26 de outubro de 2016

PADROEIRA DA COVILHÃ

“Qual a razão de Nossa Senhora da Conceição ser a padroeira da Covilhã, ou seja, qual a justificação histórica, religiosa, cultural ou outra que levou a essa atribuição específica à nossa cidade?” É uma pergunta que me foi colocada por um covilhanense, radicado em Lisboa.
Não é fácil encontrar essa razão, duma forma particular para a Covilhã, porque as fontes consultadas são escassas e não conduzem a uma clareza, mas antes a uma suposição, sendo que também era nosso desiderato conhecer verdadeiramente a sua génese, assim como a da Paróquia da Conceição, considerada padroeira Nossa Senhora da Conceição mas cujo patrono é S. Francisco de Assis, e, por isso, a Igreja é mais conhecida por Igreja de S. Francisco.
 Várias têm sido as festas e peregrinações de Nossa Senhora (sem especificar o título, mas mais referenciadas com o de Fátima), que passaram pela Covilhã, com pompa e circunstância, nas décadas de 40, 50 e 60 do século passado, a que já fiz referência em artigos publicados no Notícias da Covilhã, em 2004, 2008 e 2012, relacionados mais com o Monumento a Nossa Senhora da Conceição. Já no atual século surgiram duas peregrinações de Nossa Senhora no Arciprestado da Covilhã: 4 de janeiro a 1 de fevereiro e 2009; e no dia 9 de outubro de 2015.
A devoção a Nossa Senhora é uma história secular e glorificante que arrancou logo nos primórdios da Nacionalidade. Sedimentou-se e alargou sobretudo com a Restauração no século XVII. A maior parte das catedrais, como a da diocese da Guarda, criada em 1203, e grande número de igrejas paroquias, tomaram a Virgem Maria para padroeira das suas catedrais. Já o Conde D. Henrique e D. Teresa, a 12 de abril de 1120, doaram o couto de Braga “à Virgem Maria, em cuja honra estava fundada, na cidade de Braga, a igreja metropolitana”. D. Afonso Henriques, ao tomar as rédeas do governo, elegeria Santa Maria de Braga para padroeira e rainha de Portugal nascente. D. João I que tinha grande devoção à Virgem Maria, particularmente à sua Assunção, cuja vigília coincidia com a da grande vitória de Aljubarrota, fez a promessa, que cumpriu, quando da batalha de Aljubarrota, de ir a “pé a Santa Maria da Oliveira, que era na vila de Guimarães”.
Todas as catedrais portuguesas foram dedicadas, em 1394, ao mistério da Assunção, por bula de Bonifácio IX. Este ambiente assuncionista levou os fiéis a tomarem a Senhora da Assunção como sua protetora e padroeira de Portugal. O Santo Condestável Nuno Álvares Pereira, como grande devoto da Virgem, ia haurir forças para os combates diante da sua imagem, andando a peregrinar de igreja em igreja, às vezes a “pé e descalço em romaria a Santa Maria”. Conquistada Ceuta, a 21 de agosto de 1415, o Infante D. Henrique enviou uma imagem de Santa Maria, mandando-lhe pôr o nome de Santa Maria de África. Assim como mandou levantar no Restelo, na margem direita do Tejo, um templo a Santa Maria de Belém. Antes de embarcarem para a viagem da descoberta do caminho marítimo para a Índia, Vasco da Gama e outros capitães passaram em vigília, nesta capela do Restelo, a noite de 7 para 8 de julho de 1497.
Encontrando na Virgem uma proteção sempre pronta, os portugueses foram levados a considerá-la como padroeira da Nação. Este padroado, embora não se conheça proclamação oficial anterior à de D. João IV em 1646, já era reconhecido desde o século XIV, pelo menos, como o demonstram vários documentos.
Mas porque também à Covilhã diz respeito, a Virgem Maria foi ainda chamada Santa Maria de Agosto, em vez de Assunção, como o fizera D. Afonso III, ao fixar, em 1260, a feira da Covilhã.
O século XIX foi também um século marcadamente mariano, e o patrocínio de Maria, nas horas amargas da descristianização de muitos, e desânimo de tantos, aparecia como uma tábua de auxílio e salvação.
Mas se Portugal tinha já uma especial e oficial devoção e crença na Imaculada Conceição (provisão do rei D. João IV, de 25/3/1646), elas ampliaram-se com a definição desse dogma (8/12/1854).
Quanto à Covilhã, enquanto que em 13 de maio de 1946 era coroada a imagem de Nossa Senhora de Fátima, da Capelinha das Aparições (coroa oferecida pelas mulheres portuguesas); em 13 de maio do ano seguinte, o pároco de S. Pedro da Covilhã, padre José Domingues Carreto, impulsionava com grande entusiasmo a coroação da imagem de Nossa Senhora de Fátima da freguesia de São Pedro, com a coroa em ouro, objeto de oferta voluntária de senhoras daquela freguesia, cujas cerimónias, com grande brilhantismo, tiveram lugar no Pelourinho.
Mas já antes, no dia 10 de outubro de 1904, era inaugurado na Covilhã o monumento a Nossa Senhora da Conceição (imagem que, tendo sido mandada construir em França, veio vestida de Nossa Senhora de Lourdes, por lapso dos franceses), fruto duma comissão de pessoas gradas da Covilhã que resolveu consagrar a Cidade a Nossa Senhora, nas comemorações das bodas de ouro da proclamação dogmática da Imaculada Conceição de Maria. Dessa comissão faziam parte, entre outros, os padres João Rodrigues Mouta, Gregório Lopes Arroz, José Costa Tavares e Oliveira Pinto. Para além da Câmara Municipal da Covilhã também integrou a comissão o 1.º Conde da Covilhã, Cândido Calheiros; o Dr. João Ferraz de Carvalho Megre e Gregório Baltazar.
Não conseguimos encontrar qualquer referência concreta à origem de Padroeira da Covilhã. No entanto, na parte final da ata n.º 19 da Reunião Ordinária da Câmara Municipal da Covilhã, de 12 de maio de 1943, o Vereador Dr. António Pereira Espiga Júnior “falou acerca do grande êxito espiritual que foi a Solene Consagração do Concelho da Covilhã a Nossa Senhora da Conceição, realizada por promoção da municipalidade, no passado dia 9. A romagem ao Monumento à Virgem foi impressionante de beleza e de fé e nela se incorporaram perto de dez mil pessoas. A consagração escrita pelo Senhor Presidente (Dr. Luís Victor Tavares Batista) e lida por ele, estando rodeado de todas as Juntas de Freguesia do Concelho, é um belo documento cristão (…)”.
No “Notícias da Covilhã” de 16 de maio de 1943 fazia grande referência à “Consagração do Concelho da Covilhã ao Imaculado Coração de Maria”: “Na Colina Sagrada do nosso Monumento à Imaculada Padroeira de Portugal, tem este lugar sido teatro de atos religiosos e patrióticos da maior grandeza e solenidade; desde a sua inauguração em 1904 têm-se ali juntado milhares de pessoas implorando a proteção da augusta Padroeira da nossa Terra. Julgamos porém poder afirmar que a romagem do passado domingo foi a mais importante de todas pela sua projeção nacional e pelos efeitos que deve ter em benefício da Covilhã. A resolução corajosa do Exm.º Presidente da Câmara de consagrar o concelho ao Imaculado Coração de Maria transcende, na ordem moral todos os empreendimentos que o seu consulado camarário tem realizado e está realizando no progresso material da Covilhã. (…) Ora, o Senhor Presidente da Câmara da Covilhã (…) quis ter a nobreza de, antecipando-se a outras regiões do país, seguir atrás do Santo Padre Pio XII e dos Venerandos Prelados Portugueses, entregando-nos e confiando-nos à proteção daquela que sendo Mãe de Deus é, tem sido e será a amada Padroeira de Portugal. (…) Com as nossas felicitações ao Senhor Presidente da Câmara, só nos resta fazer votos por que a Virgem Imaculada se tenha benigna e maternalmente dignado receber os destinos do nosso Concelho”.
A única vez que se falou no termo “Padroeira” foi aquela acima, “Padroeira da nossa Terra”, pelo que é natural que, de todos estes eventos solenes, saísse, de forma intrínseca, o reconhecimento de que Nossa Senhora passara a ser também designada Padroeira da Covilhã, como já o era do país, e de tantas outras cidades, com as várias denominações: Fátima, Assunção ou Conceição.

Seja como for, ainda que de forma consuetudinária, Nossa Senhora jamais deixará de ser a Padroeira da Covilhã e da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, na fé de todos os Covilhanenses.

(In "Notícias da Covilhã", de 27-10-2016)

24 de outubro de 2016

O TEMPO PERGUNTA AO TEMPO

O nosso tempo. Quanto tempo ainda temos? O tempo das nossas vidas. Que tempo!...
Este tema que trouxe para o penúltimo número de O Combatente da Estrela, deste ano da graça de dois mil e dezasseis, faz-me lembrar aquela lengalenga infantil dos meus tempos: “O tempo pergunta ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo responde ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto o tempo o tempo tem”.
E é assim que nos espaços temporais que nos vão acontecendo, há um despontar, quase sem nos apercebermos, de vivências diversificadas, trabalhos, incompreensões, tristezas mas também ledas passagens pelas nossas vidas. É o nosso tempo. O tempo em que vivemos. Talvez o tempo por que não gostaríamos tanto de caminhar, ao invés de outro tempo mais risonho, aquele com que sonhámos, naquele tempo da nossa juventude para o horizonte dos nossos desejos.
Mas se a expressão “dar tempo ao tempo” quase que já não cabe na nossa tolerância de pessoas moderadas, num continuar de sempre ver a banda passar, naquela de “no meu tempo não era assim” e/ou “enfim, agora são outros tempos…” também um facto pode subsistir: não seremos todos nós responsáveis por não agirmos em tempo oportuno com aquela consciência firme de pensarmos no coletivo e não só no nosso ego?
Esta reflexão, se tomada a sério, transformaria positivamente o tempo que nos resta do tempo das nossas vidas.
Vejamos tão só o que se passa a nível mundial, de âmbito nacional, e, mais de perto, o local. Cada qual deve analisar, de cabeça fria, no sossego do tempo de cada um, quais as nossas atitudes comportamentais face aos ventos e marés que vão ocorrendo no seio de todos nós.
Não cabe, nem deve, neste espaço, fazer-se quaisquer comentários de âmbito político, religioso ou desportivo que possa ferir a suscetibilidade das pessoas, “partidarizando” assim as suas opiniões, pois o princípio por que se rege este órgão de comunicação tem uma vertente de imparcialidade, acolhendo todos, com os seus defeitos e virtudes.
“O tempo pula e avança”, conforme escrevi num jornal algarvio em 15 de maio de 2012. Não é possível fazer parar o tempo. Ele avança, devagar, devagarinho, ou tão acelerado que nem damos por ele. Este paradoxo temporal é uma das vertentes da nossa vida. Para umas coisas, o tempo deveria ser preguiçoso, mas, para outras, desejaríamos vê-lo como num corridinho algarvio. No meio destas formas de vermos e sentirmos, muita coisa se desfila pela nossa frente, e, então temos que preencher o tempo das nossas vidas: como devemos, como gostamos, como podemos, como nos deixam.
Mas, por vezes, uma só pessoa não consegue transportar às costas toda a montanha; e, por outro lado, há que dar colorido a todas as formas de expressão, de pensamento, de amor às causas citadinas ou de âmbito mais lato. Tem então que se trabalhar em equipa. Para tanto, há que aceitar as boas vontades, para além dos que sentem, por via da pena (hoje mais propriamente nas teclas do computador), um sorriso para a escrita, para que, no âmbito do meio onde se inserem, até numa projeção extra muros, vejam o reconhecimento dos seus textos numa apetência pela sua leitura.
No jornalismo podemos ver um veículo ao serviço não só da informação como também do conhecimento, da cultura, da recreação do espírito.
Não é fácil dirigir um jornal. Quantas vezes um periódico, não obstante a vontade dos seus obreiros, se vê na contingência de cerrar portas, que não é o nosso caso, face aos problemas do tempo – lá está o tempo outra vez – em vários domínios, desde o financeiro à utilidade destas páginas que nos passam pela frente dos olhos, para uma só leitura rápida dos títulos, ou pela apetência dos artigos nelas inseridos.
Ora, um jornal sem diversidade, e no exclusivo duma vertente desportiva ou religiosa, torna-se direcionado somente para um determinado tipo de aderente, excluindo os restantes não interessados nestas duas causas.
Sucede, porém, que o trissemanário “O Combatente da Estrela”´ é um periódico enraizado numa vertente de muitos colaboradores – é obra! –; dispersos por opiniões variadas, onde é óbvio imperar uma veia pelos acontecimentos ocorridos ao longo da vida de antigos Combatentes, mas não só, também na expressão colorida no entusiasmo de muitos outros temas, onde a poesia também pode ter assento.
Todos trabalham com gratuitidade, desde a aceitação e seleção de textos, à revisão, preparação para entrega na tipografia, e, posteriormente, todo o trabalho para a distribuição aos prezados associados e leitores.
E é nesta vertente que nos propomos continuar a dar tempo ao nosso tempo.
P.S.

Já depois de este texto ter sido escrito, atempadamente, para o nosso Jornal, ainda em tempo, já que de tempo falamos, dois factos importantes se passaram, fora e dentro da Instituição que nos dá razão de existência neste tempo das nossas vidas de antigos militares e antigos combatentes. De fora, foi o grande orgulho e prazer que qualquer português, e, duma forma especial, o beirão, sente ao ver o Eng.º António Guterres, “contra ventos e marés” como atrás refiro, ser nomeado Secretário-Geral das Nações Unidas. Dentro da Instituição “Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes” foi o recebimento da notícia de que vai ser distinguida, pela Câmara Municipal da Covilhã, com a medalha de mérito municipal – categoria prata, no dia 20 de outubro, no âmbito das comemorações do 146º aniversário da Covilhã a cidade. Está de parabéns o “Núcleo da Liga dos Combatentes” desta Cidade, já que o tempo veio dar uma visão de justiça que há muito se justificava.

(In "O Combatente da Estrela", n.º 104, de outubro a dezembro 2016)

DESPORTO 2016: ENTRE O ÊXITO E A DESILUSÂO

Este ano da graça de dois mil e dezasseis teve Portugal em grande evidência na área desportiva, sagrando-se Campeão Europeu de Futebol, pela primeira vez na sua história.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi um mãos cheias na distribuição de condecorações com o grau de Comendador, a todos os atletas, e outros mais que iam ganhando competições, caso do Hóquei em Patins, em cuja modalidade também se sagraram Campeões Europeus.
No entanto, no primeiro jogo oficial após a conquista do Campeonato da Europa de 2016, a seleção nacional sofreu uma derrota na Suíça, por 2-0, borrando assim a escrita, como sói dizer-se, tornando mais difícil a qualificação direta para o Campeonato Mundial de Futebol de 2018.
Entretanto, após os jogos com Andorra, realizado em Aveiro; e as Ilhas Faroé, naquele território dependente da Dinamarca, com o mesmo resultado de seis bolas a zero, para Portugal; as esperanças regressaram mais acentuadas para o nosso país. Vamos esperar que não esmoreçam.
Nos jogos olímpicos realizados no Brasil, o Rio 2016 acabou por ser um “Rio” de desilusão pelas medalhas que Portugal não venceu. Salvou-nos a Telma Monteiro, com a única medalha conseguida por Portugal, desta feita no judo, medalha de bronze.
De quatro em quatro anos o país desportivo faz uma pausa no verão. A atenção foca-se nos mais diversos recintos onde há portugueses a competir nos Jogos Olímpicos.
A comitiva portuguesa, neste ano de 2016, foi a maior de sempre.
Desde 1976 que Portugal tem trazido sempre medalhas. Houve uma exceção, nos jogos realizados em Barcelona, no ano de 1992.
O palmarés português tem escassez de títulos, ou seja, somente 24 medalhas olímpicas. Apenas se verificaram medalhas de ouro por quatro vezes, e, claro, sempre no atletismo (Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro e Nelson Évora). Foram oito de prata e doze de bronze.
Portugal está longe de campeões como os Estados Unidos com as suas 2546 medalhas. Assim como não se aproxima dos países latino europeus como a França (1169 medalhas), Itália (605), Espanha (148), Roménia (306) ou ainda a Holanda (195) ou Bélgica (164) – estes dois últimos com populações próximas da portuguesa.
As esperanças que este ano se depositavam no triplo salto, concretamente em Nelson Évora (venceu o ouro em 2008, em Pequim) e em Patrícia Mamona (recentemente havia sido campeã europeia); assim como na canoagem, em Emanuel Silva e João Ribeiro (Emanuel Silva com Fernando Pimenta deram-nos prata em Londres, no ano de 2012), não terão passado de uma desilusão.
Também a esperança de quem torce de fora por medalhas por vezes pode ser tão grande quanto a dos atletas. Mas, desta vez, a mesma não correspondeu ao desejado.
Ainda no Rio 2016, mesmo no futebol caímos nos “quartos-de-final”. Fomos campeões europeus este verão, o nosso melhor resultado de sempre. É um facto que já vencemos torneios europeus e mundiais nas camadas jovens.
No entanto, Portugal já provou que é capaz de ter vencedores em várias modalidades. E é certo que as desilusões, tal como as críticas, também fazem parte da competição. Mas também é indubitável que em mais de cem anos da realização de Jogos Olímpicos, o recorde de Portugal, em medalhas numa só competição, é de apenas três.
Existe uma enorme tendência de uma boa parte dos portugueses colocar infundadas expetativas sempre que há representações desportivas nacionais em confronto internacional. Consideramos assim bestiais na formação das expetativas que poderão ir a bestas perante a aparência dos resultados.
No entanto, os atletas portugueses bateram-se com grande dignidade e tudo tentaram para honrar a responsabilidade da representação em que estavam investidos, pois sabemos que a realidade do sistema desportivo português é fraca e encontra-se muito abaixo dos padrões europeus.

(In "O Combatente da Estrela", n.º 104, de outubro a dezembro 2016)

19 de outubro de 2016

O COMBOIO CHEGOU À COVILHÃ HÁ 125 ANOS

A Covilhã comemorou esta efeméride no dia 6 de setembro com a recriação histórica do momento. Efetivamente, a viagem inaugural da Linha da Beira Baixa realizou-se a 6 de setembro de 1891, com a presença dos reis D. Carlos e D. Amélia.
Neste evento interessante foi também distribuída uma cópia do jornal publicado há 125 anos pelo Presidente da Câmara Municipal da Covilhã, à altura, António Pedroso dos Santos, intitulada “6 de Setembro de 1891”.
Transcrevo, por curiosidade histórica, parte da primeira página do jornal 6 de Setembro de 1891 – Covilhã, com a ortografia atual, a saber:
SUAS MAJESTADES
Exulta, em jubilosa festa, fremente de entusiasmo, a cidade dos Hermínios, ao receber por hóspedes os soberanos de Portugal: Suas Majestades El-Rei D. Carlos I, e a rainha, sua augusta esposa, D. Amélia d’Orleães.
(…) Romeiros da civilização, os régios visitantes vêm saudar e glorificar o maior acontecimento, que esta terra ainda presenciou, e o que mais intimamente se relaciona com o seu rápido e completo engrandecimento comercial e fabril.
Veem, ainda, apóstolos da beneficência, enxugar lágrimas, estancar misérias e trazer alívio a muitos dos que sofrem, fundando, sob a régia proteção, o novo hospital destinado a albergue dos doentes pobres e desvalidos.
Não é assim bela e nobre a interferência das Majestades nas festas populares?
Não é assim sublime o ofício de reinar?
A consciência pública, na sua justiça incorrutível, vai hoje responder a estas interrogações.
Um coro de milhares de vozes, exprimindo, uníssonas, os sentimentos briosos duma cidade leal, honrada e hospitaleira, levará até ao coração dos reis de Portugal a grata homenagem do mais afetuoso e expansivo acolhimento.
E perante o país, que comunga do mesmo credo, e que neste momento é solidário connosco nas afirmações de respeito e adesão à monarquia reinante, podemos formular, respeitosos, esta saudação:
“Sede bem-vindos hoje, como sereis sempre bem-vindos, ó monarcas lusitanos, ao alcáçar do trabalho, onde a lealdade e a fidelidade são brasão e fidalguia do povo beirão.
“Vele a Providência por vós, protela também a nação, que vos ama, para que as ambições desvairadas não arrastem em seu torvelinho a independência deste amado torrão, que nos foi berço comum, teatro de feitos heroicos de nossos avós.
“Salvé, Rei Português, Rei liberal, neto de heróis, protetor do trabalho e da indústria nacional!
“Salvé, Rainha de inegável bondade, mãe adotiva de todos os infelizes, sacerdotisa augusta da religião santa do amor e da caridade!”
Neste dia soleníssimo o povo covilhanense saúda e aclama com entusiasmo o Rei e a Rainha de Portugal, testemunhando-lhes a homenagem da mais afetuosa e leal dedicação.
A.     Pedroso dos Santos
E, na última página, estas efemérides covilhanenses, sob o título
DATAS MEMORÁVEIS CONCERNENTES À CIDADE DA COVILHÃ
1186: - No mês de setembro deste ano é outorgado o primitivo foral da Covilhã por El-Rei D. Sancho I.
1202 a 1206: - Nestes anos residiu o mesmo rei por várias vezes na Covilhã, e noutras terras que incessantemente percorria para prover de remédio aos males causados pela extraordinária fome, que assolou Portugal e outros países da Europa.
1207: - Em agosto deste ano achava-se o rei povoador em Covilhã, donde é datado o foral que concedeu a Souto.
1214: - É datada de Covilhã no dia primeiro de novembro deste ano a carta régia pela qual D. Afonso II concede aos Templários a herdade da Cardosa em que foi reedificada Castelo Branco.
1217: - No mês de novembro deste ano Afonso II, verosimilmente residente na Covilhã, confirma o foral que a esta terra outorgara seu pai.
1260: - El-rei D. Afonso III por carta de agosto deste ano manda estabelecer uma feira na vila de Covilhã, devendo ter lugar desde oito dias antes até oito dias depois da festa de Santa Maria de agosto.
1319: - Em 22 de dezembro deste ano El-rei D. Dinis outorga uma carta régia confirmando os privilégios, foros, usos e costumes do concelho de Covilhã, declarando na mesma que os juízes do mesmo concelho forneceram carne, pão, vinho e outras coisas não por foro nem por serviço, mas por mera hospitalidade.
1415: - São criados o ducado de Viseu e o senhorio da Covilhã por D. João I em favor de seu filho o glorioso infante D. Henrique, em galardão das gentilezas que praticara na tomada de Ceuta.
1453: - Em provisão de 2 de dezembro deste ano declara Afonso V que a Covilhã é uma das principais povoações de toda a Beira e que assim a reconheceram os reis seus antecessores.
1470: - Por alvará feito em Covilhã, aos 17 de julho deste ano, determina El-rei D. Afonso V o novo regimento dos cainhos (cunhos) das moedas de ouro e prata.
1471: - O mesmo monarca, por carta régia de 30 de junho deste ano, autoriza o infante D. Diogo a suceder no senhorio da Covilhã.
1489: - D. João II doa a seu primo o infante, depois rei, D. Manuel, o senhorio da Covilhã, vago pela morte de seu cunhado o infante D. Diogo.
1498: - Em provisão de 21 de fevereiro deste ano, declara D. Manuel que a vila da Covilhã é muito principal no conto das outras vilas do reino: fá-la por isso realenga e dá coroa para sempre, prometendo por sua real fé de nunca se dar o donatário não somente a particular mas ainda aos filhos do rei.
1510: - É datada de Santarém do dia primeiro de junho deste ano o segundo foral concedido à Covilhã por D. Manuel.
1573: - Ordena El-rei D. Sebastião, que na Câmara da Covilhã se conservem os padrões de panos.
1580: - O primeiro Filipe confirma os privilégios, liberdades e mercês que os reis antecessores haviam concedido à vila da Covilhã, por alvará de 12 de maio deste ano.
1637: - Motim popular na Covilhã contra as imposições do terceiro Filipe, em novembro deste ano. Forçam-se as portas do senado municipal, e queimam-se papéis ali encontrados. Prelúdios de 1640.
1638: - Filipe III indulta os criminosos, excetuando os cabeças de motim que foram justiçados.
1646: - Por alvará de 4 de setembro deste ano, El-rei D. João IV faz graciosas concessões à Câmara da Covilhã.
1673: - Por alvará do príncipe regente, depois D. Pedro II, datado de 28 de novembro deste ano, mandaram-se vir de Inglaterra cinco mestres para a real fábrica da Covilhã.
1710: - El-rei D. João V ordena neste ano que na vila da Covilhã se fabriquem todas as fardas para o seu exército.
1761: - El-rei D. José ordena neste ano a construção do grandioso edifício da nova fábrica real da Covilhã.
1833: - Laboram pela primeira vez nesta cidade as cardas e fiações mecânicas de lã.
1840: - Em portaria de 14 de fevereiro deste ano são aprovados os estatutos da Associação Fabril da Covilhã.
1864: - É criada uma escola industrial em Covilhã por decreto de 20 de dezembro deste ano. Não se executou.
1870: - Por decreto de 20 de outubro deste ano é a vila da Covilhã elevada à categoria de cidade.
1883: - Pela lei de 26 de abril deste ano foi o governo autorizado a construir o caminho-de-ferro da Beira Baixa, passando por Castelo Branco, Fundão e proximidades da Covilhã.
1884: - Por decreto de 4 de janeiro deste ano é instituída a Escola Industrial – Campos Mello – em Covilhã.
Por decreto ditatorial de 31 de outubro de 1884 é reorganizado o exército e colocado em Covilhã o Regimento de Infantaria 21.
1887: - Por portaria de 28 de julho deste ano é aprovado o projeto da linha férrea da Beira Baixa até à estação da Covilhã no sítio denominado a Corredoura.
1891: - É inaugurado o caminho-de-ferro da Beira Baixa, de Abrantes à Covilhã, e é visitada esta cidade por S. M. El-Rei o Senhor D. Carlos I e por S. M. a Rainha D. Amélia d’Orleães no dia 6 de setembro deste ano.

                                                            Valério Nunes de Morais.

(In "O Olhanense", de 15-10-2016)

11 de outubro de 2016

O RISCO E O PRAZER DE ESCREVER

Começo este artigo e leio no Público o último editorial da diretora Bárbara Reis (B.R.), que assim se despede nesta qualidade. E, cito das suas palavras, a frase que sua colega dizia quando tinha um artigo pronto a publicar: “Foi o melhor que consegui. Tem de certeza erros…mas ainda os não encontrei”. Sempre gostou desta definição de jornalismo. “O que fazemos é tornado público apesar de tudo. E dentro das circunstâncias. Sempre imperfeito, partilhamos o nosso trabalho com os leitores”.
Nestes últimos tempos, muitas coisas mudaram no jornalismo. E o Público, na liderança que agora muda, fez mais de dois milhares de edições em papel ao mesmo tempo que cresceu exponencialmente como marca digital, dos seus seguidores no Facebook. Criou várias secções, chamemos-lhe assim. Ganharam vários prémios de reportagens e investigação. Segundo B.R., “todos envolveram equipas multidisciplinares e muita investigação. Talento e tempo para um jornal que não cede ao populismo nem à tentação do clique fácil”. Termina, dizendo: “Saio orgulhosa do que fizemos, mas descontente com o jornal que damos aos leitores. Queremos sempre mais e melhor. Este é o problema”.
O novo diretor daquele diário, David Dinis, no seu primeiro editorial – “O nosso compromisso consigo” – propôs-se fazer algumas alterações sem que “o Público vá mudar de ADN”, e “dar ao leitor pistas para ler o país em que vivemos, o mundo em que estamos. O pluralismo de opinião condição sine qua non para que cada um possa fazer o seu juízo, tomar as suas opções, a cada dia que passa (…) porque no mundo em que vivemos já não há um problema de falta de informação, mas há cada vez mais um desafio de boa informação”.
O jornalismo que for relevante, incómodo, ético e independente, chegará com agrado aos leitores. A opinião terá que ser identificada, mesmo com imperfeições, todos os dias, ainda que se pise o risco muitas vezes. São precisas boas ideias porque é isso que os leitores querem. Muitas vezes, as tarefas mais longas, que exigem redobrado esforço nas investigações, são os trabalhos que acabam por ser mais lidos, comentados e partilhados. Com base no digital passou a haver um prolongamento da vida, obrigando-nos contudo a ser mais exigentes.
Neste direito de opinar, também investigar e menos vezes noticiar, são já 52 anos desde o meu primeiro texto nos jornais, no já distante ano de 1964, reconhecendo ter leitores atentos aos mesmos, não querendo com isso significar que haja concordância, de todos, em tudo o que escreva. A pluralidade de opiniões deve sempre existir. Sendo certo que a crítica positiva é saudável, já a zombaria se torna detestável quando se escreve algo por ironia. Obviamente que este é um dos riscos da própria escrita.
Há dias deu-me para compilar tudo o que consegui reunir em encadernações sobre a minha envolvência com os jornais neste mais de meio século até janeiro deste ano: 476 crónicas, artigos de opinião e notícias em diversos jornais regionais e nacionais, boletins e revistas temáticas (mais de duas dezenas, devidamente assinaladas). Num registo também assinalei 177 referências na diversa imprensa, regional, nacional e espanhola sobre as minhas várias publicações (dez obras de âmbito monográfico) e eventos participados.
Na primeira década do meu contacto com os jornais (meados dos anos 60 e 70) a assiduidade era reduzida face às contingências da altura: a Internet não existia, a escassez de meios técnicos, a antiga máquina de escrever era a ferramenta dessa altura. Por outro lado, era ainda a vida de estudante e, depois, o longo serviço militar obrigatório. Mesmo aqui, deitei mãos à datilografia para uma ou outra página de jornal que tinham algumas unidades militares por onde passei, e que hoje me são nostálgicas.
Todos os artigos publicados em papel podem também ser lidos na Internet: facebook e blogue.
De defeitos e virtudes todos temos um pouco. Mas é cada vez mais difícil encaixar nestas categorias as caraterísticas com que somos confrontados no dia-a-dia. Certo e verdade é que não somos tão bons como pensamos nem tão maus como tememos. Mas também existe, nalguma escrita, muito bairrismo acéfalo, num menear de cabeça com base nas suas conveniências. E, como já escrevi em 2007, é uma honra e um risco escrever num jornal e quase nada é óbvio.
E ainda referi, que, para um grande número de pessoas, a primeira angústia a “escrever no jornal” fala de uma eventual falta de assunto, e onde encontrar a inspiração. A segunda ansiedade relaciona-se à exposição pública de ideias, onde ainda é corrente tirar vantagem de tudo o que ficar em cima do muro, não sendo fácil deixar de opinar sobre certos eventos, pessoas e assuntos. Uma das tribulações está ligada ao risco do engano, da ignorância e do mero erro humano, para já não falar nas gafes ou mesmo nas gralhas jornalísticas, pois se algo surge no jornal deverá ter um mínimo de veracidade, exigindo mesmo reflexão e investigação.
Há quem se agarre às letras como o desespero daquele que necessita de calafetar as frinchas por onde as ideias se escapam. Mas também ouvimos dizer que os colunistas interessantes não são aqueles que têm grandes ideias, mas aqueles que sabem maquilhar com estilo as debilidades do pensamento.
A este propósito surgiu nestes dias, em toda a imprensa portuguesa, um idiota “arquiteto-jornalista”, que publicou um livro tão de ridículo como de estúpido – “Eu e os políticos” – “O que não pude (ou não quis) escrever até hoje”, falando cobardemente da vida sexual e de intimidades, entre personalidades, mormente políticos, algumas das quais já falecidas. José António Saraiva (J.A.S.), de sua graça, despejou na lama as pessoas com quem falou aquando da sua atividade de jornalista. Algumas figuras que J.A.S. denegriu já foram referidas nos vários órgãos da comunicação social, mencionando algumas tristes passagens do abjeto livro, com essas personalidades.
No entanto, outro abécula que foi Primeiro-ministro em Portugal, estava quase predisposto a fazer a apresentação daquele livro sem qualidade alguma, sem o ter lido, o que não era de estranhar em Pedro Passos Coelho, o homem que quis ir “além da troika” sem conhecer o memorando da mesma.

Muito haveria para dizer mas o espaço do jornal é limitado e também já fui para além do mesmo; tão só referir que, não tendo adquirido o livro já o li porque um amigo quis fazer o favor de mo enviar para o meu e-mail. Pergunto, finalmente, como foi possível escrever 263 páginas dum livro sem qualidade alguma? Com a agravante do seu autor ter sido diretor dos jornais “Expresso” e “Sol”.

(In "fórum Covilhã", de 11-10-2016)