo hábito, que a Segurança Social, instituição pública, acabou por distribuir, a cada elemento das suas listagens de carenciados, quantidades enormes como, por exemplo, duas ou três dezenas de cada género alimentício (açúcar, arroz, massa) a uma única família, o que naturalmente leva a que essa pessoa não consiga consumir tudo dentro do prazo de validade, e não tenha espaço nas suas casas para tanto género alimentício, originando, várias vezes, termos visto nos contentores do lixo quantidades desses produtos deitados fora. Entretanto, para trás ficaram outros que, como já referimos, por estranho que pareça, ficaram sem esses produtos.
Será isto uma boa gestão? Já muitos contestam o trabalho das Assistentes Sociais, que deveriam andar no terreno, em ação profícua, e não nos seus gabinetes.
Entretanto, sobre este assunto, no início pretendiam que fossem as Conferências a fazer a distribuição direta dos produtos oriundos dos excedentes da UE, mas teriam que efetuar um trabalho burocrático, que não lhes competia, e para o qual as Conferências Vicentinas se negaram já que compete à Segurança Social trabalhar, como empregados públicos que são, e não quem tem já tanto serviço de voluntariado a fazer, muitas vezes sem mãos a medir.
Assim, não, não vamos lá.
“Nenhum grupo etário é tão afetado pela privação como as crianças. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, no ano passado, 2,2% dos menores de 15 anos pertenciam a famílias que não lhes garantiam pelo menos uma refeição diária de carne ou peixe e 1,4% não comiam fruta e legumes uma vez por dia. É de gente que salta refeições ou come mal que se fala quando se fala de fome em Portugal”, segundo afirmou Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Diocesana.
Se formos levantar o véu doutras instituições públicas, como alguns serviços de enfermagem dos Centros de Saúde, então teríamos muito para contar.
Outro setor que nos faz um país adiado são os serviços judiciais, com a investigação criminal lenta e má, não conseguindo produzir prova de qualidade, em particular nos crimes de colarinho branco na área financeira, mas não só, o que faz com que muitos criminosos, de todas as cores e colarinhos, se consigam escapar pelas amplas malhas deixadas nas teias da lei para quem tem dinheiro para contratar bons advogados. Advogados cujos sócios “deputados” fizeram as leis com os buracos necessários para os seus conhecimentos conseguirem livrar os seus constituintes.
No entanto, mais recentemente, já vemos alguns tribunais com as suas sentenças em que as elites também já não escapam a mão pesada da Justiça.
Costa Freire foi o primeiro político condenado por atos durante o mandato, decorria o ano 1994. Dez anos depois, Maria de Lurdes Rodrigues é sentenciada a mais três anos de prisão. A Justiça portuguesa, dizem alguns juristas e advogados, segundo o jornal i, começa a ter mão pesada nos políticos e não só. Costa Freire, Isaltino de Morais, Armando Vara, Jardim Gonçalves, Ricardo Salgado e, mais recentemente, Maria de Lurdes Rodrigues, são alguns exemplos de como a Justiça portuguesa não tem olhado a elites ou postos quando em causa está uma condenação.
Esperemos que a Justiça dê o volte-face a esta situação, se bem que existe quem julgue que os banqueiros e grandes agentes económicos, assim como outras personalidades de elite, vão a tribunal em desigualdade com os outros cidadãos.
Há por este país escolas privadas muito caras, e portanto só acessíveis a uma minoria de privilegiados, conhecidas por serem excessivamente generosas na atribuição de notas destinadas a subir médias.
Assim como há universidades privadas sem quaisquer requisitos de qualidade e que oferecem “cursos superiores” sem qualquer interesse prático. O grau de exigência do setor privado deveria obrigatoriamente ser idêntico ao do setor público.
Enquanto não nos dedicarmos de corpo e alma, norteados pelos interesses do país e não pelo umbigo partidário, a estudar em profundidade, com técnicos e não políticos, a liderar o processo e a decidir sobre essas áreas não podemos viver tranquilos em Portugal.
Muito, mas muito haveria que dizer, para que este país não estivesse “entregue à bicharada” e, assim, deixasse de ser um país adiado.

(In "fórum Covilhã", de 14.10.2014)


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