22 de maio de 2019

A PROTEÇÃO DAS PESSOAS E BENS É ANCESTRAL


Pegando num trabalho de muita pesquisa apresentado o ano passado, com base na vertente profissional que, entretanto, desenvolvera durante quatro décadas, e para dissipar algumas dúvidas sobre a longevidade das preocupações pelo bem-estar das pessoas, e seus familiares, ao longo dos séculos, mormente aquando de revés nas suas vidas, quero aproveitar para dele respigar algumas partes bíblicas ou de leis emergentes na Antiguidade.
Sobre este tema me referi também neste mesmo espaço, há um ano, sob o título “A Usura e a Igreja”.
Vejamos: No IV milénio a. C. já os mercadores da Mesopotâmia percorriam longas distâncias com fins comerciais. Para obviar os riscos das enormes viagens organizavam-se em caravanas, nas quais se integravam também guias, escoltas, sacerdotes e auxiliares em elevado número.
Entre os séculos XIII e XII a. C., Moisés prescreve que a nação de Israel contribua periodicamente com uma parte do seu produto para os levitas, os estrangeiros, as viúvas e os órfãos.
Os fenícios de Tiro que construíram o Templo e o Palácio de Jerusalém, no tempo do rei Salomão, entre 970 a 930 a.C., organizaram-se também para fazer face às adversidades ocorridas no seu trabalho.
Tudo indica que no ano 582 a. C., houve um caso equivalente ao estabelecimento de uma pensão vitalícia. De facto, pode ler-se na Bíblia: “No trigésimo sétimo ano do cativeiro de Joiaquin, rei de Judá, no vigésimo sétimo dia do décimo segundo mês, Evil-Merodac, rei da Babilónia, no primeiro ano do seu reinado, fez mercê a Joiaquin, rei de Judá, e libertou-o. Falou-lhe benevolamente, e deu-lhe um trono mais elevado que os dos reis que estavam com ele na Babilónia, tirou-lhe as vestes de prisioneiro e, até ao fim da sua vida, Joiaquin comeu à mesa do rei. O seu sustento foi-lhe assegurado pelo rei, durante toda a sua vida, dia após dia”.
Certo é que com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, provoca o desaparecimento das bens estruturadas instituições públicas romanas de solidariedade social.
O Talmud da Babilónia refere também uma forma de solidariedade ligada às viagens marítimas nos seguintes termos: “Os navegadores podem acordar entre si que, se um deles perde o seu navio, ser-lhe-á construído um outro. Se um deles perde o seu navio por sua culpa, não há obrigação de lhe dar outro. Se ele o perdeu por ir a uma distância onde os navios não vão normalmente, não há obrigação de lhe construir um outro”.
Já no Código de Hamurabi se dispunha no seu número 48: “Se alguém tiver uma dívida, e se o deus Adad inundou o terreno, se uma inundação o levou, ou se, por falta de água, a cevada não cresceu no terreno, não terá que entregar a cevada ao credor: molhará a tábua (de argila, destruindo as convenções ali escritas) e, portanto, não entregará os juros devidos por aquele ano”.
Reportando-nos à cobrança de impostos, vemos como no tempo de Jesus eram vistos os funcionários romanos, sendo conhecido o caso de Zaqueu que subiu para um sicómoro para ver passar Jesus e se arrependeu da sua conduta profissional. As leis romanas admitiam o mutum, mas trataram diferencialmente a questão do juro. Enquanto a lei Genucia (342 a. C.) o proibia, a lei Duilia Menenia (357 a. C.) mantinha o direito ao juro sem fixar limitações. Já a Lei da Doze Tábuas (450 a. C.) limitou o juro máximo dos empréstimos a 12% ao ano. No entanto, houve mesmo épocas em que os especuladores romanos chegaram a cobrar de juros 48% ao ano. Marcus Julius Brutus, 84 a 42 a.C., líder político militar romano, um dos assassinos de Júlio César, foi um dos prestamistas que emprestava a este juro.
Os astrágalos, os dados, assim como os sorteios e outros meios aleatórios eram também usados para sondar a vontade de Deus quando havia que tomar uma decisão importante. Exemplos destes rituais encontram-se nos livros do Antigo Testamento.
No livro de Números, cap. 33, nº 54, está escrito: “E por sortes herdareis a terra, segundo as vossas famílias; aos muitos multiplicareis a herança, e aos poucos diminuireis a herança; conforme a sorte sair a alguém, ali a possuirá; segundo as tribos de vossos pais recebereis as heranças”.
No livro Provérbios, cap. 16, nº 33 refere-se que “a sorte se lança no regaço, mas o Senhor procede toda a determinação”.
Diga-se de passagem, que estas práticas tiveram a desaprovação dos teólogos desde Santo Agostinho precisamente porque tais expedientes “forçavam Deus a opor-se à sorte”.
Nos tempos que correm, para proteção dos trabalhadores, foi instituído o salário mínimo nacional, mas, por outro lado, não foi criada legislação para que o salário máximo não suba para os céus, numa analogia com os juros atrás referidos da especulação romana de então.

(In "Notícias da Covilhã", de 23-05-2019)

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