31 de julho de 2018

A CABRA, O PASTOR E O MONGE


A minha última crónica referiu-se aos cafés tradicionais nas cidades. E o café bebida como e quando surgiu nos estabelecimentos com a mesma designação? A lenda mais conhecida das suas origens reporta-se ao ano 575 em que um pastor etíope, de nome Kaldi, apercebeu-se que suas cabras ficavam mais espertas ao comer as folhas e frutos do cafeeiro. Não podiam conciliar o sono e ficavam em grande agitação. Estupefacto, decide provar os bagos vermelhos do arbusto e começou a sentir maior vivacidade. Um monge da região, informado sobre o facto, fez então uma infusão dos bagos para resistir ao sono enquanto orava. Teria acabado de inventar o café!

Existem várias datas apontadas. Mais certo será o local da origem – Etiópia – na localidade de Kaffa, não tendo, no entanto, esta palavra sido a génese de Café (Coffe em inglês). O Iémen seria um  centro de cultivo importante, de onde se propagou pelo resto do mundo árabe. Chega à Europa, onde por volta de 1570 o café é introduzido em Itália, na cidade de Veneza.

Na Inglaterra, em 1652, foi aberta a primeira casa de café da Europa Ocidental, seguindo-se a Itália dois anos depois. Em 1672 cabe a Paris inaugurar a sua primeira casa de café, e foi precisamente na França que, pela primeira vez, se adicionou o açúcar ao café, no ano de 1713.

Outras versões têm sido referidas para explicar o aparecimento do café, sempre envolvendo personagens ou povos árabes.

Embora diferindo as histórias e o grau de fantasia, todas são unânimes quanto               às qualidades excitantes do café e, em geral, situam a sua origem entre a Europa, o Iémen, e a Arábia, mais citada a Etiópia.  Já quanto à época da primeira utilização do café e de forma de preparar a bebida as opiniões são mais diversificadas.

Recordo que quando eu tinha 13 anos, o Imperador da Etiópia, Hailé Selassié, visitou Portugal entre os dias 26 e 31 de julho de 1959, tendo lido a notícia e visto uma foto no então Diário Popular, Diário de Notícias, e na revista Flama, sobre a visita e o descarregamento de umas toneladas de café, de um navio, oferta do Imperador da Etiópia, na sua visita a Portugal. Tínhamos então a velhinha Biblioteca Municipal, ao Jardim. Também recordo que o presidente da Câmara da Covilhã, Dr. José Ranito Baltazar, e membro da União Nacional, se deslocou a Lisboa para  oferecer uma prenda do Município (penso que uma tapeçaria) ao Imperador, tendo sido escritas umas palavras, num pergaminho, pelo falecido Matos Pombo, então administrativo dos Serviços Municipalizados da Covilhã. Mais tarde, o Dr. José Ranito Baltazar mandaria inutilizar a medalha que lhe oferecera o Imperador Hailé Selassié, revoltado pelo facto de a Etiópia ter votada na ONU contra o colonialismo português.

A partir de 1615 o café começou a ser saboreado no Continente Europeu, trazido por mercadores, principalmente italianos, nas suas frequentes viagens ao oriente. O hábito de tomar café, principalmente em Veneza, estava associado aos encontros sociais e á música que ocorriam nas alegres Botteghe Del Caffé. As cafeterias desenvolveram-se na Europa durante o século XVII, enquanto florescia o Iluminismo e se planejava a Revolução Francesa.

Bom, o café é atualmente a bebida preparada mais consumida no mundo, sendo servidas cerca de 400 bilhões de xícaras por ano. O tipo de café mais comum é o arábica, ocupando cerca de três quartos da produção mundial.

As dúvidas são menores quanto à primeira casa onde o café era servido publicamente. Consta que terá sido em Constantinopla onde dois mercadores sírios, Hakin e Shams, cerca de 1555, ali abriram dois estabelecimentos no bairro Tahtakale, próximo do bazar egípcio. Conforme referiu Lemaire, o primeiro café que existiu na Europa – ou mais precisamente na parte europeia do Império Otomano – foi em Belgrado, em 1552.  No entanto, o Kiva Han datado de 1475 deve ser realmente o mais antigo café de Constantinopla, e do mundo. Depois de Constantinopla e de Belgrado, os cafés iriam surgir um pouco por toda a Europa, a começar por Veneza e depois Inglaterra.

Os mercadores que negociavam com o Oriente foram naturalmente dos primeiros a trazer o café para a Europa Ocidental. Um deles, Daniel Edwards, tinha um criado, de nome Pasqua Rosée, que em 1652 abre o primeiro café em Londres.

Os cafés londrinos proliferaram rapidamente. Este rápido crescimento foi naturalmente devido ao crescente número de clientes que frequentavam os cafés pelas mais variadas razões. Se bem que houvesse algumas raras exceções, a esmagadora maioria destes clientes eram homens, que passavam bastantes horas em animadas conversas, recolhendo indicações e sabendo novidades que pudessem ser úteis aos seus negócios, ou simplesmente por pensarem que este convívio lhes favorecia o seu estatuto social.

É que além de lugares de convívio, os cafés londrinos tiveram um papel importante na criação de serviços sociais e económicos, tais como serviços privados de correios.

As pessoas que se queriam encontrar, em vez de perguntar onde moravam, era comum perguntar quais os cafés que frequentavam.

Os serviços de correios em Inglaterra começam por ser limitados à distribuição de mensagens oficiais, só sendo abertos ao público por Carlos I, em 1635. Os cafés eram ainda locais de leilões dos mais variados objetos, obras de arte, livros e mercadorias. Os cafés serviam, sobretudo, de locais onde trocavam informações e se emitiam panfletos e outros meios informativos. Os cafés serviam inclusivamente de lugares onde médicos davam consultas e onde se fazia publicidade de remédios para os mais variados males. Eram ainda centros onde se especulava sobre ciência, literatura e filosofia. Eram mesmo conhecidos pelas “universidades de um penny”, em alusão ao preço de uma chávena de café, em torno da qual se podiam passar horas de conversa que também eram, muitas vezes, horas de aprendizagem e fonte de cultura e, principalmente, onde se tratava de negócios. A maior parte das transações comerciais e das operações financeiras eram ali concluídas.

Foi este leque de funções que diferenciou os cafés londrinos dos seus congéneres de outros países.

(in "Notícias da Covilhã", de 02-08-2018; e "O Olhanense", de 01-08-2018)

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