24 de julho de 2016

TAMBÉM SOMOS UMA CASA DE CULTURA

Chegámos ao verão ansiosamente esperado depois da inexistente primavera ter sido, neste ano da graça de dois mil e dezasseis, um indevido continuar do inverno, quase… Esperemos que tenha sido tão só um virar de página.
Assim, conforme anunciámos no anterior número d’O Combatente da Estrela, e como o atesta a reportagem inserta neste, as Comemorações dos noventa anos do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes revestiram-se de grande brilhantismo. Mais de duas centenas de pessoas participaram nos diversos atos das Comemorações que se concluíram com o almoço-convívio no Hotel das Penhas da Saúde.
Na sua grande maioria éramos conhecidos, amigos ou antigos companheiros de jornada, quer nos tempos saudosos da escolaridade, das várias atividades profissionais, muitos na indústria laneira, não só na Covilhã, quer por este país fora, e até além-fronteiras; e, como não podia deixar de ser, dos difíceis tempos da obrigatoriedade do serviço militar, em tempo de guerra nas Colónias, designadas na altura de Ultramar.
Diz-se que o tempo cura as feridas, mas a profundidade com que foram sulcadas em muitos casos, jamais desaparecem das mentes de cada um dos envolvidos nesses meandros da incompreensão por que foram tantos jovens lançados às feras. Alguns textos aqui reproduzidos pelos vários Colaboradores são disso testemunho real.
A juventude de hoje, que não se vê envolvida no serviço militar obrigatório, em tempo de paz (não fazia mal nenhum, nesta situação, antes pelo contrário) jamais se aperceberá do que foi a sua antecessora dos anos sessenta e setenta do século passado, ao ser retirada do seio da sua família, para ser enviada para as terras africanas, e não só, na incerteza do seu regresso, volvidos muitos meses, após terminarem os seus tempos de serviço, e poder ainda ser com vida.
Alguns familiares não aguentaram o choque inicial da partida dos seus filhos, como podem verificar no texto, em parte comovente, inserido neste número, na rubrica “Conte-nos a sua história”.
Mas agora, entre a diversidade de casos; uns que regressaram sem problemas de maior, ao invés, outros com deficiências na sua carne, incuráveis, mais ou menos acentuadas; um denominador comum a quase todos abrange com os problemas traumáticos gerados. Que nunca desaparecem. Para isso a Direção Central da Liga dos Combatentes disponibilizou aos Núcleos o acesso a consultas com psicólogas, aos antigos Combatentes e suas famílias, assim como outros apoios.
Para além dos sofredores no terreno militar, daqueles ex-territórios longínquos, ficaram outros (as) sofredores (as), na Terra-Mãe, que também, em muitíssimos casos, ainda estão a suportar na vivência em comum, as doenças das mentes, muitas vezes sem se terem muito bem apercebido da mudança de comportamentos que afetou o agregado familiar.
Será pois nesta compreensão; que é também uma união, uma força, um sentir, e também uma revolta, por que existe esta instituição, abarcando todas as classes sociais, que se irmanam neste grande elo de ligação – a força do dever cumprido – e, agora na tranquilidade do não perigo iminente; que podem encontrar aquele lenitivo, para a recordação das memórias dos tempos de medo, mas, também, no meio daqueles tempos conturbados, o que os seus olhos viram de deslumbramento geográfico, que só a incompreensão dos senhores da guerra, e dos que para ela nos atiraram, mancharam a paisagem com tinta de sangue.
Efetivamente, a história desses famigerados tempos de 1961 a 1974 vieram lançar um enorme e injusto castigo à juventude de então, mas “não houve tempo” de punir justamente os causadores de tanta maldade.
Poderia esta Instituição, que aliás foi criada com base nos Combatentes da Grande Guerra, e depois continuadora com os Combatentes do Ultramar, ser uma como tantas Instituições ou Coletividades que grassam por este Concelho, para já não falar do país, que não passam se não para manter em atividade um simples bar, ou, como agora está em voga, aproveitar um leque de viagens, que também despertam o espírito, e fazer alguns eventos normais ao longo do ano para preencher o espaço duma gerência.
Poderia também ser uma dessas muitas Instituições ou Coletividades em que o aspeto cultural é o de somenos importância, que isso é matéria enfadonha. Para saber as novidades, na mesa de leitura podem lá encontrar os jornais desportivos.
Felizmente que neste Núcleo da Liga dos Combatentes da Covilhã, os meses são preenchidos com várias atividades de vários âmbitos, onde a Cultura tem um papel de primordial importância.
É, pois, também uma Casa de Cultura.
Daí que as equipas diretivas encontram-se verdadeiramente empenhadas no prosseguimento desses objetivos que têm traçado.
Dá gosto assim trabalhar, porque todos os dias são convívios, cada qual ao seu gosto, cada qual à sua maneira, cada qual num fazedor de novos amigos!
É por isso, como sempre tenho dito, que a amizade é uma festa.
Neste contexto, a Direção do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes, para além de ter prestado tributo a todos os antigos e atuais dirigentes, em ato simbólico de reunião num almoço-convívio, também se propôs recordá-los através duma brochura, ainda em preparação, para que as memórias de todos quantos passaram pelo dirigismo desta Instituição se perpetuem. Fazendo assim jus à memória de todos quantos ombrearam nas várias tarefas para manter de pé, e neste fervor, uma Instituição que é merecedora do respeito não só do Concelho e Cidade onde se encontra inserida, mas também do país.
O relato que vamos dando conta dos vários eventos, ao longo dos anos que se vão seguindo, assim o atesta.

Este espaço da escrita está cada vez a ficar-me mais reduzido, mas não posso terminar sem referir aqui um Amigo pessoal que precocemente nos deixou, o Dr. Rui Nunes Proença Delgado, que foi um dos fundadores d’O Combatente da Estrela. Um grande historiador sobre a Covilhã, onde deixou excelentes obras sobre a sua história, as quais tive o privilégio de lhas adquirir, todas autografadas. Aliás, eu era sempre um alvo por ele indicado para estar presente na apresentação das mesmas. E conversámos várias vezes sobre os livros e as crónicas.

(In "O Combatente da Estrela", de julho a setembro de 2016)

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