16 de julho de 2020

MEMÓRIAS SERRANAS E ALGARVIAS NUM CONTEXTO DESPORTIVO


Vivemos uma situação inimaginável para os tempos que correm. Os humanos de hoje, e mesmo de há um século, jamais passaram por tamanha transformação do planeta. Bastou um ser invisível à vista desarmada para engolir os gigantes Golias. Se compararmos numa conjuntura bíblica. E esse ser invisível brinca com o Mundo. Em todas as facetas da vida.
Mas o espírito desta crónica na vertente dos ventos da Beira Serra, é tão só para que haja um pequeno lenitivo nas nossas conversas. Aquela amizade entre serranos e algarvios.
Sporting Clube da Covilhã (SCC) – Sporting Clube Olhanense (SCO). Ambos filiais do Sporting Clube de Portugal. Recordo as suas 10 primeiras filiais: 1, em 9/4/1922 – Sporting Clube Tomar; 2, em 17/5/1922 – Sporting Clube Farense; 3, em 1/9/1922 – Sporting Clube de Luanda; 4, em 10/1/1923 – Sporting Clube Olhanense; 5, em 15/1/1923 – Sporting Clube de Gouveia; 6, em 6/5/1923 – Sporting Clube de Lourenço Marques; 7, em 18/5/1923 – Sporting Clube de Abrantes; 8, em 2/6/1923 – Sporting Clube da Covilhã; 9, em 8/7/1923 – Sporting Clube de Moçâmedes; 10, em 17/7/1923 – Sporting Clube de Pombal.
Há 97 anos nascia o SCC. Mas já por cá andava o SCO, há 108. Surgiu antes duma pandemia, mas sentiria a gripe espanhola, ou pneumónica, em 1918.
Quanto ao SCC, a sua fundação processou-se da seguinte forma: havia dois dos principais clubes rivais – o Estrela Football Clube, formado por uma classe de maior poder económico, na senda de homens ligados à indústria de lanifícios; e outro – o Montes Hermínios, mais ligado ao operariado e bombeiros voluntários. Daí que, aos primeiros, foram designados os do “clube dos ricos”. Algumas das figuras do Estrela Football Clube, enraizados na alma leonina que grassava na altura, acabaram por ter contactos com dirigentes do Sporting Clube de Portugal (SCP) que, nesse tempo, vivia fase eufórica da criação de filiais. Tinham o dinâmico presidente da Direção, Júlio Cardoso Araújo. Na Covilhã havia alguns grandes entusiastas leoninos, como o proprietário e comerciante António Rebelo de Matos; o jogador e capitão do Estrela, António Estrela dos Santos; o tipógrafo Joaquim Meruje e o jornalista João de Oliveira. O presidente do SCP, verificando o ambiente propício na Covilhã, enviou a esta cidade duas figuras relevantes: Jorge Vieira, atleta internacional em grande evidência e o dirigente Amílcar Pinto. Assim, em casa de António Rebelo de Matos, situada no coração da cidade, na Rua Capitão Alves Roçadas, com a presença de dirigentes do Estrela Football Club, em cerimónia pouco protocolar, criava-se a 8ª filial do SCP.  E, consequentemente, o nome do Estrela Football Club passou a designar-se, a partir dessa data (2/6/1923), Sporting Clube da Covilhã.
O glorioso SCO viria a ver a luz do dia no dia 27 de abril de 1912, mas com a data da fundação a 17, realizada numa casa da R. de S. Bartolomeu, em Olhão, por um grupo de onze atletas que vieram a dar o nome ao clube, a escolher a cor do equipamento e a constituir a sua primeira direção. Ficou acordada a quotização semanal de 50 réis. Viria a ser Campeão de Portugal na data em que o SCC foi fundado (1923).
Tornaram-se assim ambos clubes ecléticos e históricos do futebol português.
Entretanto, no Boletim do SCP n.º 52, de 15/07/1923, na sua página 271 (este boletim, quinzenário, destinado aos sócios do SCP, iniciou a sua publicação em 21/03/1922 e saiu regularmente até 1952, custava 2$00 semestrais e a ideia da sua criação partiu de Júlio Araújo), continha a seguinte informação: “O Sporting Clube da Covilhã constituiu-se 8ª. filial do SCP” “A ideia leonina alastra-se e em breve nós teremos por todo o País uma forte corrente de apoio ao Sporting. Devido à influência do nosso antigo consócio Amílcar Pinto, o Estrela Football Club, em 2 de junho, transformou-se em Sporting Clube da Covilhã constituindo-se nossa 8.ª Filial.    Não é o SCC uma coletividade que conte muitos anos de existência e um passado cheio de recordações gloriosas, mas, constituído por elementos cheios de boa vontade, virá a ser uma grande coletividade à qual, como nos cumpre, daremos todo o apoio e auxílio para que se torne um clube importante. São atualmente 70 os sócios do SCC e a sua Direção é atualmente constituída pela seguinte forma: (…) A Filial adota a nossa legislação na qual de princípio foram introduzidas algumas modificações tendentes a facilitar a sua ação nestes primeiros tempos. As suas cores são atualmente o amarelo e preto, mas a bandeira será como a de todas as filiais, verde, com o leão encimando as suas iniciais. Confiemos que a boa vontade da Filial, fortemente ajudada pela Sede, possa tornar o Sporting Clube da Covilhã uma coletividade de valor”.
Já escrevi por outras ocasiões que o SCC e o SCO se defrontaram várias vezes, em momentos importantes do futebol português. Foi na antiga I Divisão Nacional (hoje I Liga); na II Divisão Nacional por via do Torneio de Apuramento para a Primeira; na Taça de Portugal, na Taça Ribeiro dos Reis e na Divisão de Honra, deixando sempre rastos de simpatia, aquele fair-play tão necessário nos meios desportivos.
Alguns atletas que vestiram as camisolas do SCO mais tarde viriam a representar as cores do SCC: Eminêncio, Fernando Cabrita, Palmeiro e o guarda-redes Rita.
Curiosamente, como também algures já referi, no 1.º Boletim do Totobola, surgido em 24-09-1961, pela mão do Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o Covilhanense Dr. José Guilherme Rato de Melo e Castro, o número das 13 equipas que integraram este primeiro boletim, surge, logo em n.º 1, um Olhanense – Covilhã…
Outros tempos! Ficam as memórias!

(In "O Olhanense", de 15-07-2020)

15 de julho de 2020

DR. ANTÓNIO GOMES DE OLIVEIRA


Era eu ainda criança. Sem saber porquê, ouvia falar nesta figura. Andava nos ouvidos dos covilhanenses.
Médico. Veio ao mundo com origem na freguesia da Vela. Concelho e distrito da Guarda.  Naquele 21 de novembro de 1899. Deixaria o mundo dos vivos em 21 de dezembro de 1955. Tinha 56 anos. Radicou-se na cidade dos lanifícios. Na Covilhã viveu quase três décadas. Isto após se ter formado em medicina na Universidade de Coimbra. Tinha então 23 anos. Na cidade laneira começou logo a exerceu a medicina. O seu consultório na Rua Ruy Faleiro, em frente ao Teatro-Cine. Deu ainda enorme contributo a diversas instituições citadinas.
Médico do Hospital da Misericórdia da Covilhã. Lugar que exerceu com muito aprumo e dignidade, durante muitos anos, ali patenteou desinteressado amor pelos que sofriam com manifesto prejuízo da sua vida profissional e particular. Em todos os pobres, que dele se abeiravam nos momentos de aflição, criou amizades, enxugando lágrimas e levando a esperança e o conforto a muitos corações e lares infelizes.
Dedicou especial carinho às organizações juvenis. Ali era muito considerado. Foi por isso médico do Corpo Nacional de Escutas.
Foi Presidente da Direção do Sporting Clube da Covilhã (SCC). Épocas de 1925/26 e 1953/54. Foi nesta prestigiosa coletividade que, nos seus primórdios, o jovem clínico insuflou a sua dinâmica. Foi assim o primeiro médico do clube serrano. Pioneiro na instalação do sistema de radiologia no Hospital desta Cidade. Foi ainda Vereador da Câmara Municipal da Covilhã, Membro do Conselho Técnico do Clube Desportivo da Covilhã e Presidente do Orfeão da Covilhã.
1943 a 1951. Presidente da Direção dos Bombeiros Voluntários da Covilhã (BVC). Aqui foi aumentado ao efetivo da Corporação, como médico, em 1 de janeiro de 1924. Passou a Sócio Efetivo (Chefe Médico) em 31 de janeiro de 1925. Eleito para o cargo de Vogal Efetivo da Direção em 7 de fevereiro de 1928. Novamente eleito para o mesmo lugar, em 14 de janeiro de 1933. Reeleito para o mesmo cargo em 16 de fevereiro de 1934. 50º Aniversário dos BVC. Palavras do médico António Gomes de Oliveira: “O Espírito da Corporação – é das coisas mais admiráveis que tenho conhecido o laço de união, apertado e firme, que liga uns aos outros os heroicos Bombeiros da Covilhã. Laço apertado como de família, mais do que isso muitas vezes, enche de simpatia e de admiração todos os que com eles têm ocasião de lidar. Inscrito há pouco no número dos seus sócios ativos, como médico, comecei a frequentar-lhes a sede e os exercícios como que por diletantismo. A breve trecho, porém, vendo-os escalar ousadamente e sempre em risco da própria vida as janelas elevadas dos prédios onde praticam a sua Arte humanitária; presenciando o bom humor e o desinteresse com que se referem aos ferimentos que vão fazendo em si mesmos; vendo e ouvindo os gracejos e diversões a que se entregam nas folgas – lidando ousadamente com o perigo como com as chamas lutam em ocasiões de sinistro – senti-me empolgado pelo seu espírito de abnegação e heroísmo, pelos homens que do simples amor do seu semelhante, desinteressadamente brincam com a morte. E a sua convivência tornou-se-me necessária; com eles retempera-se a coragem para a luta, esquecem-se mesquinhices da vida, desgostos das lutas, horas de cansaço, e apenas apetece ser maior, ser apenas como eles, imitá-los na coragem que é o que hoje mais falta à maior parte das gentes. Neste dia de grande festa para todos nós, Rapazes, eu vos abraço como amigo que vos admira na vossa coragem, que vos estima como irmãos. Gomes d’Oliveira.”
Foi Diretor do Notícias da Covilhã, nomeado em 24/12/1944. Em 1951 deixou a Covilhã, saindo para Lisboa, por motivos de ordem profissional e de saúde. Aqui viveu poucos anos, entregue completamente aos seus deveres médico-radiológicos e no carinhoso ambiente familiar.
O fulgor e o desassombro do seu alto talento, e a facilidade com que usava a palavra fluentíssima, fizerem dele, muitas vezes com o maior brilho, o porta-voz da cidade nas mais variadas circunstâncias e qualquer que fosse o momento. Usando o seu poder invulgar de improvisador, em parte alguma do país deixou de patentear calorosamente toda a paixão que nutria pela cidade que o acolhera amigavelmente, cimentando nessa ação amizades que bem úteis foram para a Covilhã.

(In "Notícias da Covilhã", de 16-07-2020)
(In "Notícias da Covilhã", de 16-07-2020)

8 de julho de 2020

A VOLUPTUOSIDADE NA HISTÓRIA DE PORTUGAL

Vários autores se têm dedicado aos romances históricos. Nesta linha podemos encontrar, por exemplo, Isabel Stilwell, Joaquim Vieira, ou mesmo o covilhanense João Morgado.
Sou um apaixonado por história. E se “a velhice é um tirano que proíbe, sob pena de morte, todos os prazeres da juventude”, segundo François de La Rochefoucauld, o que é certo e verdade é que “o envelhecimento ainda é o único meio que foi encontrado para viver muito tempo”, nas palavras de Charles Augustin Sainte-Beuve. Certo é que “o velho não pode fazer o que um jovem faz; mas faz melhor”, no dizer de Cícero. E fiquemos com “aqueles que realmente amam a vida são aqueles que estão envelhecendo”, no entendimento de Sófocles.
Falemos então um pedacinho do sexo e poder que se atravessou, e continua a prosseguir, na nossa história portuguesa. Os laços de sangue são particularmente relevantes em monarquia. Foi o regime em que Portugal viveu quase oito séculos.
Mas deixando este período para uma próxima crónica, queremos lembrar que também na República se passaram facetas da vida libidinosa entre personagens políticas ou da vida social. Para falar de casos de sensacionalismo, os tais que fazem vender muitos exemplares do jornal, e o prendem à sôfrega leitura, há periódicos apropriados e sobejamente conhecidos.
O escândalo Ballet Rose aconteceu no tempo de Salazar sob o mandato presidencial do almirante Américo Tomaz. Naquele dia 10 de dezembro de 1967. A pouco mais de um mês de eu iniciar em Tavira o serviço militar obrigatório. Eu era então funcionário da edilidade covilhanense. O escândalo tentou ser abafado.
O jornal britânico The Sunday Telegraph publicava um artigo do repórter Barry O’Brien com o título “Escândalo sexual abala o governo português”. Referia-se assim ao envolvimento de vários homens ligados ao regime de Salazar, incluindo o seu ministro da Economia, José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira (nomeado em 19-03-1965 e exonerado em 27-09-1968). Encontrávamo-nos no XVII Mandato e 56º Ministério. Foi então o envolvimento numa rede de prostituição feminina em que haviam sido abusadas algumas crianças a partir dos 9 anos de idade. Quem diria que anos mais tarde, este flagelo continuaria com o famigerado processo Casa Pia, também com figuras dos vários quadrantes da sociedade portuguesa, e outros que os órgãos da comunicação social vão colocando no poder da informação.
A principal proxeneta era uma prostituta que alugara, como centro de atividades, um sétimo andar na Rua Marquês da Fronteira, em Lisboa, onde recebia clientes, que consumavam os seus apetites sexuais em quartos preparados no piso superior. Ela própria alimentara no passado os desejos de gente da elite. Caso de algumas figuras da realeza estrangeira exilados na Linha do Estoril. Entre elas, o príncipe Juan Carlos, filho de Juan de Bourbon e futuro rei de Espanha. Então ainda solteiro. A proxeneta referia-se a Juan Carlos desta maneira: “Ele era ótimo, lindo e muito melhor do que o príncipe Vítor Emanuel, com quem também dormi e que era muito frio e fechado”. Vítor Emanuel era filho do rei Humberto II, de Itália. Encontrava-se refugiado em Cascais desde 1946.
“Mas com a rede que montara aos poucos e passara a comandar a partir dos finais de 1950, importava sobretudo corresponder às obsessões pedófilas de diversas figuras do universo político, económico e empresarial português, que em regra orbitavam em torno do executivo salazarista”.
Uma denúncia por “atentado ao pudor” e “corrupção de menores” chega à Polícia Judiciaria. Começa a investigar. Detém a responsável com a sua agenda de contactos. São recolhidos vários nomes. Além de Correia de Oliveira, também o do contra-almirante Fernando Quintanilha de Mendonça Dias (nomeado em 14-08-1958 e exonerado em 19-08-1968 como ministro da Marinha). O concessionário do Casino Estoril e dono de diversos estabelecimentos turísticos – José Teodoro dos Santos – igualmente fazia parte da lista. E bem assim o 4.º conde de Caria, Bernardo Viana Machado Mendes de Almeida, dono do Vidago Palace Hotel e das Águas Vidago. O 3.º conde da Covilhã, Júlio Anahory do Quental Calheiros, jurista, fundador da empresa de pneus Mabor e presidente da administração do Banco Borges & Irmão, natural de Avô, uma aldeia da Serra da Estrela, também fazia parte deste rol. Foi uma das figuras mais destacadas no campo social e económico que ao Sporting Clube da Covilhã deu forte contribuição, nas décadas de 50 e 60 do século passado, chegando a ser presidente da Direção. Também constavam outros nomes, como Jorge Monte Real, conde Monte Real e corredor de automóveis. Outro era o 4.º marquês da Graciosa, João Filipe de Meneses Pita. E também Rogério Cândido da Silva, administrador do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa; e Manuel da Silva Carvalho, corretor da bolsa e administrador empresarial. “Constava ainda de um padre conhecido pelo seu poder de comunicação televisiva e futuro protagonista de uma relevante carreira na hierarquia da Igreja”.
Alguns foram interrogados para o processo. Outros não. É que, entretanto, se terão desencadeado manobras de bastidores para abafar o seu envolvimento.
Manuel da Silva Carvalho afirmou aos inquiridores que “sempre senti prazer em proporcionar a estas raparigas uma vida que jamais teriam vivido, dar-lhes a comer o que jamais teriam comido, vesti-las como elas nunca pensaram que o pudessem fazer”.
Julgamento à porta fechada. Havia que evitar todo e qualquer sinal de escândalo. Nenhum destes protagonistas foi condenado. Excetuavam-se as “medidas de segurança provisórias” aplicadas a Teodoro dos Santos e Cândido da Silva. As únicas condenadas, com pena de prisão, foram a chefe da rede e outra prostituta.
A audiência judicial consumara-se. O jornal britânico publicou a notícia do escândalo. Chamaram-lhe ballet rose (ou roses) por analogia com um caso ocorrido oito anos antes em França, e protagonizado também por personagens proeminentes, entre ela o presidente do Senado. A informação sobre o processo português fora passada para o exterior por um funcionário judicial – o escrivão à guarda de quem estavam os autos –, chocado pela forma como tudo fora encoberto.
O regime do Estado Novo ficou embaraçado internacionalmente. Reagiu com a perseguição aos supostos autores da fuga de informação para a imprensa estrangeira. Mário Soares, que teria posto Barry O’Brien em contacto com o escrivão e com o advogado de uma das menores prostitutas, foi detido pela 12ª vez, pela PIDE. Acusou-o de “divulgação de notícias falsas, no estrangeiro, suscetíveis de prejudicar o bom nome de Portugal” e, no interrogatório, foi-lhe dito: “Desta vez, o senhor pôs em causa pessoalmente a moralidade do senhor presidente do Conselho, injúrias gravíssima”. Resultado: Mário Soares passou na prisão o Natal e o réveillon de 1967, sem qualquer processo ou julgamento, apenas por decisão discricionária do ditador. Foi deportado para a ilha de São Tomé por tempo indeterminado. Foi preciso que Salazar ficasse irremediavelmente incapacitado por doença, em setembro de 1968, para que o seu sucessor, Marcello Caetano, decidisse ordenar o fim da deportação, sem a elaboração de nenhuma queixa judicial contra o advogado oposicionista.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 08-07-2020)

1 de julho de 2020

SÍMBOLO DE UMA CIDADE NO FERVOR DAS SUAS GENTES


Há muito não falava no desporto citadino. Passei a espetador televisivo. Mas atento a toda a sua envolvente. E à sua leitura e/ou consulta na imprensa, em papel ou online. Os ventos voltaram-se para outros temas. O sentido da pesquisa, no entanto, jamais me abandonou.
1990 – Iniciei historiar a vida do clube serrano – Sporting Clube da Covilhã (SCC) – numa grande aventura. O mais representativo de toda a Beira Interior. Não havia os meios tecnológicos como hoje. E, acima de tudo, faltava o vil metal. Amadorismo autêntico. Autodidata. Garra na execução dum trabalho jamais visto. Porque o Clube não tinha a sua história escrita. No meu lema de “fazer primeiro e pedir depois”. Se possível. Atento a não dar ouvidos a críticas. Vasculhar o que era possível. Quando ainda não havia acesso à Internet como hoje. Inexistência de computadores. Algumas fotocopiadoras, mas impressoras com scâner não. Existiam as máquinas de escrever. Em substituição dos faxes e e-mails, a correspondência pelo correio. Quando urgente e breve, o telegrama. Tudo mais moroso. Mas muitos contactos pessoais. Os jornais desportivos não eram diários. Alternavam o Record com a A Bola. Às 4ªs feiras, lá surgia a desaparecida Gazeta dos Desportos. Mais tarde surge O Jogo. As estórias para uma história com muitas facetas da vida serrana. Quase em segredo lá conseguiam deixar-me fazer uma passagem rápida pelos livros de atas da Coletividade. No sótão da antiga Sede, um montão de documentos e fotos antigas, na mistura de lixo e pó. Tinha de escovar as calças e engraxar os sapatos. Mas ainda encontrei alguns homens da sua fundação. Obtive interessantes quão importantes informações da génese. Dos que já tinham partido consegui contatar alguns familiares diretos. Recolhia apontamentos. Outros faziam-me chegar importantes documentos antigos. Mormente fotos. António Estrela e José Augusto de Carvalho, os então únicos fundadores vivos. Nonagenários. E os familiares dos falecidos António Rebelo de Matos, na pessoa de sua filha, Maria Leonor Sousa Matos, a viver na Figueira da Foz; e o filho do falecido fundador João de Oliveira, ele também já desaparecido. E ainda antigos dirigentes com conhecimentos profundos. Nas Poldras, na empresa fabril já extinta, o meu contacto com o falecido industrial José Lopes dos Santos Pinto, filho de José dos Santos Pinto. Transmite-me importantes depoimentos. Mais abaixo, na extinta fábrica de Cristiano Cabral Nunes, a CIL – Complexo Industrial de Lanifícios, Limitada, na Várzea, contatei os irmãos Mesquitas, todos antigos dirigentes de excelência, já falecidos: Manuel Rogério Mesquita Nunes, José Mesquita Nunes, Luís Filipe Mesquita Nunes. O massagista José Gil Barreiros não me largava, contando muitas passagens do SCC. Fora de portas, era o contacto com as falecidas velhas glórias serranas: Simonyi em França, Suarez no Brasil, Cabrita em Marrocos, onde treinava. E com muitos dos que ainda se mantinham por este recanto à beira-mar plantado, velhas glórias do clube serrano. O entusiasmo em fornecer dados embrionários foram aliciantes. Os mais entusiastas eram de fora da cidade. As notícias iam chegando, complementadas por alguns contactos telefónicos que iam passando palavra. E liam nos pedidos de informação que vinham por mim publicados nos desportivos nacionais. Contataram-me e foram objeto de importantes informações, proporcionadores de boas amizades, os antigos jornalistas desportivos do Record, Henrique Parreirão e Carlos Arsénio, já fora do mundo dos vivos. E até um atendedor automático de chamadas, aquando do encerramento do escritório, se encontrava repleto. Um amigo desconhecido, já falecido, de terras algarvias, lá tinha a sua voz gravada. Foi bom colaborador. Com informações do viveiro do SCC dessa sua zona. Geraram-se amizades. De tal forma que num encontro em Olhão, onde o SCC foi disputar com o clube local, o carola algarvio Augusto Ramos Teixeira dirigiu-se ao grupo de adeptos covilhanenses que assistiam ao jogo. Ao intervalo pergunta se eu lá estava. Para me conhecer. E cumprimentar. Disseram que não me viam lá, mas que me conheciam. O envio de um abraço. Recebido na 2ª feira. Passei a colaborar no quinzenário daquela Cidade já lá vai mais de um quarto de século. São crónicas ou notícias do lado de cá da Beira Serra. Muitos dos jornais desportivos nacionais transmitiam a informação que lhes era enviada. Como a célebre homenagem às velhas glórias do clube serrano naquele sábado de 28 de setembro de 1991. A APAE da qual era dirigente foi a da iniciativa, por minha proposta. A edilidade covilhanense quando se apercebeu que isto não era leviandade, abriu as portas do seu salão nobre aos visitantes, vindos de todo o país, e recebeu-os num abraço. Ficaram as memórias.
1991 – Subsídios para a História do Sporting Clube da Covilhã, numa 1ª edição, pouco mais chegou para ofertas aos homenageados e convidados.
1992 – Numa 2ª edição, renovada, do mesmo título, deu oportunidade à tipografia da região para publicar uma obra em tamanho inédito para a altura. A cores ainda era experiência. Tinham de ir para fora.
1993 – 2.º livro – Figuras e Factos do Sporting Clube da Covilhã. Acabou por ser o mais solicitado. Também esgotou, sem reedição.
1998 – 3.º livro – Sporting Clube da Covilhã – Passado e Presente. Nas Bodas de Diamante, a história ainda mais completa.
2007 – 4º livro – Sporting Clube da Covilhã na Taça de Portugal – Cinquentenário da sua participação na final.
Entretanto, 1991 e 2007 foram também proporcionadores de uma interessante e importante exposição histórico-documental sobre o SCC e objetos desportivos de Clubes e Federações de todo o mundo. Em 2007, as crianças da Escola Básica do Rodrigo apresentaram trabalhos alusivos ao SCC, com prémios simbólicos atribuídos aos melhores.
2017 – 5.º livro – História do Sporting Clube da Covilhã – 1923 * 1990. Tive o prazer de prefaciar e apresentar este interessante livro da autoria do amigo Carlos Miguel Silva Saraiva, dando assim continuidade ao estudo e divulgação do glorioso SCC. Esperemos que o mesmo autor possa estar no prosseguimento da sua história, a partir de 1990, já que a mesma não se esgota.
Há factos, eventos e personalidades novas que mantêm o clube a desfraldar briosamente a sua bandeira, na representação não só do concelho como de toda a vasta região beirã. Com uma persistente liderança na condução dos caminhos do êxito. Este trabalho não é feito em vão.
Todas as obras publicadas não interferem umas com as outras, antes se completam, pelo que há conteúdos que umas possuem e outras não.
É neste contexto que, nos próximos números, darei continuidade a memorizar factos do clube serrano, inseridos nos quatro anteriores livros. Para avivar memórias.  

(In "Notícias da Covilhã", de 02-07-2020, que, entretanto, excluiu a parte final do texto, onde menciono todos os livros publicados sobre o SCC; e quinzenário "O Olhanense", de 01-07-2020, com a sua publicação integral)