Lembram-se dos tempos dos filmes
de “Charlot”, aquele vagabundo trapalhão, de calças largas, sapatos tortos,
bengala e bigode aparado (o britânico Charles Spencer Chaplin), que nos deliciavam
com frequência, no final da década de 50 e início da de 60 do século passado?
Pois era o tempo do cinema mudo
em que os filmes tinham sempre uma personagem que dava o corpo a todas as
maldades. O cinema cresceu, perdeu esta faceta ingénua das coisas, mas a
expressão ficou sempre para designar os vilões, na personificação de todo o
mal.
Vem o tema a propósito duma
controvérsia gerada em abril passado sobre o Museu das Descobertas, que
Fernando Medina, Presidente da Câmara de Lisboa, prometeu levar por diante
aquando da sua campanha para a presidência da mesma.
Só que não há concordância com
aquele nome por um grupo de mais de cem académicos, numa carta publicada pelo Expresso, vindo a crescer as vozes
contrárias, referindo que, para os não europeus, a ideia de que foram
“descobertos” é problemática: “Ter-se-ão os povos africanos, asiáticos e
americanos, de histórias milenares, sentido ‘descobertos’ pelos portugueses?”
A face dos maus da fita vem
depois de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em visita de
abril de 2017 efetuada ao Senegal, na ilha de Gorée, antigo entreposto nas
rotas atlânticas do tráfico de escravos, “não ter reconhecido a longa e sinuosa
história da responsabilidade portuguesa no comércio e escravização de
africanos, nem as outras formas de opressão que em nome do país foram
praticadas e legalmente sustentadas nas colónias africanas até à extinção do
regime colonial português em 1974/75”. As declarações do Presidente português
reavivaram o branqueamento da opressão colonial, cujo projeto colonial
português era visto como “missão civilizadora”.
Embora o Presidente da República tenha
dito que Portugal reconheceu injustiça da escravatura quando a aboliu em 1761,
pelo Marquês de Pombal, e depois alargámos essa abolição mais tarde, no século
XIX, não pediu perdão pela escravatura, como já o havia feito em 1992, o Papa
São João Paulo II. Curiosidade é que à Ilha de Gorée foram os navegadores
portugueses os primeiros a chegar em 1444, à qual deram o nome de Ilha da
Palma. Calcula-se que pelo menos 12 milhões de escravos africanos tenham sido
capturados e retirados do continente, ao longo do triste período do comércio
negreiro.
Historiadores dos EUA dizem que
Portugal deve pedir desculpa por tráfico de escravos, focando esse pedido de
desculpas como reconhecimento das consequências, terminando com a criação de um
museu ou de um centro de investigação. É que, segundo dizem, embora não ajudassem
os 5,8 milhões de africanos tornados
escravos e embarcados em navios com a bandeira de Portugal, nem tão-pouco
aqueles que foram mortos em guerras causadas por tráfico de escravos, e por
aqueles que sofreram há centenas de anos, seria, contudo, um passo em frente
para melhorar a relação hoje em dia entre pessoas com cores diferentes.
Entretanto, Matilde Sousa Franco,
vem dizer que há quase quatro décadas defende a criação deste museu com o nome
de Museu da Interculturalidade de Origem Portuguesa, e não Museu das
Descobertas, no nosso país, em que Portugal foi autor não só da primeira
Globalização como, no século XXI, continua a destacar-se como “pioneiro” no
diálogo intercultural.
Quando os portugueses chegaram ao
Brasil, os índios descobriram que havia outras pessoas sem serem eles. Assim, o
historiador João Paulo Oliveira e Costa considera que a designação Museu dos
Descobrimentos seria inadequada. “O processo dos Descobrimentos é
historicamente curto, dura só até meados do século XVI, deixando assim de fora
90% do que foi a Expansão portuguesa, com os aspetos mais negros da Expansão em
que está previsto um núcleo dedicado à escravatura”.
Os argumentos a favor dos termos
“Descobrimentos”, “Descobertas” ou “Expansão” foram objeto de substituição
apresentada como o espaço museológico vir a chamar-se “A Viagem”. O que é certo
e verdade é que desde D. João V, pelo menos, que Portugal se apresenta ao mundo
como país dos Descobrimentos.
Para muitos estão ainda em causa
alguns dos aspetos mais negros da Expansão, e em resposta a toda a
controvérsia, António Costa disse que “não temos de ter uma relação complexada
com os Descobrimentos. É preciso é ‘descolonizar os Descobrimentos’”. É que
também a escravatura “faz parte da nossa História e não pode, não tem como e
não deve ser ignorada”.
Outra forma de denominar o futuro
museu é Museu Portugal Global, na opinião de outros historiadores, porque
Portugal é dos poucos países do Mundo que de forma decisiva contribuíram para a
História da Humanidade. Tal aconteceu quando, na expressão de Camões, demos
novos mundos ao Mundo.
O ilustre pensador Eduardo
Lourenço declarou então que se não vê necessidade de “crucificar” o passado de
Portugal, independentemente das consequências negativas, como a escravidão, pois
que as descobertas tiveram na génese uma motivação “louvável” e quando tantos
países da Europa cometeram “crueldades” muito maiores. “Fomos os mais
pacíficos, dos povos do sul da Europa”.
Já Rui Tavares, in Público, refere que “quem era escravo em
Portugal continuou a sê-lo e, pior ainda, continuou a gerar filhos escravos,
até que o Marquês de Pombal publicou em 1773 uma ‘lei do ventre livre’ segundo
a qual os filhos e filhas das escravas nasceriam livres.”
A abolição da escravatura em toda
a jurisdição portuguesa verificou-se em 29 de abril de 1878, ou seja, há 140
anos, sendo certo que em 1930 ainda havia em Lisboa gente que tinha nascido
escrava.
Sobre este assunto muito haveria
que dizer, mas não cabe neste espaço, pelo que oportunamente surgirá em livro
editado, a ser apresentado em 8 de setembro.
(In "fórum Covilhã", de 10-10-2018)
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