9 de dezembro de 2020

O JUIZ ESCRITOR

 Tal como Miguel Torga, Fernando Namora ou António Lobo Antunes, que foram médicos e tiveram a sua notoriedade na escrita, com obras de grande relevo, também outros, de atividades não clínicas, se enobreceram com a mesma. Não só a arte de saber escrever e a eloquência são suficientes para trazer aos amigos da leitura aquelas páginas que nos fazem deliciar no tempo. Por detrás está sempre um grande trabalho de pesquisa, no respeito pelas regras autorais, num banhado interesse pela causa que se quer absorver para transpor da porta para o público. Porque, no óbvio, ninguém escreve exclusivamente para si ou para meter na gaveta. E, por vezes, nem sempre a inspiração surge quando se pretende, mormente naquela idade em que se abeira o déficit cognitivo, ainda que temporário. Por isso, não é fácil escrever como alguns pensam, mas para o escritor é atraente como íman.

Depois de me embrenhar nas interessantes recolhas, quais telenovelas que possuo em recortes de todos os semanários desta Região, e por via das suas publicações no Facebook (muito importantes para o conhecimento de quem pensava que o que se ouvia falar não passava de palavras vãs), e de ter lido, numa avidez, o livro “Estórias de Um Arquivo Judicial – A Grande Devassa – 1820 – 1920” não podia deixar de manifestar a minha grande admiração e respeito, como sempre o tenho feito pessoalmente, pela coragem do lousanense, mas covilhanense pelo coração, José Avelino Gonçalves, Juiz Presidente da Comarca de Castelo Branco.

Quem tem acompanhado as interessantes estórias judiciais, de há um século (algumas de que ouvíamos falar) de figuras da Covilhã e Região, que jaziam no pó dos sótãos dos Tribunais, mormente o da Covilhã, publicadas pelo Dr. José Avelino Gonçalves, nos semanários da região, conforme já referi, não pode ficar indiferente ao conhecimento de que ficamos detentores ou mais esclarecidos nalgumas dúvidas.

Algumas dessas estórias vieram trazer-me uma complementaridade de conhecimentos que não consegui obter na altura, como o caso do “Incêndio da Mineira”, ocorrido em 1907, e que se insere no livro que publiquei, em dois volumes, em 2004 – “Vida e Obra dos Bombeiros Voluntários da Covilhã”. Proporcionou-me o Dr. Avelino Gonçalves consultar o processo judicial desse terrível incêndio, por fogo posto, em que houve mortes, mas confesso que me foi difícil consultar os três volumes, por força de muitas das páginas se encontrarem já pouco legíveis face ao tempo decorrido. Por aqui se infere o quão difícil e moroso não foi para o autor das “Estórias de Um Arquivo Digital”, torná-las público, em que só com grande empenho, sacrifício e amor à causa literária para transpor para o público, se deve. Não fôra a sua vontade de não deixar permanecer em arquivo morto tão importante acervo mas dá-lo a conhecer aos interessados, ficaríamos sem o conhecimento de tão importante obra.

Um segundo volume está em preparação e será tão bem, ou mais, acolhido que o primeiro, tal o interesse manifestado pelo seu trabalho de excelência.

É pena que o Dr. Avelino Gonçalves vá terminar a sua comissão de serviço de Juiz Presidente da Comarca de Castelo Branco em 31 de dezembro e regressar ao Tribunal da Relação de Coimbra, onde pertence. No entanto, como covilhanense pelo coração, em cuja Cidade viveu muitos anos e lhe nasceram as filhas, uma das quais, a Cláudia, arquiteta, foi a ilustradora da interessante obra já aludida, ficará na amizade de muita gente que a simpatia e singeleza do seu trato deixou em todos.

Festas Felizes.

(In "Notícias da Covilhã", de 10-12-2020)

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