16 de julho de 2020

MEMÓRIAS SERRANAS E ALGARVIAS NUM CONTEXTO DESPORTIVO


Vivemos uma situação inimaginável para os tempos que correm. Os humanos de hoje, e mesmo de há um século, jamais passaram por tamanha transformação do planeta. Bastou um ser invisível à vista desarmada para engolir os gigantes Golias. Se compararmos numa conjuntura bíblica. E esse ser invisível brinca com o Mundo. Em todas as facetas da vida.
Mas o espírito desta crónica na vertente dos ventos da Beira Serra, é tão só para que haja um pequeno lenitivo nas nossas conversas. Aquela amizade entre serranos e algarvios.
Sporting Clube da Covilhã (SCC) – Sporting Clube Olhanense (SCO). Ambos filiais do Sporting Clube de Portugal. Recordo as suas 10 primeiras filiais: 1, em 9/4/1922 – Sporting Clube Tomar; 2, em 17/5/1922 – Sporting Clube Farense; 3, em 1/9/1922 – Sporting Clube de Luanda; 4, em 10/1/1923 – Sporting Clube Olhanense; 5, em 15/1/1923 – Sporting Clube de Gouveia; 6, em 6/5/1923 – Sporting Clube de Lourenço Marques; 7, em 18/5/1923 – Sporting Clube de Abrantes; 8, em 2/6/1923 – Sporting Clube da Covilhã; 9, em 8/7/1923 – Sporting Clube de Moçâmedes; 10, em 17/7/1923 – Sporting Clube de Pombal.
Há 97 anos nascia o SCC. Mas já por cá andava o SCO, há 108. Surgiu antes duma pandemia, mas sentiria a gripe espanhola, ou pneumónica, em 1918.
Quanto ao SCC, a sua fundação processou-se da seguinte forma: havia dois dos principais clubes rivais – o Estrela Football Clube, formado por uma classe de maior poder económico, na senda de homens ligados à indústria de lanifícios; e outro – o Montes Hermínios, mais ligado ao operariado e bombeiros voluntários. Daí que, aos primeiros, foram designados os do “clube dos ricos”. Algumas das figuras do Estrela Football Clube, enraizados na alma leonina que grassava na altura, acabaram por ter contactos com dirigentes do Sporting Clube de Portugal (SCP) que, nesse tempo, vivia fase eufórica da criação de filiais. Tinham o dinâmico presidente da Direção, Júlio Cardoso Araújo. Na Covilhã havia alguns grandes entusiastas leoninos, como o proprietário e comerciante António Rebelo de Matos; o jogador e capitão do Estrela, António Estrela dos Santos; o tipógrafo Joaquim Meruje e o jornalista João de Oliveira. O presidente do SCP, verificando o ambiente propício na Covilhã, enviou a esta cidade duas figuras relevantes: Jorge Vieira, atleta internacional em grande evidência e o dirigente Amílcar Pinto. Assim, em casa de António Rebelo de Matos, situada no coração da cidade, na Rua Capitão Alves Roçadas, com a presença de dirigentes do Estrela Football Club, em cerimónia pouco protocolar, criava-se a 8ª filial do SCP.  E, consequentemente, o nome do Estrela Football Club passou a designar-se, a partir dessa data (2/6/1923), Sporting Clube da Covilhã.
O glorioso SCO viria a ver a luz do dia no dia 27 de abril de 1912, mas com a data da fundação a 17, realizada numa casa da R. de S. Bartolomeu, em Olhão, por um grupo de onze atletas que vieram a dar o nome ao clube, a escolher a cor do equipamento e a constituir a sua primeira direção. Ficou acordada a quotização semanal de 50 réis. Viria a ser Campeão de Portugal na data em que o SCC foi fundado (1923).
Tornaram-se assim ambos clubes ecléticos e históricos do futebol português.
Entretanto, no Boletim do SCP n.º 52, de 15/07/1923, na sua página 271 (este boletim, quinzenário, destinado aos sócios do SCP, iniciou a sua publicação em 21/03/1922 e saiu regularmente até 1952, custava 2$00 semestrais e a ideia da sua criação partiu de Júlio Araújo), continha a seguinte informação: “O Sporting Clube da Covilhã constituiu-se 8ª. filial do SCP” “A ideia leonina alastra-se e em breve nós teremos por todo o País uma forte corrente de apoio ao Sporting. Devido à influência do nosso antigo consócio Amílcar Pinto, o Estrela Football Club, em 2 de junho, transformou-se em Sporting Clube da Covilhã constituindo-se nossa 8.ª Filial.    Não é o SCC uma coletividade que conte muitos anos de existência e um passado cheio de recordações gloriosas, mas, constituído por elementos cheios de boa vontade, virá a ser uma grande coletividade à qual, como nos cumpre, daremos todo o apoio e auxílio para que se torne um clube importante. São atualmente 70 os sócios do SCC e a sua Direção é atualmente constituída pela seguinte forma: (…) A Filial adota a nossa legislação na qual de princípio foram introduzidas algumas modificações tendentes a facilitar a sua ação nestes primeiros tempos. As suas cores são atualmente o amarelo e preto, mas a bandeira será como a de todas as filiais, verde, com o leão encimando as suas iniciais. Confiemos que a boa vontade da Filial, fortemente ajudada pela Sede, possa tornar o Sporting Clube da Covilhã uma coletividade de valor”.
Já escrevi por outras ocasiões que o SCC e o SCO se defrontaram várias vezes, em momentos importantes do futebol português. Foi na antiga I Divisão Nacional (hoje I Liga); na II Divisão Nacional por via do Torneio de Apuramento para a Primeira; na Taça de Portugal, na Taça Ribeiro dos Reis e na Divisão de Honra, deixando sempre rastos de simpatia, aquele fair-play tão necessário nos meios desportivos.
Alguns atletas que vestiram as camisolas do SCO mais tarde viriam a representar as cores do SCC: Eminêncio, Fernando Cabrita, Palmeiro e o guarda-redes Rita.
Curiosamente, como também algures já referi, no 1.º Boletim do Totobola, surgido em 24-09-1961, pela mão do Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o Covilhanense Dr. José Guilherme Rato de Melo e Castro, o número das 13 equipas que integraram este primeiro boletim, surge, logo em n.º 1, um Olhanense – Covilhã…
Outros tempos! Ficam as memórias!

(In "O Olhanense", de 15-07-2020)

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