1 - As viagens de exploração portuguesas a África haviam-se
iniciado a 7 de julho de 1877, com o trio Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e
Serpa Pinto. A ideia partiu de Luciano Cordeiro, escritor, historiador,
político e geógrafo português que, tendo desempenhado cargos governativos, dois
anos antes havia fundado a Sociedade de Geografia de Lisboa (10 de novembro de
1875), com um grupo de 74 subscritores. O seu objetivo: promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e
correlativas. Existia já um movimento europeu de exploração e colonização, direcionado
para o continente africano.
Esta Sociedade surgiu tardia,
na defesa da posição portuguesa em África, face ao forte surto expansionista
europeu, com exploradores de todas as grandes potências europeias, lançados
numa verdadeira rivalidade pela prospeção dos territórios.
Na Conferência de Berlim,
realizada de 15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885, com o encontro
de líderes europeus (Alemanha, Grã-Bretanha, França, Espanha, Portugal, Itália,
Bélgica, Holanda, Dinamarca, Estados Unidos, Suécia, Áustria-Hungria e Império
Otomano), teve o objetivo de dividir África e definir arbitrariamente
fronteiras. Nesta conferência Portugal apresentou um projeto – o célebre Mapa
cor-de-rosa – que consistia em ligar Angola a Moçambique. Não obstante todos
concordarem com o projeto, os ingleses roeram o acordo com Portugal e
marimbaram-se para o Tratado de Windsor, assinado entre a Inglaterra e
Portugal, em 1386. Cedemos. Foi o Ultimato Britânico a Portugal.
Oito anos antes os nossos
exploradores iniciavam a sua expedição a África, tendo regressado,
triunfalmente, em 1 de março de 1880, somente Hermenegildo Capelo e Roberto
Ivens.
2 – Entretanto, em agosto de 1881, a Sociedade de Geografia de
Lisboa promove e organiza a Expedição Científica à Serra da Estrela, durante
quinze dias, com início no dia 1 de agosto, auxiliada pelo Governo e pela Junta
Geral do Distrito da Guarda. Integrou esta expedição o médico, Dr. Sousa
Martins, cujos esforços desenvolveu no sentido de chamar a atenção dos meios
científicos e clínicos de então para as condições que esta região oferecia para
o tratamento da tuberculose, que grassava na época. Surgiu assim o Sanatório
Sousa Martins, na Guarda, inaugurado pelo Rei D. Carlos e Rainha D. Amélia, em
18 de maio de 1907. Mais tarde surgiu na Serra da Estrela o Sanatório dos
Ferroviários, mandado construir pelos Caminhos-de-ferro, para tratamento da
tuberculose dos seus funcionários. Demorou oito anos a construir (1928-1936).
Desta expedição resultou a
elaboração de relatórios das várias secções científicas. O interesse do Dr.
Sousa Martins na realização da expedição prendeu-se com a necessidade de
conhecer a meteorologia e as condições sanitárias da região dada a importância
então atribuída ao clima no tratamento da tuberculose pulmonar. Assim, em
conjunto com Hermenegildo Capelo, que também integrou a expedição, requereu ao
Governo a instalação de um posto meteorológico na Serra, e ele lá está, nas
Penhas Douradas, desde janeiro de 1882.
De harmonia com o regulamento,
“A expedição divide-se nas seguintes secções: a) seções de estudo: de agronomia e silvicultura; de antropologia, de
arqueologia, de botânica, de etnografia, de geologia, de hidrografia (estudo
das torrentes); de hidrologia mineromedicinal, de medicina, de meteorologia, de
zoologia, de zootécnica; b) secções
auxiliares: de trabalhos químicos, de trabalhos fotográficos; c) secções de serviço: de serviço médico de
socorros aos membros da expedição que deles carecem; de serviço administrativo
de secretaria, tesouraria, transportes, correio, rancho, etc.”. Foram 100 os
elementos que a constituíram.
Como não é possível, por falta
de espaço, enumerar muitos dos interessantes factos que ocorreram nesta
expedição à Serra da Estrela, respiguei dos relatórios de algumas das secções,
algo de curiosidades no que concerne a vários aspetos, como a aventura, o medo,
as lendas, memorização de alguns nomes de sítios por que muitos de nós já
passámos, ou ouvimos falar.
Certo é, que na secção de “Medicina – Subsecção de Hidrologia
Mineromedicinal” se deu ênfase às águas termais sulfurosas das Caldas de
Manteigas e de Unhais da Serra, e as respetivas fontes.
Na secção de “Arqueologia” fez-se evidência às
estações pré-históricas (do tipo Citânia e
de Sabroso), para, nos monumentos
megalíticos, se realçarem as Antas,
Sepulturas em rocha, Penedos com gravuras e Antinhas.
Já a secção de “Etnografia” é uma das mais recheadas de
conteúdo histórico, na parte inerente às “Lendas
da Serra da Estrela na Tradição Escrita”, onde a vida de Viriato é
francamente em evidência. São ainda referidas as “Comunicações das lagoas com o mar, fluxo e refluxo, bramidos quando há
tempestade”. Depois, nas “Interpretações
locativas”, falou-se na origem possível de “Monte Hermínio”, sendo que “uma tradição que chegou aos nossos
dias designa a Serra da Estrela o Hermínio Maior; a de Marvão, o Hermínio
Menor”.~
E também o Malhão Grande ou Malhão da Estrela, nome dado ao ponto culminante da serra,
designação que os pastores da localidade empregam. E cujo local se passou a
chamar Torre, depois de colocada uma
pirâmide, a qual foi mandada construir em 1806 pelo príncipe regente D. João. As
aventuras dos expedicionários: “Se de dia e a distância ninguém observa os
Cântaros pela primeira vez sem sentir vertigens e o coração comprimido,
imagine-se o que nós sentiríamos às dez da noite aos vermo-nos presos no cume
do Cântaro Gordo, rochedo de 413 metros de altura sobre a ribeira da Candeeira,
eriçado de fragões escuros, no meio de profundos covões formado por outros
fraguedos e despenhadeiros igualmente sinistros e medonhos! (…) Aqui, onde a
natureza é horrivelmente majestosa e grande, ninguém deixará de se sentir
infinitamente pequeno. (…) Chegado a este ponto fomos descendo,
recomendando-nos o pastor que não olhássemos para os lados por causa da
vertigem do abismo e que descêssemos de costas, não deslocando nunca uma mão
sem ter a outra firme e segura ao rochedo. Estivemos parados algum tempo sem
poder prosseguir nem retroceder. Estávamos suspensos entre a vida e a morte!
Causava horror olhar para os lados ou para a frente. Fitámos então a vista nas
estrelas para não sentirmos a vertigem do abismo cavado a nossos pés. – Estão
salvos, disse-nos o pastor, porque desceram de noite e não viram o precipício”.
Sendo a maior secção, aqui se
falou dos Cântaros, Fontes e Lagoas dos
Vales do Zêzere e do Alva (Chafariz del-Rei, Lagoa do Paxão, Lagoas dos
Cântaros ou das Salgadeiras; Fonte de
Paulo Martins; Fonte dos Perus, Lagoa Escura, Lagoa Comprida, Lagoa Redonda,
Lagoa Seca, Lagoa das Favas); Rua dos Mercadores, Penhas Douradas, Agulha,
Espinhaço de Cão, Covão, Nave, sendo certo que as palavras penedo, penedia, penhasco, rocha, rochedo,
penha, etc., vulgarmente empregadas como sinónimos, têm todavia
significações diversas, consagradas pelo uso da gente rude, algumas das quais
coincidem com as que os respetivos termos são assinaladas na linguagem culta.
Por último, na secção de “Botânica” muita coisa foi dita que
seria de grande fastio aqui enumerar, pois foram 716 espécies as mencionadas,
com as suas localizações. Só referir que o Cervum,
assim se denomina o nardus stricta, que
atapeta uma grande parte do terreno dos planaltos; é uma erva muito rasteira e
resistente. E também o nosso conhecido zimbro,
juniperus communis.
As explorações botânicas na
Serra da Estrela já haviam sido efetuadas, por várias vezes, ao longo do século
XIX, sendo que a primeira expedição teve lugar em julho de 1798.
(In "Notícias da Covilhã", de 07-07-2016)
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