Este texto foi iniciado no final
do encontro entre as seleções do País de Gales e da Bélgica, com a vitória do
primeiro, em 1 de julho, ficando assim a conhecer-se o adversário para a
Seleção de Portugal, nas meias-finais do Campeonato Europeu de Futebol 2016, a
realizar-se em França.
Foi, assim, a 4.ª vez que
Portugal chegou às meias-finais (1984, 2000 e 2012 e 2016), sendo certo que no
ano 2004 foi vice-campeão europeu, e, neste caso, passou uma 5.ª vez pelas
meias-finais.
Mas, o que é certo e verdade é
que, depois de muitas críticas, Portugal acabou por vencer o País de Gales por
2-0, passando, pela segunda vez na sua história, à final, desta vez com a França,
que, entretanto, derrotara a Alemanha por aquele mesmo resultado.
Chegado o momento decisivo da
final, no inolvidável domingo,10 de julho, Portugal acaba mesmo por se sagrar
Campeão Europeu de Futebol, ao ganhar à França, em sua própria casa, por 1-0,
golo de Éder, pela primeira vez na sua história, ficando assim assinalado este
facto numa das páginas de ouro dos anais do desporto português
Sobre a génese deste Campeonato,
considerando ter havido muitas oportunidades para a realização de jogos
internacionais a nível de seleção, a Europa foi o último continente a
desenvolver um campeonato para as suas Federações.
Somente em 1958 se começou a
disputar o Campeonato da Europa, inicialmente com a designação de Taça Henri Delaunay, em homenagem ao seu
fundador e principal ideólogo da prova. Foi o primeiro presidente da UEFA.
Depois passou a designar-se de Taça da
Europa das Nações. Em 1968 foi abandonada esta designação para a atual: Campeonato Europeu de Futebol. Inicialmente
a prova funcionou de moldes diferentes.
Portugal integrou o Campeonato Europeu,
pela primeira vez, em 21 de junho de 1959, com o primeiro jogo na Alemanha
Oriental, onde ganhou por 2-0. Neste encontro jogaram dois irmãos: Sebastião da
Fonseca Lucas, mais conhecido por Matateu, já falecido; e Vicente Lucas da
Fonseca. Os golos de Portugal foram marcados por Matateu e Coluna. No segundo
jogo, realizado no nosso país, em 28 de junho, Portugal ganhou à Alemanha
Oriental por 3-2.
Vamos dar evidência à figura
incontestável de VICENTE LUCAS, de
seu nome completo Vicente da Fonseca Lucas, que nasceu em Moçambique em
24-09-1935. Veio para Portugal, envergando a camisola do Clube de Futebol “Os
Belenenses”, ombreando com seu irmão, Matateu.
Estreou-se pela Seleção
Portuguesa em 3 de junho de 1959, em Lisboa, frente à Escócia (1-0), tendo sido
o seu último jogo, no Campeonato do Mundo de Futebol de 1966, em 23 de junho de
1966 (há cinquenta anos), em Liverpool, frente à Coreia do Norte (5-3). A sua
posição em campo era a defesa e médio.
Pouco falador, bondoso, Vicente
tornou-se numa das figuras mais queridas da história do futebol português. O
seu estilo subtil e instintivo marcou uma época, tendo sido um defesa de
categoria ímpar, de técnica apuradíssima e impressionante rapidez de movimentos.
Na sua capacidade de antecipar os lances e os movimentos do adversário, chegava
sempre primeiro às bolas em disputa, tendo alicerçado uma carreira que o Mundo
apreciou.
Cinco anos depois de ter assinado
pelo Belenenses, Vicente chegou à Seleção Nacional na qual não teve uma
presença muito firme. Os confrontos com o Brasil, sobretudo aquela célebre
vitória de abril de 1963, em Lisboa (1-0) criaram um facto inesquecível na vida
do defesa central português: a forma como soube marcar Pelé, a grande estrela
do futebol mundial, permitindo à imprensa rejubilar em manchete: “Vicente meteu Pelé no bolso”. Não
admira, portanto, que das suas 20 internacionalizações, Vicente some 6 contra o
Brasil.
Com 30 anos, parecia que Vicente
iria ter mais 4 ou 5 épocas ao mais alto nível para dar ao seu clube – O
Belenenses, e à Seleção Nacional Portuguesa, mas o fatal destino não permitiu
que assim acontecesse. Logo no início da época seguinte, no fatídico dia 7 de
outubro de 1966, um acidente de viação fez-lhe perder uma das vistas. O
infortúnio atingira brutal e precocemente o fim da carreira de Vicente.
Em 22 de janeiro de 1967, uma
vénia coletiva varreu o país desportivo, com jogos a decorrerem em 17 campos de
norte a sul sob o mesmo denominador, e isto diz tudo sobre a dimensão de
Vicente Lucas.
Recordo-me de também o Sporting
da Covilhã se ter associado num desses encontros, com o Benfica de Castelo
Branco, em Castelo Branco. Foi a justa homenagem ao grande Homem e Desportista,
todos se unindo para mitigar o infortúnio de um jogador de eleição.
Recentemente, Vicente Lucas teve
um novo irritante adversário. A recente amputação parcial da perna esquerda vai
obrigar o antigo defesa/médio que brilhou no Mundial de 1966 “a um processo de
recuperação que exige uma dose de empenho tão generosa como aquela que, durante
anos a fio, derramou sobre o relvado. É mais um revés num corpo massacrado pelo
azar que foi forçado a virar costas ao futebol demasiado cedo”, quando, em
outubro desse ano de glória da seleção em Inglaterra, sofreu, como já referi,
um acidente de viação que lhe inutilizou um olho.
E, assim terminamos este texto,
da “Memória Redonda – Simplesmente Vicente”, como tão bem o interpretou o “Público”, de 6 de março de 2016.
As memórias dos dois irmãos, a
jogar no Belenenses, e na Seleção Nacional, são diferentes, na verdade. No
campo e fora dele. Matateu, mais imponente e extrovertido. Vicente, mais subtil
e discreto. Matateu um predador de área. Vicente uma sombra permanente para os
adversários.
É verdade que Vicente Lucas nunca
se sagrou campeão nacional, mas conquistou algo bem mais valioso que um troféu:
o respeito e a admiração de um povo.
Como Vicente Lucas, também os
valorosos atletas que integraram a Seleção de Portugal, neste Campeonato
Europeu de Futebol de 2016, são credores do respeito e admiração de todos nós.
(In "O Combatente da Estrela", de julho a setembro de 2016)