6 de julho de 2016

A EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA À SERRA DA ESTRELA FOI HÁ 135 ANOS

1 - As viagens de exploração portuguesas a África haviam-se iniciado a 7 de julho de 1877, com o trio Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e Serpa Pinto. A ideia partiu de Luciano Cordeiro, escritor, historiador, político e geógrafo português que, tendo desempenhado cargos governativos, dois anos antes havia fundado a Sociedade de Geografia de Lisboa (10 de novembro de 1875), com um grupo de 74 subscritores. O seu objetivo: promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e correlativas. Existia já um movimento europeu de exploração e colonização, direcionado para o continente africano.
Esta Sociedade surgiu tardia, na defesa da posição portuguesa em África, face ao forte surto expansionista europeu, com exploradores de todas as grandes potências europeias, lançados numa verdadeira rivalidade pela prospeção dos territórios.
Na Conferência de Berlim, realizada de 15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885, com o encontro de líderes europeus (Alemanha, Grã-Bretanha, França, Espanha, Portugal, Itália, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Estados Unidos, Suécia, Áustria-Hungria e Império Otomano), teve o objetivo de dividir África e definir arbitrariamente fronteiras. Nesta conferência Portugal apresentou um projeto – o célebre Mapa cor-de-rosa – que consistia em ligar Angola a Moçambique. Não obstante todos concordarem com o projeto, os ingleses roeram o acordo com Portugal e marimbaram-se para o Tratado de Windsor, assinado entre a Inglaterra e Portugal, em 1386. Cedemos. Foi o Ultimato Britânico a Portugal.
Oito anos antes os nossos exploradores iniciavam a sua expedição a África, tendo regressado, triunfalmente, em 1 de março de 1880, somente Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens.
2 Entretanto, em agosto de 1881, a Sociedade de Geografia de Lisboa promove e organiza a Expedição Científica à Serra da Estrela, durante quinze dias, com início no dia 1 de agosto, auxiliada pelo Governo e pela Junta Geral do Distrito da Guarda. Integrou esta expedição o médico, Dr. Sousa Martins, cujos esforços desenvolveu no sentido de chamar a atenção dos meios científicos e clínicos de então para as condições que esta região oferecia para o tratamento da tuberculose, que grassava na época. Surgiu assim o Sanatório Sousa Martins, na Guarda, inaugurado pelo Rei D. Carlos e Rainha D. Amélia, em 18 de maio de 1907. Mais tarde surgiu na Serra da Estrela o Sanatório dos Ferroviários, mandado construir pelos Caminhos-de-ferro, para tratamento da tuberculose dos seus funcionários. Demorou oito anos a construir (1928-1936).
Desta expedição resultou a elaboração de relatórios das várias secções científicas. O interesse do Dr. Sousa Martins na realização da expedição prendeu-se com a necessidade de conhecer a meteorologia e as condições sanitárias da região dada a importância então atribuída ao clima no tratamento da tuberculose pulmonar. Assim, em conjunto com Hermenegildo Capelo, que também integrou a expedição, requereu ao Governo a instalação de um posto meteorológico na Serra, e ele lá está, nas Penhas Douradas, desde janeiro de 1882.
De harmonia com o regulamento, “A expedição divide-se nas seguintes secções: a) seções de estudo: de agronomia e silvicultura; de antropologia, de arqueologia, de botânica, de etnografia, de geologia, de hidrografia (estudo das torrentes); de hidrologia mineromedicinal, de medicina, de meteorologia, de zoologia, de zootécnica; b) secções auxiliares: de trabalhos químicos, de trabalhos fotográficos; c) secções de serviço: de serviço médico de socorros aos membros da expedição que deles carecem; de serviço administrativo de secretaria, tesouraria, transportes, correio, rancho, etc.”. Foram 100 os elementos que a constituíram.
Como não é possível, por falta de espaço, enumerar muitos dos interessantes factos que ocorreram nesta expedição à Serra da Estrela, respiguei dos relatórios de algumas das secções, algo de curiosidades no que concerne a vários aspetos, como a aventura, o medo, as lendas, memorização de alguns nomes de sítios por que muitos de nós já passámos, ou ouvimos falar.
Certo é, que na secção de “Medicina – Subsecção de Hidrologia Mineromedicinal” se deu ênfase às águas termais sulfurosas das Caldas de Manteigas e de Unhais da Serra, e as respetivas fontes.
Na secção de “Arqueologia” fez-se evidência às estações pré-históricas (do tipo Citânia e de Sabroso), para, nos monumentos megalíticos, se realçarem as Antas, Sepulturas em rocha, Penedos com gravuras e Antinhas.
Já a secção de “Etnografia” é uma das mais recheadas de conteúdo histórico, na parte inerente às “Lendas da Serra da Estrela na Tradição Escrita”, onde a vida de Viriato é francamente em evidência. São ainda referidas as “Comunicações das lagoas com o mar, fluxo e refluxo, bramidos quando há tempestade”. Depois, nas “Interpretações locativas”, falou-se na origem possível de “Monte Hermínio”, sendo que “uma tradição que chegou aos nossos dias designa a Serra da Estrela o Hermínio Maior; a de Marvão, o Hermínio Menor”.~
E também o Malhão Grande ou Malhão da Estrela, nome dado ao ponto culminante da serra, designação que os pastores da localidade empregam. E cujo local se passou a chamar Torre, depois de colocada uma pirâmide, a qual foi mandada construir em 1806 pelo príncipe regente D. João. As aventuras dos expedicionários: “Se de dia e a distância ninguém observa os Cântaros pela primeira vez sem sentir vertigens e o coração comprimido, imagine-se o que nós sentiríamos às dez da noite aos vermo-nos presos no cume do Cântaro Gordo, rochedo de 413 metros de altura sobre a ribeira da Candeeira, eriçado de fragões escuros, no meio de profundos covões formado por outros fraguedos e despenhadeiros igualmente sinistros e medonhos! (…) Aqui, onde a natureza é horrivelmente majestosa e grande, ninguém deixará de se sentir infinitamente pequeno. (…) Chegado a este ponto fomos descendo, recomendando-nos o pastor que não olhássemos para os lados por causa da vertigem do abismo e que descêssemos de costas, não deslocando nunca uma mão sem ter a outra firme e segura ao rochedo. Estivemos parados algum tempo sem poder prosseguir nem retroceder. Estávamos suspensos entre a vida e a morte! Causava horror olhar para os lados ou para a frente. Fitámos então a vista nas estrelas para não sentirmos a vertigem do abismo cavado a nossos pés. – Estão salvos, disse-nos o pastor, porque desceram de noite e não viram o precipício”.
Sendo a maior secção, aqui se falou dos Cântaros, Fontes e Lagoas dos Vales do Zêzere e do Alva (Chafariz del-Rei, Lagoa do Paxão, Lagoas dos Cântaros ou das Salgadeiras; Fonte de Paulo Martins; Fonte dos Perus, Lagoa Escura, Lagoa Comprida, Lagoa Redonda, Lagoa Seca, Lagoa das Favas); Rua dos Mercadores, Penhas Douradas, Agulha, Espinhaço de Cão, Covão, Nave, sendo certo que as palavras penedo, penedia, penhasco, rocha, rochedo, penha, etc., vulgarmente empregadas como sinónimos, têm todavia significações diversas, consagradas pelo uso da gente rude, algumas das quais coincidem com as que os respetivos termos são assinaladas na linguagem culta.
Por último, na secção de “Botânica” muita coisa foi dita que seria de grande fastio aqui enumerar, pois foram 716 espécies as mencionadas, com as suas localizações. Só referir que o Cervum, assim se denomina o nardus stricta, que atapeta uma grande parte do terreno dos planaltos; é uma erva muito rasteira e resistente. E também o nosso conhecido zimbro, juniperus communis.
As explorações botânicas na Serra da Estrela já haviam sido efetuadas, por várias vezes, ao longo do século XIX, sendo que a primeira expedição teve lugar em julho de 1798.

(In "Notícias da Covilhã", de 07-07-2016)













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