A Pastelaria Suíça, um símbolo do
Rossio e de Lisboa, vai fechar, perto de completar 100 anos. Sim, conforme foi
comunicado pela Câmara Municipal de Lisboa, a histórica pastelaria da Baixa vai
encerrar as portas. Foi aberta em 1922. Como ela já havia fechado o Café Chave
de Ouro, célebre por Humberto Delgado lá ter dito o “obviamente demito-o”, referindo-se a Salazar.
Também por todo o País há e houve
emblemáticos cafés, que foram verdadeiras referências nas cidades.
Na Covilhã tivemos os icónicos
Café Montalto e Café Leitão. O Café Montalto foi inaugurado simultaneamente com
o Teatro Cine da Covilhã, em 31 de maio de 1954. Local onde se reuniam os
industriais de lanifícios e se faziam negócios, mas onde os operários não
entravam para não se encontrarem com os patrões e porque não eram ali bem
vistos. Constituído por três pisos: r/chão para o café propriamente dito,
existindo na cave os bilhares e as máquinas de jogo. Por cima do café ficava o
restaurante terminando em varandim, com vista para o café. Era, pois, o café
dos senhores de altas posses, da alta e média burguesia. Aqui se vinham a
formar grupos dependentes de negócios e interesses.
Já no Café Leitão, situado numa
cave, reunia-se uma classe de menores posses, geralmente funcionários dos
correios e camarários ou ligados ao operariado com algum sentido reivindicativo
e com gosto pelos jogos de damas e outros existentes nos cafés.
A cultura singrava por aqui ao
invés do Montalto onde era mais secundarizada e, geralmente se erguia na voz de
José Vicente Milhano, ou então os homens ligados à organização da Feira Popular
do Sporting.
Foi no Café Leitão que o escritor
Ferreira de Castro começou a escrever “A
Lã e a Neve”.
Tanto no Montanto como no Leitão
era habitual ver-se o engraxador de sapatos e sempre havia o Leal para que não
faltasse a leitura dos jornais que vinham fresquinhos do comboio.
Em paralelo com os célebres cafés
covilhanenses, também em Évora existia (e ainda existe, se bem que algo
transformado, mas mantendo algumas caraterísticas originais, como a porta
giratória) o Café Arcada. Era de facto o café da tradição, situado na Praça de
Giraldo. A sua abertura aconteceu em 14 de fevereiro de 1942 (uma dúzia de anos
antes do Café Montalto da Covilhã). Era então considerado um dos melhores do
País, com 100 mesas, tido como um acontecimento social de grande impacto no
quotidiano citadino. Chegou a ter uma orquestra. Tinha dois pisos. Nos
primeiros tempos o Arcada foi frequentado pela burguesia local, pequenos grupos
de intelectuais, gente do reviralho, profissionais liberais e estudantes
liceais. Os latifundiários e aos agricultores frequentavam o Café Camões, à
Porta Nova. Mas com a perda de centralidade desta zona e o acrescido ganho de
importância da Praça de Giraldo, estes passaram a tomar de assalto o Arcada às
terças-feiras, dia do mercado semanal. Em plena praça e no interior do café se
discutiam e apalavravam negócios, tendo ali chegado a funcionar uma informal
bolsa de gado.
No seu romance “Aparição” o
escritor Vergílio Ferreira relata bem o ambiente do Café Arcada quando nele
entrou pela primeira vez em 1946: “…
acabámos por marcar o encontro para o dia seguinte no Arcada sem que o Moura se
lembrasse de que era uma terça-feira, ou seja dia de mercado. Com efeito, ao entrar
no café, após o almoço, tive a surpresa de ver aquele vasto túnel apinhado de
gente. O corredor atravancava-se de negociantes, porque era ali, entre bebidas,
que se realizava o mercado da semana. A terça-feira era o “dia de porcos”, como
soube mais tarde que lhe chamavam…”
O escritor Vergílio Ferreira
ficou aliás com uma marca indelével do Arcada, pois foi ali que o seu colega e
padrinho de casamento, Alberto Miranda, lhe pagou a boda, a qual consistiu num
galão a cada um e bolos, conforme revelou.
Entretanto, com o passar do
tempo, aos lavradores veio juntar-se uma corte de gente ligada ao mundo dos
touros e ao marialvismo rural, composta por ganadeiros, toureiros e aprendizes,
moços de forcados, apoderados, equitadores, aficionados e professores e alunos
da Escola de Regentes Agrícolas. Com a subida do Lusitano à I Divisão em 1952 a
fama do Café chegou a Lisboa. Os adeptos do Sporting, do Benfica e do
Belenenses, do Vitória de Setúbal e do Barreirense, que aos milhares se
deslocavam a Évora para apoiar as suas equipas, conheceram-no, apreciaram-no e
dele fizeram grande propaganda na capital e arredores.
Ora, na cidade laneira também
assim acontecia com o Sporting da Covilhã, e, na mesma altura, jogavam na I
Divisão Nacional (hoje I Liga) ambos os clubes (Lusitano de Évora e Sporting da
Covilhã: 1952/53 a 1956/57, ininterruptamente, e, depois, de 1958/59 a
1961/62).
Poderíamos ainda falar n’A Brasileira – lembram-se do slogan “O melhore café é o da Brasileira? – que
esteve encerrado no Porto durante muito tempo. Inaugurado em 1903 passou por
convulsões. Novamente ostenta o nome A
Brasileira, e novamente voltou às origens.
O espaço não o permite pois
gostaria de ainda poder falar no Lloyd’s
Coffee House, de Londres, onde se iniciou o seguro marítimo e a génese, ou
um dos fortes hábitos de tomar um café, juntamente com a concretização de
negócios.
E, regressando ao nosso País,
depois do Terramoto de 1755, em Lisboa, foram instalados em novos edifícios no Terreiro
do Paço, no dia 1 de janeiro de 1769, a Casa dos Seguros juntamente com a Junta
do Comércio, a Aula do Comércio, a Mesa do Bem-Comum dos Mercadores, a
Assembleia dos Negociantes e a Casa do Café.
Os interessados sobre esta interessante
vertente histórica sobre os cafés ligados à vida dos negócios poderão encontrá-la
em livro já editado e a ser apresentado no dia 8 de setembro.
(In "Notícias da Covilhã", de 12-07-2018)
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