30 de dezembro de 2021

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA HUMBERTO NUNES DA CRUZ





 

Trazemos desta vez a história de um Antigo Combatente, por terras angolanas, covilhanense de coração, ainda que de raiz visse a luz do dia em Oliveira do Hospital, no dia 31 de julho de 1944. Na Covilhã, onde se radicou definitivamente, há 75 anos, conheceu os seus melhores dias. Fez a Primária na velhinha Escola Central, passando depois a exercer a sua atividade profissional na indústria local – os lanifícios – como tecelão mecânico, nas empresas Jerónimo Sena, Lanofabril e Cristiano Cabral Nunes.

Pessoa dotada de um bom coração, simpático e amigo do seu amigo, pronto a ajudar, foi conhecido no futebol local por ter representado o Sporting Clube da Covilhã (SCC), tendo iniciado logo nos juniores, aos 16 anos. Ainda foi sénior nos Leões da Serra em 1970, representando depois o Grupo Desportivo da Guarda onde foi campeão da III Divisão, no ano 1971.

Depois de ter terminado a sua passagem pelos juniores do SCC, surgiu-lhe o serviço militar obrigatório, que cumpriu com início em 02 de fevereiro de 1965, tirando a recruta em Elvas e, depois, na mesma cidade, no Caçadores 8, seguindo daqui para o Entroncamento para a especialidade CDMN, que se destinava ao reabastecimento de material auto. Aqui foi promovido a 1º. Cabo. Recebeu a notícia da sua mobilização para Angola, tendo-se apresentado no Regimento de Infantaria 1, na Amadora, onde esteve apenas 2 dias, pois logo lhe concederam 10 dias de mobilização, com guia de marcha para se apresentar no RI 11, em Setúbal. Aqui deram-lhe 750$00. Curiosidade: com este dinheiro comprou um fio em ouro, com duas medalhas, a um camarada ourives, de Febres.

De Setúbal partiu com os seus camaradas, às 3 horas da manhã do dia 17 de setembro de 1965 integrando o Batalhão de Caçadores 1855, tendo embarcado em Alcântara, no Vera Cruz, era meio-dia, tendo aqui recebido um maço de tabaco oferecido pela Cruz Vermelha Portuguesa. Chegaram a Luanda no dia 26 de setembro, em direção ao Grafanil, onde lhes foi distribuída a arma, após 8 dias.

É então que surge o tempo mais difícil, partindo em direção a Nambuangongo onde permaneceram até perto do dia de Natal de 1965, e Novo Ano de 1966, em cujas datas confraternizaram tanto quanto lhes foi possível em condições de guerra, com o Comandante e restante hierarquia militar local. Tinha a seu cargo o material auto CCS – Companhia de Comando e Serviço do Batalhão de Caçadores 1855, a sua especialidade. Seguiram depois para Luanda, cerca do dia 20 de dezembro de 1966, e no dia 23 deste mês, pertíssimo de mais um Natal em Angola em guerra, seguiram de comboio para Malange, cuja viagem, num amontoado de militares, durou 12 horas, já que era necessária uma máquina ir à frente para a eventualidade do rebentamento de alguma mina. Chegaram a Malange na véspera de Natal daquele dezembro de 1966. Pois bem, o dia de Natal foi passado dentro do comboio, sem qualquer óbvia comemoração, pois “ia tudo ao monte”. Igualmente se passou no Ano Novo. Em Malange tinha o serviço de PU (Polícia da Unidade). Nesta cidade representou o Sporting Clube de Malange porque o viram jogar em Nambuangongo, nos jogos particulares e necessitavam de um bom elemento para o clube, pelo que foi convidado pelo Comandante da Companhia. No entanto, também aqui encontrou um covilhanense – Matos Soares – estabelecido com uma escola de condução, que gerou com o Humberto Cruz um contacto amistoso com o seu conterrâneo, tendo-lhe pedido para lá ficar a viver, o que não foi da vontade do Humberto.

Um momento terrível na memória do nosso entrevistado, foi o dia 8 de agosto de 1966. Narra assim: “Quando andávamos entretidos a jogar a bola, o capitão mandou formar porque precisava de dez homens para irem à lenha. Apenas levariam 3 armas e sem a ajuda de rádio. Ia nesse grupo o covilhanense, Furriel Malaca, já falecido, que fora debuxador no Mosa. Os 3 soldados que levavam as G3 ficaram a fazer guarda aos que carregavam a lenha. Quando acabaram de carregar as duas Berliets, com o Furriel Malaca foram ver dos 3 soldados que lhes estavam a fazer escolta. Foi com terrível espanto que encontraram dois deles mortos, degolados, e já sem as armas. O outro conseguiu escapar e nem deu conta da morte dos seus camaradas, face ao local estratégico onde se encontraria. Ficaram assim com uma única arma para se poderem defender em caso de ataque.

Quando depararam com este desfecho, surgiram dois Jeeps militares que vinham buscar o correio a Nambuangongo, onde vinha também o covilhanense Rui Velha”.

E, assim, os dois carros com a lenha, o Jeep onde vinha o Humberto Cruz e as duas Berliets trouxeram os dois soldados mortos e recolheram a Nambuangongo.

Esta é uma das muitas histórias de guerra por que passou o camarada Humberto Cruz.

De menos mau, por vezes iam ver os paraquedas que traziam peixe e carne às 3ªs  e 6ªs feiras, onde também vinha o correio, e que rebentavam, aproveitando o que pudessem apanhar.

E assim, depois de ter permanecido em Malange, desde dezembro de 1966, no dia 7 de dezembro de 1967 tiveram uma passagem de 4 dias no Grafanil, donde embarcaram no dia 11, no Niassa, chegando à Metrópole no dia 23 de dezembro de 1967. Foi então o Natal já em liberdade e fora de perigo, na Covilhã.

(In "O Combatente da Estrela", nº. 125-DEZ/2021)

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