Naquele tempo estávamos nos primeiros anos da década de
sessenta do século passado. Como habitualmente, minutos antes das nove, aguardávamos
que se aproximassem as horas para início do trabalho. Daí também o encontro com
alguns dos colegas administrativos, debaixo das arcadas da Câmara Municipal,
junto à porta da então Repartição Técnica, mais tarde designada Serviço de
Obras e Urbanização. Um pouco de conversa matinal, o puxar de um cigarro, e o deleite
num arregalar os olhos pelas jovens que também passavam, de caminhar ligeiro,
para o emprego, Escola Industrial, Liceu ou Colégio Moderno; algumas, antigas
colegas. E um ou outro amigo que subia as escadas para a Repartição de Finanças,
sediadas um pouco mais acima.
O Fernando Pedrosa Gonçalves, jovem como eu (ainda nem
sequer tínhamos sido chamados para o serviço militar) mostra-me uma caderneta
da Caixa Geral de Depósitos (CGD) depois de ter aberto a sua primeira conta
bancária. Como é que isso se faz? Perguntei-lhe. E, não é que, a partir daí,
passei também a ser cliente da CGD Crédito e Previdência, como na altura se
designava… Ala! Que já são horas! E lá subimos as escadarias do Município, cada
um para a sua secção: eu para a “Contabilidade”; ele para as “Contribuições e
Impostos”.
Rios de tinta têm passado pelos jornais, e o barulhar das
águas pelas televisões e nas redes sociais, sobre o processo pelo qual a CGD
tem passado. Ele já vem desde que a crise financeira internacional mostrou a
nudez de todos os defeitos da forma de ter um banco público no nosso País. É
que ele navega ao sabor dos ventos que sopram das interferências políticas da
cor do partido da altura. Mostra-se assim uma péssima displicência gerencial.
O já enfadonho caso da administração da CGD, com
contratação e renúncia posterior de António Domingues para a sua presidência, é
de bradar aos céus. É deveras incompreensível a conduta deste homem da breve liderança,
aceitando a gestão dum banco público com a exigência de um estatuto especialíssimo,
obviamente diferente ao de outros detentores de cargos públicos como os gestores
públicos, exigindo a omissão do seu património. Mas a que pretexto?
Não nos podemos esquecer que a CGD tem estado envolvida nos
grandes escândalos do regime, com o locupletar de figuras sobejamente
conhecidas.
Já surge na perplexidade de muitas mentes a pergunta
anónima e sentida porque é que a CGD tem que ter sempre como presidente uma
figura externa ou então um apaniguado que se move à volta do poder? Não seria
mais apropriado, é a minha opinião, encontrar, como agora foi o caso de Paulo
Macedo, um gestor de méritos e créditos firmados? E até, porque não, mesmo a
conveniência de convidar uma figura dentro dos trabalhadores da CGD? Onde está
a motivação para esses trabalhadores se empenharem verdadeiramente a darem o
melhor de si, até à exaustão, se caso fosse necessário?
Será que o vencimento que o Presidente da CGD – uma
instituição pública – dizem que vai receber de 423 mil euros anuais (igual ao
que iria receber António Domingues) não é uma grande humilhação para o grande
exército de trabalhadores portugueses a ganhar o salário mínimo como o que se
paga em Portugal?
O que foi ontem, o que é hoje, não sabemos o que será
amanhã a CGD!... De uma casa que foi de grande confiança no passado por ser um
banco do Estado, consequentemente pensando-se ser a garantia das poupanças e
dos empréstimos, mormente da habitação, dos portugueses de boas intenções,
passou hoje a ser uma autêntica geringonça dourada para ainda muitos dos que a
vão tentar direcionar para águas mais tranquilas destes ventos agitados, quais
passagens do Cabo das Tormentas que depois foi batizado de Boa Esperança pelos
nossos descobridores do século XV.
E mais, a comissão executiva da CGD irá custar em salários
cerca de 2.465 milhões de euros brutos por ano, é o que consta.
A Caixa deveria ser 100% pública, muito forte e ter uma
missão bem definida: regulador do mercado; fazer mudar de intenção os abusos na
banca privada (já que o Banco de Portugal, como regulador, é tantas vezes
inerte) e financiadora da economia real, que, em boa verdade, não são as
grandes empresas mas sim as PME e as microempresas que são aquelas que geram
90% do emprego em Portugal. Claramente que não é arruinar crédito, mas sim dar
crédito a empresas de grande viabilidade com projetos sérios e com
possibilidade forte de serem conseguidos, atribuindo-se-lhes esse crédito à
medida que se vai vendo a sua aplicação na empresa. Obviamente que também haveria
a necessidade da concessão de crédito a particulares em condições acessíveis e
exigentes ajudando assim a classe média a cimentar-se.
Não é a CGD que mantém o grosso do número de clientes nos
funcionários públicos deste País, e os reformados? Então, com uma boa gestão
certamente a CGD tem a obrigação de ser altamente rentável.
Neste ano prestes a terminar, e agora que há uma nova
liderança nesta instituição, haja a esperança de se dar a volta ao texto, como
sói dizer-se, e os líderes, que têm salários dourados, sintam a obrigação de
transmitir rápida confiança à população portuguesa, e aos emigrantes, que
sempre viram na Caixa uma entidade credível, com aquela garantia de
estabilidade e de proteção para as poupanças de uma vida, cujo património se
transformou na tal geringonça nas últimas duas décadas.
O espaço não permite mais narrativas, ainda que muito
houvesse a dizer, pelo que vamos ficar por aqui.
Desejamos a todos os leitores e suas famílias um Santo
Natal e um Feliz Ano 2017.
(In "Notícias da Covilhã", de 29-12-2016)