A Covilhã pode orgulhar-se de ter, ao longo dos tempos,
muitos desportistas, nas várias vertentes, que engrandecem a cidade laneira,
hoje também universitária.
Uns, covilhanenses pelo coração; outros, covilhanenses por
aqui serem os seus berços.
Ainda há pouco tempo nos deixou um covilhanense pelo coração
que servir as cores do Sporting Clube da Covilhã – Jorge Nicolau.
Naturais do concelho da Covilhã, como César Brito, também
honraram a sua Terra nesta modalidade desportiva – futebol, chegando a
representar as cores da Seleção Nacional.
Já na arbitragem, pela primeira vez na história do desporto
covilhanense, temos Carlos Xistra como árbitro de futebol da I Liga e também
tendo chegado a internacional.
Noutras modalidades, dantes impensáveis, como o
automobilismo – caso de João Fonseca – conseguem a liderança nas suas provas,
sendo o campeão nacional de montanha. Mas outros há que não cabem já neste
texto, mas que têm o registo indiscutível do seu mérito.
É indubitavelmente um orgulho para a terra que é deles berço
– a Covilhã.
Outros ainda, apesar de terem aqui nascido, foram
desportistas de alto prestígio, fora de portas. Neste caso em apreço reporto-me
a António Feliciano, que eu não conheci.
Ele integrou a equipa de “Os Belenenses” que ganhou o Campeonato
Nacional da I Divisão na época de 1944/45 (única vez).
António Feliciano era natural da Covilhã onde nasceu em 19
de janeiro de 1922 e foi um dos maiores futebolistas do seu tempo.
Segundo o jornal “O Olhanense”, de 15 de outubro de 2015, “a
sua história de vida, começa na Rua do Outeiro na cidade serrana, onde o pai
era tintureiro de fazendas e a mãe tecedeira. Aos seis anos ficou órfão de pai
e, a mãe, com quatro filhos para criar, conseguiu que António Feliciano
entrasse na Casa Pia.
O futebol corria nas veias do pequeno António que tinha pelo
jogo da bola um fascínio e uma paixão inusitadas.
Aos 17 anos, começa a jogar, já inscrito na Associação de
Futebol de Lisboa, pelo Casa Pia Atlético Clube, que lhe pagava o elétrico para
ir treinar mas, o garoto, ia a pé para ficar com os 24 tostões.
Começou como defesa esquerdo mas rapidamente se fixou a
defesa central.
Por vezes, para ganhar vinte escudos, jogava pelo Hotel
Borges, nos jogos entre os hotéis de Lisboa. Rapidamente atingiu a primeira
categoria do Casa Pia e logo de seguida o Benfica interessou-se por ele. Porém,
Alejandro Scopelli que o viu jogar, ficou deslumbrado e impediu-o de partir
(obviamente do Belenenses).
Também o F. C. Porto se interessou pelo atleta e levou-o
para a Cidade Invicta. Por lá ficou 15 dias, para, apertado pelas saudades,
regressar a Lisboa, indo treinar às Salésias”.
“O negócio feito em 1940 foi facilitado, recebendo o
Belenenses três contos de réis e Feliciano o ordenado de 300 escudos, ficando
ainda empregado no Grémio dos Armazenistas de Mercearias. O seu primeiro
treinador foi Artur José Pereira que verificando que Feliciano só chutava com o
pé esquerdo o obrigava a treinar com o pé descalço”.
“Em 1949, tendo sido excluído da equipa pelo treinador
Fernando Riera, ingressou no Marinhense como jogador-treinador passando depois
pelo Beja, Chaves, Famalicão e Riopele.
Em 1965, convidado por Afonso Pinto de Magalhães, ingressou
no F. C. Porto para treinar as camadas jovens. Das suas mãos saiu uma geração
de ouro do futebol português, nomeadamente Fernando Gomes, João Pinto, Jaime
Magalhães, Zé Beto, Rui Filipe, Domingos, Vitor Baía, entre outros. Foi
internacional 14 vezes. Em 1946, num jogo contra a França, foi considerado o
melhor médio-centro da Europa”.
Consultado o livro de Acácio Rosa – “História do Clube de
Futebol “Os Belenenses” – 1919 a 1991 – Factos, Nomes e Números”, sob o título
“As Três “Torres de Belém”, a páginas 491 a 493, se refere assim: “O Feliciano
– um desportista e um dos defesas mais categorizados de sempre – era de uma
honestidade a toda a prova, de um belenensismo e amor à equipa como
dificilmente se pode, hoje, encontrar e, mesmo antes de partir para férias, mal
acabava a temporada, era o primeiro a apresentar-se. Depois desse dever
cumprido, partia para as praias. Nunca exigia um tostão, nunca pediu dinheiro
nem punha condições. Era do Belenenses e o Belenenses era tudo para ele.
Excelente rapaz e grande jogador. No entanto, Feliciano esteve em vias de
deixar Belém. O Celta de Vigo, fazendo valer a cotação da peseta em relação ao
escudo, meteu na cabeça de Feliciano muitas pesetas e muitas ideias. O
Belenenses era “pobreza franciscana” em comparação com a riqueza do clube galego,
que mandava falar em pesetas e em escudos com o maior à-vontade. Feliciano
procurou Acácio Rosa e, lealmente, expôs-lhe o problema. Tinha, na sua frente,
a perspetiva de casar-se e precisava ponderar na oportunidade que se lhe
deparava, se o Belenense não visse nisso inconveniente.
O Belenenses não quis destruir a grande oportunidade de
António Feliciano fazer um bom contrato. O Clube, embora o seu defesa
estivesse, à época, no auge da sua forma e lhe fizesse muita falta, cedeu.
Acácio Rosa redigiu as condições a apresentar ao Celta de
Vigo. Juntamente com a carta, contendo as condições a exigir aquele clube,
Acácio Rosa disse a António Feliciano que pensasse no ambiente que, muito
provavelmente, iria ter no seio dos jogadores espanhóis, que talvez o dinheiro
não compensasse e, em contrapartida, fez-lhe notar a camaradagem que reinava em
Belém, onde toda a gente o considerava não apenas como um ídolo mas como um
amigo imprescindível, como um membro querido da vasta família “azul”. António
Feliciano partiu e levou a carta, Não deu sinal de si durante alguns tempos.
Apareceu depois e apenas disse a Acácio Rosa: “Farei o que o senhor e o
Belenenses quiserem”. Logo nesse dia, Feliciano assinou a ficha pelo Belenenses
e o clube encontrou uma plataforma para, dentro das suas possibilidades,
corresponder ao gesto do seu jogador, gesto de um desportista íntegro. E
Feliciano continuou no Belenenses por muitos mais anos. Serviu-o sempre com
indómita vontade e com a categoria dos jogadores que ficam na história”.
Também o livro
“Federação Portuguesa de Futebol – Os Anos de Diamante - 1914 – 1989 – No 1.º
Centenário do Futebol Português”, de Henrique Parreirão, se registam o nome,
fotos e a participação, como internacional, do covilhanense António Feliciano,
que viria a falecer em 14 de dezembro de 2010, aos 88 anos.
(In "O Combatente da Estrela", Nº. 101, dezembro 2015/março 2016)
Sem comentários:
Enviar um comentário