Com a guerra na Ucrânia, em que a Rússia não quer que seja utilizada esta palavra bélica no seu território, e os ortodoxos russos se unem em favor de Putin, surge a pergunta em título.
Segundo se narra no livro A
mais breve história da Rússia, de José Milhazes, no ano da conquista de
Constantinopla pelos turcos, em 1453, Moscovo já constituía o centro religioso
dos territórios russos, o metropolita passara a residir nessa cidade e a ser
eleito pelos bispos russos, o que tornou independente a Igreja Ortodoxa Russa.
E também por essa altura começa a surgir a ideia de Moscovo como sucessora de
Bizâncio. Em 1472, Ivan II, o Grande, casou-se com a sobrinha do último
imperador bizantino. O grão-príncipe de Moscovo começou a chamar a si os
títulos de “autocrata” e “czar” e a usar a águia bicéfala de Bizâncio.
Refere ainda, naquela obra,
que em 1054, os chefes das igrejas cristãs do Oriente e do Ocidente, ou sejam,
o Patriarca de Constantinopla e o Papa de Roma, excomungaram-se mutuamente.
Deram assim origem ao chamado Grande Cisma. Quase logo a seguir à queda de Roma
às mãos dos bárbaros, as relações entre o Oriente e o Ocidente complicaram-se
devido a disputas eclesiásticas e teológicas, sendo as fundamentais sobre a
fonte do Espírito Santo (Filioque), se se devia usar pão fermentado ou
não fermentado na Eucaristia e sobre a primazia do Papa de Roma.
Os católicos defendem que o
Espírito Santo procede do Filho e do Pai, enquanto os ortodoxos acreditam que
procede apenas do Pai. Na Igreja Ortodoxa, o pão da comunhão é fermentado e não
se reconhece a primazia do Papa.
Foram feitas várias tentativas
para superar esta fratura. A primeira no Concílio de Lyon, em 1274, e a segunda
no Concílio de Florença, em 1439. Neste Concílio, Isidoro, metropolita de toda
a Rus, apoiou a união entre católicos e ortodoxos. Veio a receber o título de
cardeal das mãos do Papa Eugénio, mas logo que chegou à Moscóvia foi
imediatamente preso e encerrado num mosteiro por ter tomado esta posição.
Conseguiu fugir da prisão e refugiar-se em Roma.
As mútuas excomunhões só foram
levantadas a 7 de dezembro de 1965, pelo Papa Paulo VI e pelo Patriarca de
Constantinopla Atenágoras I, com vista a reiniciar o processo de aproximação
das duas igrejas.
A 12 de fevereiro de 2016, o
Papa Francisco concretizou um encontro histórico com Kirill, Patriarca da
Igreja Ortodoxa Russa, em Cuba, dando início a um diálogo que se perspetiva
poder ser muito longo.
Será que se houvesse a união
entre estas duas igrejas, muito similares, da religião cristã, poderia
contribuir para uma outra mentalidade dos senhores do poder, que, neste caso, é
dum prepotente que não olha a meios para atingir os seus fins maléficos?
Apesar de católicos romanos e
ortodoxos terem uma história comum, que começa com a fundação da Igreja
primitiva e com a difusão do cristianismo pelos apóstolos, uma série de
dificuldades ocasionou o progressivo distanciamento entre o Bispo de Roma e os
Patriarcas. Primeiro veio a quebra da unidade política. Com a divisão do
Império Romano em 395, a queda do Império Romano do Ocidente em 476 e o
fracasso da tentativa de Justiniano de reunificar o império a partir de 535, o
Oriente e o Ocidente deixaram de ter o mesmo governo. A partir do século VII,
com a ascensão do Islamismo, as trocas económicas e os contactos por via
marítima entre o Império Bizantino, de língua grega, e o Ocidente, de língua
latina, tornaram-se mais difíceis, e deteriorou-se a unidade cultural.
Em muitos aspetos, a Igreja
Ortodoxa é semelhante à Igreja Católica, preservando, por exemplo, os sete
sacramentos, e usam as vestes litúrgicas nos seus cultos.
Seria muito importante a união
entre as duas Igrejas, para a qual não pouparam esforços os últimos Papas.
Esperemos que um dia tal venha a acontecer para o bem comum entre os cristãos.
João de Jesus Nunes