Trazemos desta vez a história de um Antigo Combatente, por
terras angolanas, covilhanense de coração, ainda que de raiz visse a luz do dia
em Oliveira do Hospital, no dia 31 de julho de 1944. Na Covilhã, onde se
radicou definitivamente, há 75 anos, conheceu os seus melhores dias. Fez a
Primária na velhinha Escola Central, passando depois a exercer a sua atividade
profissional na indústria local – os lanifícios – como tecelão mecânico, nas
empresas Jerónimo Sena, Lanofabril e Cristiano Cabral Nunes.
Pessoa dotada de um bom coração, simpático e amigo do seu
amigo, pronto a ajudar, foi conhecido no futebol local por ter representado o
Sporting Clube da Covilhã (SCC), tendo iniciado logo nos juniores, aos 16 anos.
Ainda foi sénior nos Leões da Serra em 1970, representando depois o Grupo
Desportivo da Guarda onde foi campeão da III Divisão, no ano 1971.
Depois de ter terminado a sua passagem pelos juniores do SCC,
surgiu-lhe o serviço militar obrigatório, que cumpriu com início em 02 de
fevereiro de 1965, tirando a recruta em Elvas e, depois, na mesma cidade, no
Caçadores 8, seguindo daqui para o Entroncamento para a especialidade CDMN, que
se destinava ao reabastecimento de material auto. Aqui foi promovido a 1º.
Cabo. Recebeu a notícia da sua mobilização para Angola, tendo-se apresentado no
Regimento de Infantaria 1, na Amadora, onde esteve apenas 2 dias, pois logo lhe
concederam 10 dias de mobilização, com guia de marcha para se apresentar no RI
11, em Setúbal. Aqui deram-lhe 750$00. Curiosidade: com este dinheiro comprou
um fio em ouro, com duas medalhas, a um camarada ourives, de Febres.
De Setúbal partiu com os seus camaradas, às 3 horas da manhã
do dia 17 de setembro de 1965 integrando o Batalhão de Caçadores 1855, tendo
embarcado em Alcântara, no Vera Cruz, era meio-dia, tendo aqui recebido um maço
de tabaco oferecido pela Cruz Vermelha Portuguesa. Chegaram a Luanda no dia 26
de setembro, em direção ao Grafanil, onde lhes foi distribuída a arma, após 8
dias.
É então que surge o tempo mais difícil, partindo em direção a
Nambuangongo onde permaneceram até perto do dia de Natal de 1965, e Novo Ano de
1966, em cujas datas confraternizaram tanto quanto lhes foi possível em
condições de guerra, com o Comandante e restante hierarquia militar local. Tinha
a seu cargo o material auto CCS – Companhia de Comando e Serviço do Batalhão de
Caçadores 1855, a sua especialidade. Seguiram depois para Luanda, cerca do dia
20 de dezembro de 1966, e no dia 23 deste mês, pertíssimo de mais um Natal em
Angola em guerra, seguiram de comboio para Malange, cuja viagem, num amontoado
de militares, durou 12 horas, já que era necessária uma máquina ir à frente
para a eventualidade do rebentamento de alguma mina. Chegaram a Malange na
véspera de Natal daquele dezembro de 1966. Pois bem, o dia de Natal foi passado
dentro do comboio, sem qualquer óbvia comemoração, pois “ia tudo ao monte”.
Igualmente se passou no Ano Novo. Em Malange tinha o serviço de PU (Polícia da
Unidade). Nesta cidade representou o Sporting Clube de Malange porque o viram
jogar em Nambuangongo, nos jogos particulares e necessitavam de um bom elemento
para o clube, pelo que foi convidado pelo Comandante da Companhia. No entanto,
também aqui encontrou um covilhanense – Matos Soares – estabelecido com uma
escola de condução, que gerou com o Humberto Cruz um contacto amistoso com o
seu conterrâneo, tendo-lhe pedido para lá ficar a viver, o que não foi da
vontade do Humberto.
Um momento terrível na memória do nosso entrevistado, foi o
dia 8 de agosto de 1966. Narra assim: “Quando andávamos entretidos a jogar a
bola, o capitão mandou formar porque precisava de dez homens para irem à lenha.
Apenas levariam 3 armas e sem a ajuda de rádio. Ia nesse grupo o covilhanense,
Furriel Malaca, já falecido, que fora debuxador no Mosa. Os 3 soldados que
levavam as G3 ficaram a fazer guarda aos que carregavam a lenha. Quando
acabaram de carregar as duas Berliets, com o Furriel Malaca foram ver dos 3
soldados que lhes estavam a fazer escolta. Foi com terrível espanto que
encontraram dois deles mortos, degolados, e já sem as armas. O outro conseguiu
escapar e nem deu conta da morte dos seus camaradas, face ao local estratégico
onde se encontraria. Ficaram assim com uma única arma para se poderem defender
em caso de ataque.
Quando depararam com este desfecho, surgiram dois Jeeps
militares que vinham buscar o correio a Nambuangongo, onde vinha também o
covilhanense Rui Velha”.
E, assim, os dois carros com a lenha, o Jeep onde vinha o
Humberto Cruz e as duas Berliets trouxeram os dois soldados mortos e recolheram
a Nambuangongo.
Esta é uma das muitas histórias de guerra por que passou o
camarada Humberto Cruz.
De menos mau, por vezes iam ver os paraquedas que traziam
peixe e carne às 3ªs e 6ªs feiras, onde
também vinha o correio, e que rebentavam, aproveitando o que pudessem apanhar.
E assim, depois de ter permanecido em Malange, desde dezembro
de 1966, no dia 7 de dezembro de 1967 tiveram uma passagem de 4 dias no
Grafanil, donde embarcaram no dia 11, no Niassa, chegando à Metrópole no dia 23
de dezembro de 1967. Foi então o Natal já em liberdade e fora de perigo, na
Covilhã.
(In "O Combatente da Estrela", nº. 125-DEZ/2021)
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