Pegando num trabalho de muita
pesquisa apresentado o ano passado, com base na vertente profissional que,
entretanto, desenvolvera durante quatro décadas, e para dissipar algumas
dúvidas sobre a longevidade das preocupações pelo bem-estar das pessoas, e seus
familiares, ao longo dos séculos, mormente aquando de revés nas suas vidas, quero
aproveitar para dele respigar algumas partes bíblicas ou de leis emergentes na
Antiguidade.
Sobre este tema me referi também neste
mesmo espaço, há um ano, sob o título “A Usura e a Igreja”.
Vejamos: No IV milénio a. C. já
os mercadores da Mesopotâmia percorriam longas distâncias com fins comerciais.
Para obviar os riscos das enormes viagens organizavam-se em caravanas, nas
quais se integravam também guias, escoltas, sacerdotes e auxiliares em elevado
número.
Entre os séculos XIII e XII a.
C., Moisés prescreve que a nação de Israel contribua periodicamente com uma
parte do seu produto para os levitas, os estrangeiros, as viúvas e os órfãos.
Os fenícios de Tiro que
construíram o Templo e o Palácio de Jerusalém, no tempo do rei Salomão, entre
970 a 930 a.C., organizaram-se também para fazer face às adversidades ocorridas
no seu trabalho.
Tudo indica que no ano 582 a. C.,
houve um caso equivalente ao estabelecimento de uma pensão vitalícia. De facto,
pode ler-se na Bíblia: “No trigésimo sétimo ano do cativeiro de Joiaquin, rei
de Judá, no vigésimo sétimo dia do décimo segundo mês, Evil-Merodac, rei da
Babilónia, no primeiro ano do seu reinado, fez mercê a Joiaquin, rei de Judá, e
libertou-o. Falou-lhe benevolamente, e deu-lhe um trono mais elevado que os dos
reis que estavam com ele na Babilónia, tirou-lhe as vestes de prisioneiro e,
até ao fim da sua vida, Joiaquin comeu à mesa do rei. O seu sustento foi-lhe
assegurado pelo rei, durante toda a sua vida, dia após dia”.
Certo é que com a queda do
Império Romano do Ocidente, em 476, provoca o desaparecimento das bens
estruturadas instituições públicas romanas de solidariedade social.
O Talmud da Babilónia refere
também uma forma de solidariedade ligada às viagens marítimas nos seguintes
termos: “Os navegadores podem acordar entre si que, se um deles perde o seu
navio, ser-lhe-á construído um outro. Se um deles perde o seu navio por sua
culpa, não há obrigação de lhe dar outro. Se ele o perdeu por ir a uma
distância onde os navios não vão normalmente, não há obrigação de lhe construir
um outro”.
Já no Código de Hamurabi se
dispunha no seu número 48: “Se alguém tiver uma dívida, e se o deus Adad
inundou o terreno, se uma inundação o levou, ou se, por falta de água, a cevada
não cresceu no terreno, não terá que entregar a cevada ao credor: molhará a
tábua (de argila, destruindo as convenções ali escritas) e, portanto, não
entregará os juros devidos por aquele ano”.
Reportando-nos à cobrança de
impostos, vemos como no tempo de Jesus eram vistos os funcionários romanos,
sendo conhecido o caso de Zaqueu que subiu para um sicómoro para ver passar Jesus
e se arrependeu da sua conduta profissional. As leis romanas admitiam o mutum,
mas trataram diferencialmente a questão do juro. Enquanto a lei Genucia (342 a.
C.) o proibia, a lei Duilia Menenia (357 a. C.) mantinha o direito ao juro sem
fixar limitações. Já a Lei da Doze Tábuas (450 a. C.) limitou o juro máximo dos
empréstimos a 12% ao ano. No entanto, houve mesmo épocas em que os
especuladores romanos chegaram a cobrar de juros 48% ao ano. Marcus Julius
Brutus, 84 a 42 a.C., líder político militar romano, um dos assassinos de Júlio
César, foi um dos prestamistas que emprestava a este juro.
Os astrágalos, os dados, assim
como os sorteios e outros meios aleatórios eram também usados para sondar a
vontade de Deus quando havia que tomar uma decisão importante. Exemplos destes
rituais encontram-se nos livros do Antigo Testamento.
No livro de Números, cap. 33, nº 54, está escrito: “E por sortes herdareis a
terra, segundo as vossas famílias; aos muitos multiplicareis a herança, e aos
poucos diminuireis a herança; conforme a sorte sair a alguém, ali a possuirá;
segundo as tribos de vossos pais recebereis as heranças”.
No livro Provérbios, cap. 16, nº 33 refere-se que “a sorte se lança no
regaço, mas o Senhor procede toda a determinação”.
Diga-se de passagem, que estas
práticas tiveram a desaprovação dos teólogos desde Santo Agostinho precisamente
porque tais expedientes “forçavam Deus a opor-se à sorte”.
Nos tempos que correm, para
proteção dos trabalhadores, foi instituído o salário mínimo nacional, mas, por
outro lado, não foi criada legislação para que o salário máximo não suba para
os céus, numa analogia com os juros atrás referidos da especulação romana de
então.
(In "Notícias da Covilhã", de 23-05-2019)
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