O ano em curso aproxima-se do
seu ocaso. Há sempre o alfa e o ómega. Ao longo deste ano surgiram muitas
coisas nas nossas vidas, nos nossos espaços de ação, no nosso País, com
destaque para as grandes catástrofes dos incêndios, com mais de uma centena de
mortos, que grassaram no território português, e, para mal dos nossos pecados,
ainda uma seca severa nos veio atormentar. Mas também houve coisas importantes
a abonar a favor de Portugal, e, como referiu o diário espanhol El País, “Portugal
‘transmite paz’, e os seus diplomatas elevam esse valor de sossego ao seu
trabalho nas sombras dos grandes poderes”.
Como inicialmente referi, se
há um princípio também há um fim. Este pode vir mais cedo ou mais tardiamente,
quando menos se pode esperar. Assim aconteceu, também este ano, com figuras
sobejamente conhecidas dos portugueses, de várias esferas da sociedade.
Vou falar de outros
acontecimentos que vão surgindo, como o celibato dos sacerdotes. Em novembro
correu por toda a comunicação social a situação do padre do Funchal Giselo
Andrade, que em agosto foi pai e assumiu a paternidade. Discutiu-se a sua
situação, de poder ou não continuar a ser padre. O cardeal-patriarca de Lisboa,
D. Manuel Clemente, admitiu que não tem que abandonar o sacerdócio “desde que
cumpra o celibato”. O cardeal disse ainda que estas situações são tratadas pelo
respetivo bispo, até porque “todas as dioceses são autónomas”. Já Frei Bento
Domingues, in Público, diz que a
Igreja só está “com este problema ridículo às costas porque recusa discutir o
fim do celibato eclesiástico”. Ainda sobre o problema da sexualidade, a teóloga
Teresa Martinho Toldy refere se “não será legítimo perguntar o que pretende a
Igreja fazer relativamente a padres e bispos que sejam homossexuais?” Na
realidade, para além de casos sobejamente conhecidos, outros, supostos, de há
muito tempo, foram notícia, em 2013, como a homossexualidade do bispo português
D. Carlos Azevedo que se encontra em Roma, confirmado num dos canais da
televisão pelo falecido padre Carreira das Neves.
Na diocese da Guarda surgiu a
situação do ex-vice-reitor do Seminário do Fundão, padre Luís Mendes, que foi
condenado a dez anos de prisão pelo abuso sexual de menores. Neste caso de pedofilia,
o bispo da Guarda, D. Manuel Felício, sempre tentou proteger este padre. Será
que o mesmo continuará a exercer o sacerdócio após cumprir a pena?
Há cinco anos, um amigo
pediu-me para investigar algo sobre seu avô, padre Manuel António Rodrigues Mouta,
que fora capelão da Igreja da Misericórdia na Covilhã. Quando o padre Mouta visitava
frequentemente as suas duas filhas (nascidas em 1913 e 1915), criadas pela
família ligadas ao sacerdote, fazia-se passar por padrinho. Nos documentos das
suas filhas surgia a designação de “pai incógnito”. Face a esta situação,
decidiu apresentar o seu caso ao bispo da Guarda, pedindo a sua resignação de
padre, a qual lhe foi negada pelo bispo. Retirou-lhe, entretanto, a
possibilidade de celebrar a Eucaristia. Foi colocado como capelão do hospital
da Santa Casa da Misericórdia, sem esta função litúrgica. “Era, para ele, um
ato de humilhação pública, não podendo celebrar missas, era também, a nível
pessoal, um castigo”. Consta ainda que, à altura, esta conduta para com o padre
Mouta foi mal recebida na Covilhã porque era muito querido das pessoas. Que a
população se organizou e fizeram uma manifestação na Guarda na tentativa de
falar com o bispo da diocese. Perante esta pressão dos covilhanenses, o bispo
reconsiderou e o padre Manuel Mouta voltou à Igreja da Misericórdia, sendo que
um dos seus pontos que o destacava ainda mais era, na Sexta-Feira Santa, a
impressionante voz para os cânticos do Enterro do Senhor, vindo gentes de todo
o lado para o ouvir.
Após aturadas investigações e,
conforme atas das sessões da mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia
da Covilhã, foi constatado que o padre Manuel Mouta foi nomeado interinamente capelão
desta instituição em 13/12/1935, tendo sido mais tarde coadjuvado, face ao seu
estado de saúde, e, depois substituído, interinamente, pelo padre José Mendes
Pina, em 31/07/1944. Pela ata de 26 de março de 1945, desta Santa Casa da
Misericórdia, dava-se conhecimento do falecimento do padre Manuel Mouta,
ocorrida na madrugada do dia 21, “num quarto particular do hospital para onde
tinha sido transferido da sua residência particular (…) e assim morreu, rodeado
dos desvelos das reverendas irmãs (…)”.
Depois, o Notícias da Covilhã enaltecia
as qualidades do sacerdote e enfatizava as notícias sobre o seu falecimento.
Só que o padre Manuel António
Rodrigues Mouta foi pároco de Nª Sª da Conceição, de 1932 a 1933, sucedendo a
provável seu irmão, padre João Rodrigues Mouta, que exerceu também ali o seu
múnus, de 1899 a 1932. Sucedeu ao padre Mouta, o padre José de Andrade, ainda
muito recordado, de 1933 a 1968.
Isto equivale a raciocinar que, durante duas décadas, o
padre Mouta terá conseguido encobrir a sua paternidade ao bispo.
Sobre o assunto do celibato
clerical muito haveria a dizer, mas o espaço não o permite. Existem muitas
contradições, mas o que é certo é que ele já vem desde longa data. Vejam-se,
por exemplo, o que dizem os vários Concílios: Concílio de Elvira, do ano 303 a 324 – O Concílio produziu um
conjunto de cânones (regras) que regulam variados aspetos da vida cristã, como
o celibato clerical. Primeiro Concílio de
Niceia, no ano 325: Cânone I – Eunucos podem ser recebidos entre os
clérigos, mas não serão aceites aqueles que se castram. Cânone III – Nenhum
deles deverá ter uma mulher em sua casa, exceto sua mãe, irmã e pessoas
totalmente acima da suspeita. Cânone IX – Quem quer que for ordenado sem exame
deverá ser deposto, se depois vier a ser descoberto que foi culpado de crime. Segundo Concílio de Latrão, no ano 1139:
Cânone 4 – Injunção contra os bispos e outros clérigos para que não provoquem
escândalo ao vestir roupas muito ostensivas e recomendando que se vistam
modestamente. Cânones 6, 7 e 11 – Repetiram a condenação do Primeiro Concílio
de Latrão sobre o casamento e o concubinato entre padres, diáconos,
subdiáconos, monges e freiras. Cânone 27 – Freiras foram proibidas de cantar no
mesmo coro que os monges. Terceiro
Concílio de Latrão, no ano 1179: Cânon 11 – Proibiu os clérigos de terem
mulheres em suas casas ou visitar conventos de freiras sem um bom motivo;
declarou que os clérigos casados perderiam seus benefícios; e decretou que os
padres que praticarem a sodomia deverão ser depostos de seus cargos e fazer uma
penitência – enquanto que leigos serão excomungados. Quarto Concílio de Latrão, em 1213: Cânones 14-18: Regras de
conduta do clero, proibindo e combatendo a vida não celibatária, embriaguez,
frequência a tabernas, caça ou participação em combates. Concílio de Trento, de 1545 a 1663: emitiu um decreto sobre o
celibato clerical. Seguiu-se o Vaticano
I.
Fica assim, uma reflexão sobre
este importante tema.
Votos de um Santo Natal e um
Feliz ano 2018
(In "fórum Covilhã", de 12-12-2017)
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