29 de dezembro de 2021

O FIM DO IMPÉRIO NOS SEUS 60 ANOS

 

Aproxima-se mais um Natal e um final de ano e, consequentemente, muitas memórias ficaram entre nós. Delas sobejam reminiscências, se entre a angústia, a ansiedade, o medo, a revolta, tiveram maior peso nas duas primeiras décadas deste período, também a nostalgia, os momentos mais confortáveis, o lenitivo do afastamento da perigosidade, e o regresso ao seio familiar foram aquele bálsamo para muitos dos nossos Antigos Combatentes.

Mas como não há bela sem senão, muitos deles, que tiveram a dita de regressarem incólumes, não se livraram de padecer do stress pós-traumático. É vê-los a aguardarem pela sua vez para as consultas das psicólogas nos Núcleos das Ligas dos Combatentes, como recentemente assisti no Núcleo da Covilhã.

Reporto-me evidentemente ao tempo por que passaram os Antigos Combatentes, na referência à Guerra Colonial, já que os tempos da Primeira Grande Guerra foram já objeto de comemorações dessa efeméride. E já nenhum participante nesse conflito mundial está no mundo dos vivos.

A pandemia veio agravar a situação por que alguns ainda padecem e só tardiamente surgiu o Estatuto do Antigo Combatente, entrado em vigor em 1 de setembro de 2020, e agora com o acesso ao Passe do Antigo Combatente no âmbito da Portaria n.º 198/2021, de 21 de setembro.

Das resmas de informação que fiz cair na minha secretária, torna-se difícil extrair dela tantos rasgos sentimentais, gritos de revolta, pendores de regeneração, pela dificuldade de uma seleção.

Aqui reporto algumas:

O 1º. Dia do Fim do Império – Texto de Felícia Cabrita, in Revista Expresso de 14-03-1998

“A 15 de março de 1961, em Angola, bandos armados da UPA destruíram fazendas e vilas e assassinaram dois mil colonos portugueses. Foi o início de uma tragédia imensa, que abriu caminho para 14 anos de guerra. A Índia já havia caído. E era preciso defender África”.

Pesadelos da guerra colonial – Crónica de Carlos Esperança

“Quem regressou da guerra colonial, desejou esquecê-la, e não pôde. Saímos da guerra, e a guerra não saiu de nós, pelos mortos que lá deixámos e estropiados que trouxemos, torturantes recordações de anos injustos e inúteis.

Por menos traumática que possa ter sido a guerra, nunca mais se esquecem as rugas dos pais que nos aguardaram, a ansiedade que viveram e a angústia pelos perigos, reais ou imaginários, a que nos julgaram expostos. (…) A sobrevivência, mesmo sem mazelas aparentes, acarreta feridas que nunca cicatrizam, memórias doridas, inquietações que regressam, angústias que persistem. Ninguém faz a catarse de tão longo tempo e tão penetrante sofrimento, ninguém conta tudo o que viu e grande parte do que soube (…)”.

Para além da noite – Crónica no Facebook de Francisco de Pina Queiroz

“…Mas… antes do seu efeito, aflora no doente o pensamento interrogativo: e para além da noite, como será o dia de amanhã? Frase de revolta para quem justa ou injustamente dorme em celas prisionais, por decisão da justiça oficial. Revolta por ali estar. Revolta de arrependimento pelo motivo afinal justo da sentença. Revolta por uma tirania castradora da Liberdade, dos atos e dos pensamentos em sua defesa: poemas, romances, manifestos, esculturas, pinturas ou até conversas num café. Frase de ansiedade, de aperto na garganta, de suores frios apesar do calor da Mãe África, para militares do exército regular, de guerrilheiros e para a população que está para a guerra subversiva como a água está para os peixes – como Che Guevara nos ensinou nos seus Textos Militares. Sim, nós os ex-combatentes, em noites incontáveis de agora, ainda nos lembramos e/ou sonhamos e revisitamos psíquica e fisicamente a ansiedade derivada do que virá para além da noite. O que nos esperará nos primeiros raios de Sol: pisar uma mina, emboscada? (…)”

A vida que não se esquece – Ainda os Combatentes da guerra do Ultramar – João Peres, in “O Olhanense”

“… Os sobreviventes da guerra do Ultramar estão entre os sexagenários e octogenários da população portuguesa. Por ironia do destino, o Estado Totalitário que governou Portugal, preferiu enviar carne para canhão, como eram designados os militares da altura, para uma guerra absurda, interminável, que obrigou centenas de milhares de moços ainda, a aprenderem a manejar uma arma, no princípio a Mauser e depois a G-3 para a utilizarem nas horas más, a deixarem para trás à medida que o navio se afastava do cais de Alcântara, a terra natal, estudos, profissão, família e amigos, a enveredar pela negociação pacífica. Já em território africano, a temperatura, a malária, as minas nas picadas, os aquartelamentos e destacamentos em instalações abandonadas nas fazendas ou feitas à custa do suor do soldado, eram elementos de um inferno que viviam de dia em patrulhamentos, à noite sujeitos a flagelação com granadas de morteiro e canhão-sem-recuo que não os deixavam repousar. (…) Dois anos depois, torrados do sol, magros, depressivos, voltavam às suas terras como estranhos, exceto a família que os ajudava a reintegrarem-se na vida civil, que por imposição deixaram. (…) Houve casos em que a bolsa abastada, como se dizia, comprou ao mais pobre a mobilização e ficou cá a cumprir o serviço militar, enquanto o outro arriscava a vida para deixar uns cobres à família necessitada. Outros conseguiram desertar, refugiando-se em países onde tinham contactos de amigos e familiares. Quantos viram o camarada de armas ser atingido ou projetado pelo sopro de uma mina, ouviram das suas bocas chamar pela mãe ou pela mulher ausentes no outro lado do Atlântico, seguravam-lhe na mão até ser evacuado ou fechar os olhos para sempre. O desprezo a que foram votados não tem explicação. A crise de stress pós-traumático foi vivida no seio das famílias, porque lhes negaram, durante décadas, a ajuda médica que precisavam. (…) Na atualidade estão a morrer, cada vez mais, e dentro de pouco mais de uma década, não haverá sobreviventes deste conflito. Aprovaram, recentemente, o estatuto do antigo combatente elaborado por políticos jovens que já nasceram em democracia e não viveram, nem sentiram este drama nacional.”

Aproximamo-nos do Natal e de um Novo Ano, pelo que convido a lerem atentamente, neste número, a história de um dos nossos Antigos Combatentes deste Núcleo da Covilhã, na pessoa de Humberto Nunes da Cruz, na forma como passou os Natais em Angola em tempo de guerra.

Por último, não podemos deixar de endereçar um grande abraço de parabéns ao Diretor desta publicação e Presidente do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes, João Cruz Azevedo, que a exerce desde 1986 (trinca e cinco anos! É obra!) e foi um dos fundadores de “O Combatente da Estrela”, pela concessão da Medalha de Honra ao Mérito – Grau Ouro, pelos anos dedicados à Liga dos Combatentes, condecoração atribuída pela Liga dos Combatentes, ocorrida no dia 11 de novembro deste ano, no Dia do Armistício, no Museu do Combatente, em Lisboa. Aqui a apresentamos.

Desejamos a TODOS os que integram o mundo do nosso Núcleo, e seus Familiares, Gente da nossa Gente, os maiores votos de um Feliz Natal e próspero ANO NOVO.

(In "O Combatente da Estrela", nº. 125-DEZ.2021)

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