28 de abril de 2022

SERÁ POSSÍVEL A UNIÃO ENTRE CATÓLICOS E ORTODOXOS?

 Com a guerra na Ucrânia, em que a Rússia não quer que seja utilizada esta palavra bélica no seu território, e os ortodoxos russos se unem em favor de Putin, surge a pergunta em título.

Segundo se narra no livro A mais breve história da Rússia, de José Milhazes, no ano da conquista de Constantinopla pelos turcos, em 1453, Moscovo já constituía o centro religioso dos territórios russos, o metropolita passara a residir nessa cidade e a ser eleito pelos bispos russos, o que tornou independente a Igreja Ortodoxa Russa. E também por essa altura começa a surgir a ideia de Moscovo como sucessora de Bizâncio. Em 1472, Ivan II, o Grande, casou-se com a sobrinha do último imperador bizantino. O grão-príncipe de Moscovo começou a chamar a si os títulos de “autocrata” e “czar” e a usar a águia bicéfala de Bizâncio.

Refere ainda, naquela obra, que em 1054, os chefes das igrejas cristãs do Oriente e do Ocidente, ou sejam, o Patriarca de Constantinopla e o Papa de Roma, excomungaram-se mutuamente. Deram assim origem ao chamado Grande Cisma. Quase logo a seguir à queda de Roma às mãos dos bárbaros, as relações entre o Oriente e o Ocidente complicaram-se devido a disputas eclesiásticas e teológicas, sendo as fundamentais sobre a fonte do Espírito Santo (Filioque), se se devia usar pão fermentado ou não fermentado na Eucaristia e sobre a primazia do Papa de Roma.

Os católicos defendem que o Espírito Santo procede do Filho e do Pai, enquanto os ortodoxos acreditam que procede apenas do Pai. Na Igreja Ortodoxa, o pão da comunhão é fermentado e não se reconhece a primazia do Papa.

Foram feitas várias tentativas para superar esta fratura. A primeira no Concílio de Lyon, em 1274, e a segunda no Concílio de Florença, em 1439. Neste Concílio, Isidoro, metropolita de toda a Rus, apoiou a união entre católicos e ortodoxos. Veio a receber o título de cardeal das mãos do Papa Eugénio, mas logo que chegou à Moscóvia foi imediatamente preso e encerrado num mosteiro por ter tomado esta posição. Conseguiu fugir da prisão e refugiar-se em Roma.

As mútuas excomunhões só foram levantadas a 7 de dezembro de 1965, pelo Papa Paulo VI e pelo Patriarca de Constantinopla Atenágoras I, com vista a reiniciar o processo de aproximação das duas igrejas.

A 12 de fevereiro de 2016, o Papa Francisco concretizou um encontro histórico com Kirill, Patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, em Cuba, dando início a um diálogo que se perspetiva poder ser muito longo.

Será que se houvesse a união entre estas duas igrejas, muito similares, da religião cristã, poderia contribuir para uma outra mentalidade dos senhores do poder, que, neste caso, é dum prepotente que não olha a meios para atingir os seus fins maléficos?

Apesar de católicos romanos e ortodoxos terem uma história comum, que começa com a fundação da Igreja primitiva e com a difusão do cristianismo pelos apóstolos, uma série de dificuldades ocasionou o progressivo distanciamento entre o Bispo de Roma e os Patriarcas. Primeiro veio a quebra da unidade política. Com a divisão do Império Romano em 395, a queda do Império Romano do Ocidente em 476 e o fracasso da tentativa de Justiniano de reunificar o império a partir de 535, o Oriente e o Ocidente deixaram de ter o mesmo governo. A partir do século VII, com a ascensão do Islamismo, as trocas económicas e os contactos por via marítima entre o Império Bizantino, de língua grega, e o Ocidente, de língua latina, tornaram-se mais difíceis, e deteriorou-se a unidade cultural.

Em muitos aspetos, a Igreja Ortodoxa é semelhante à Igreja Católica, preservando, por exemplo, os sete sacramentos, e usam as vestes litúrgicas nos seus cultos.

Seria muito importante a união entre as duas Igrejas, para a qual não pouparam esforços os últimos Papas. Esperemos que um dia tal venha a acontecer para o bem comum entre os cristãos.  

 

João de Jesus Nunes                                                                                  

  jjnunes6200@gmail.com

 

(In “Notícias da Covilhã” digital, de 28-04-2022)

14 de abril de 2022

UM 25 DE ABRIL NASCIDO COM UMA OUTRA ESPERANÇA

 

Na altura em que escrevo esta crónica está uma primavera muito fria. É a primeira estação do ano, depois de virado o equinócio em 20 de março. Mas os primeiros dias de abril não têm apresentado temperaturas amenas e agradáveis e aumento dos índices pluviométricos. Os dias começam de facto a ficar mais longos e as noites passam a ser mais curtas. O reflorescimento da flora terrestre começa a surgir. A mudança de hábitos, agora no modo de vestir, ainda está acautelado para o frio que não nos vai largando.

As televisões e os jornais enchem-nos de notícias do terror russo, com u8m Putin hitleriano, numa amálgama de nazi e jihadista, mas sobre este tema já muito me debrucei.

Como também já muito escrevi sobre a Revolução dos Cravos, sujeito a repetir algo sobre o tema.

Mas este ano há uma data insofismável que se reporta ao dia 24 de março de 2022. Conseguimos ultrapassar a ditadura vivida, em número de dias. São já, nesta data, 17500 dias em democracia, E a trombeta que assinala esta memorável data dá início às comemorações oficiais dos 50 anos do 25 de Abril, que se assinala em 2024. A efeméride é tão importante que as mesmas irão até 2026.

Outras datas também importantes serão registadas. Em 24 de março assinalaram-se os 60 anos da crise académica de 1962, quando o Estado Novo proibiu as comemorações do Dia do Estudante. Era então líder estudantil, naquela altura, Jorge Sampaio, que chegou a afirmar, por tal facto, que “o 25 de Abril começou a 24 de Março”. E é por isso que arrancam aqui as comemorações oficiais dos 50 anos do 25 de Abril.

Mas em 3 de abril também se comemoram 30 anos da morte de Salgueiro Maia, o capitão que comandou a coluna de blindados que veio de Santarém para vir cercar os ministérios do Ter4reiro do Paço, que fez o ultimato a Marcelo Caetano e o levou à rendição perante o general Spínola, e depois o escoltou até ao aeroporto de onde partiu para o exílio. Tudo sem disparar um tiro.

Nem toda a obra é perfeita, nem tudo se pensa que venha a surgir no âmbito dos nossos sonhos. Quem, como eu, viveu longo tempo na ditadura, e sonhou com outros tempos que passariam a ser risonhos, num horizonte de plena felicidade, apesar de a obra não ser perfeita, jamais se contava com condutas conducentes aos tempos que se viveram em ditadura, onde os pobres eram cada vez mais pobres, e os ricos com as algibeiras cada vez mais carregadas do vil metal.

Comemorámos esta data do 25 de Abril, algumas vezes já sem aquela força impulsora, intrínseca, indomável que inebriava as nossas almas. Foram muitos os governantes que, tendo uma imagem de homens e mulheres sérias, e até então honestas, por via do poder do dinheiro fizeram por olvidar esta caraterística duma pessoa confiável, porque o poder do dinheiro é mais forte que a robusta honestidade.

Apesar destas manchas que surgiram na nossa democracia, incluindo o desaproveitamento dos fundos europeus, e o seu esbanjamento em certos governos de Portugal, com o salto para a ribalta política de jotas, boys e girls, que muitos vieram prosseguir o caminho da governação, valeu a pena a Revolução dos Cravos.

O próprio antigo Presidente da República Ramalho Eanes admitiu que, na altura do 25 de Abril de 1974 “esperava mais”, afirmando que não foi feito o suficiente para se “politizar a sociedade”  e instituir uma “democracia dinâmica, em que o povo resolvesse participar, em que o povo sentisse que ele é efetivamente o dono da liberdade e o dono do país.”

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “Notícias da Covilhã” digital, de 14-04-2022)

6 de abril de 2022

OS MALANDROS – GALBA a. C, PUTIN d.C.

 

Ao longo dos tempos sempre houve quem se revelasse na maldade sob os ventos da história.

Hoje, depois de termos vivido num ambiente de paz reinante na generalidade do planeta, conforme já me referi noutro artigo, mormente na Europa, embora com ventos e marés pelo caminho, desde a Segunda Grande Guerra, eis que um malandro, sanguinário, agita ferozmente a invasão de um país soberano – a Ucrânia –, não se importando de lançar a guerra no mundo, declinando a paz. Isto já estamos fartos de saber diariamente.

Em Portugal superou-se, em 24 de março do corrente ano, por um dia, o tempo vivido em ditadura.

A guerra passou a ser o fantasma e uma realidade na Europa. E as palavras: promessa, garantia, confiança, contrato de boas intenções, acordo oficial, foram substituídas por uma única que dá pelo funesto nome de traição.

E é nesta base que memorizo, por analogia, outro “Putin” de outrora, selecionado dentre muitos. Sérvio Sulpício Galba, em 151 a. C. recebeu o governo da Hispânia Ulterior como pretor, continuando a Guerra Lusitana. Os lusitanos causaram a Galba enormes perdas. Segundo os cronistas, na primavera de 150 a. C., Galba invadiu novamente a Lusitânia e os Romanos arrasaram o território. Quando os Lusitanos enviaram uma embaixada reclamando a violação do tratado que haviam firmado com o pretor Marco Atílio Serrano, e reiterando o seu propósito de manterem os termos de paz prometida por eles, Galba recebeu-os amavelmente. Prometeu-lhes terras férteis onde se poderiam estabelecer com as suas famílias, sob a proteção de Roma, se permanecessem leais. Acudiram cerca de 30 000 lusitanos solicitando o cumprimento dessa promessa. Galba, repartiu-os em três acampamentos e exigiu-lhes que entregassem as armas em sinal de amizade. Logo que tal aconteceu, rodeou-os com todo o seu exército e ordenou um ataque. Cerca de 9000 foram passados pela espada e 20 000 foram capturados e vendidos como escravos aos Gálias. Somente uns poucos conseguiram escapar, incluindo Viriato, que, anos depois, se vingaria por esta traição romana, em vários combates que ganharia.

Mas a diferença de forças em combate ia-se tornando em tarefas difíceis. E já Táutalo, o grande amigo de Viriato reconhecia que tinham pouco mais de três mil cavaleiros e dois mil homens a pé, contra mais de 30 mil romanos, em várias frentes de ataque.

As palavras de ordem do líder era “Temos de negociar”. Era evidente que lutar seria um suicídio. Saíram todos em silêncio, mantendo-se apenas Viriato, Táutalo , Audax, Ditalco e Minuro.

Os romanos Cepião e Lenate estavam em Tucci e Audaz, Ditalco e Minuro foram dar-lhes a conhecer as condições propostas por Viriato: “Não abandonamos as armas, mantemos o nosso território e não nos envolvemos em escaramuças“.

Viriato despediu-se da mulher, Munnia, e do sogro, Astolpas. Parte na sua égua “Milos”.

Entretanto, os emissários, homens de confiança, enviados por Viriato, são corrompidos pelos romanos com promessas de riquezas. E, na pessoa de Lenate, insiste: - “Não queremos as vossas terras, apenas as armas, para que haja paz.” “Lenate olhou de soslaio para Cepião, retirou três moedas de ouro do saco e distribuiu-as pelos três. E há mais de onde veio este”. O regresso dos emissários foi fatal para Viriato, assassinando o seu chefe enquanto dormia.  Termina assim aqui a vida deste notável guerreiro ibérico. Duas semanas depois, os três assassinos e traidores de Viriato, deslocaram-se a Tucci, a base da operação romana na Ibéria Ulterior. Iam receber a recompensa prometida por Lenate e Cepião.

Então, quando esperavam receber dos romanos, na pessoa de Libérius, o ouro que lhes haviam prometido, em troca pela morte de Viriato, os mesmos foram apunhalados e mortos, com esta indicação: – “Roma não negoceia com traidores”. Este é um exemplo entre muitos, ao longos dos tempos.

A outra face da moeda é depois de Cristo. Durante a Guerra Fria, a terceira maior potência nuclear do planeta não era o Reino Unido, a França ou a China, mas sim a Ucrânia. E com o colapso da União Soviética (URSS) em 1991, a nação recém-independente herdara cerca de 3000 armas nucleares deixadas por Moscovo em seu território. Três décadas depois, a Ucrânia está totalmente desnuclearizada. E o tema volta à tona agora que o país se encontra numa posição delicada após a invasão territorial comandada pelo Kremlin, que ameaça reagir a qualquer tentativa de interferência das potências da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no confronto.

Através do Acordo de Budapeste, nos anos 1990, a Ucrânia decidiu abrir mão das armas nucleares deixadas em seu território em troca de segurança e reconhecimento como país independente. Tudo foi acordado por meio do Memorando de Budapeste, um acordo assinado entre o governo ucraniano, a Rússia, o Reino Unido e os Estados Unidos após o fim da URSS. No entendimento firmado em 1994 na capital da Hungria, a Ucrânia comprometia-se a aderir ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e a devolver para Moscovo as ogivas deixadas no seu território.

Em troca da desnuclearização de Kiev, os governos da Rússia, dos EUA e do Reino Unido comprometeram-se a respeitar a independência, a soberania e as fronteiras existentes da Ucrânia e a abster-se da ameaça ou do uso da força contra o país. E agora o que está a acontecer? Putin, traidor, não respeita nada, brinca com a ONU, brinca com o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. A ONU, NATO e UE só agora acordaram duma letargia em que se encontraram. Esperemos que uma azia neste maldito Putin o não largue até que seja absorvido por instintos de remorsos pelo imenso mal que está a ocasionar a milhões de pessoas que nada têm a ver com a sua disfuncionalidade cognitiva.

 

João de Jesus Nunes

                                        jjnunes6200@gmail.com

 

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 06-04-2022)

1 de abril de 2022

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA - JOSÉ ALBERTO FERREIRA AZEVEDO

 






Corria o dia 16 de novembro de 1941, em plena II Grande Guerra, quando nasceu o covilhanense, nosso entrevistado para este número do CE. Pessoa dotada duma extraordinária simpatia, amigo do seu amigo, que reúne no companheirismo muitos em seu redor.

Se ao ver a luz do dia, pela primeira vez, existiam fortes nuvens bélicas no Mundo de então, o seu destino, como tantos milhares de portugueses, seria o de se ver também obrigado a participar, longe da sua Terra, numa guerra subversiva, como então se designava, nos já longínquos anos de sessenta do século XX, para as bandas do continente africano.


Depois de, na tranquilidade desafogada, mesmo em tempo de racionamento, viver com os pais na Quinta Nova, no Refúgio, onde trabalhava na agricultura, feita a instrução primária, rumou, como tantos outros, para prolongar os estudos na Escola Industrial e Comercial Campos Melo. Aqui, volvidos três anos ficaria precocemente sem o pai, pelo que decidiu concluí-los no período noturno já que a quinta, com trabalhadores, necessitava então do seu apoio, assim como sua irmã e a mãe.

Tendo sido chamado para o serviço militar, cuja inspeção foi aos 19 anos, tentou ainda ser considerado “amparo de mãe”, a fim de se libertar daquela obrigação militar, o que não lhe foi concedida. Chegou mesmo a omitir as habilitações escolares, mas em vão.

É então incorporado no RI 10 em Aveiro no dia 14 de agosto de 1962, um ano após o início da chamada Guerra do Ultramar.

Como o mesmo reporta, “nessa altura do início da guerra colonial não havia condições logísticas decentes”. E conta algumas partes interessantes quão também de horripilantes que, face à sua extensão, não cabem nesta página mas que é interessante ouvir-lhe contar.

Em 14 de outubro do mesmo ano foi tirar a especialidade de armas pesadas metralhadora Breda, no RI 2 em Abrantes. Em 28 de novembro passou ainda pelo BC 6 em Castelo Branco e em 3 de setembro de 1963, estando de férias, recebeu ordem de mobilização, apresentando-se em Tomar, seguindo depois para Santa Margarida. Em 5 de dezembro de 1963, já com 16 meses de tropa, e como 1º. Cabo, embarcou com destino a Angola ao enclave de Cabinda, no paquete Vera Cruz. Foi incorporado no Batalhão 554 Companhia 553, chegando a Cabinda a 14 do mesmo mês, assumindo a responsabilidade operacional da Z A em 26 de dezembro. Aqui tiveram bastante atividade, felizmente sem qualquer baixa. A 12 de junho de 1964 seguiram mais para leste, uma zona mais ativa do inimigo (IN) onde sofreram a única baixa em combate. Em outubro de 1964 coube ao Batalhão assegurar a integridade da zona conhecida por Alto do Maiombe. “Aqui, tínhamos grupos de combate em Sanga Planície, em pleno Alto do Maiombe. Numa zona tão extensa só lhe foi atribuída uma Subunidade, que exigia patrulhamentos apeados da ordem dos 130 Km em ambos os sentidos. (…) Os reabastecimentos eram quase na totalidade feitos por meios aéreos e paraquedas. A acrescentar ao esforço físico despendido tinham ainda que reabastecer a pé um destacamento a 13 Km, transportando os géneros às costas, e dedicar o resto das energias na construção de edificações. Neste trabalho duro, a ação do IN fez-se sentir, como na Ponte do Lombe e emboscada em Sanga Miconge. Fizeram-se diversas operações entre elas a Caça Grossa onde destruímos um acampamento do IN – ‘Vale das Pacaças’, na fronteira com o Congo onde foi capturado 1 guerrilheiro e diverso material. O IN foi apanhado de surpresa e ainda ofereceu alguma resistência, mas acabou por sair em debandada já em território do Congo”.

De Cabinda ainda se deslocou para Tando Zinze, Prata, Pangamongo, Miconje, Caio Guembo, Malembo, Tchinzaze, Belize.

O dia mais marcante para o nosso entrevistado foi no dia 6 de dezembro de 1965 em que duas minas anticarro mataram 11 camaradas de uma Companhia que estava adida ao seu Batalhão.

Depois deste “resumo muito breve” – como nos conta José Alberto Azevedo, de muitas estórias “da história que tem do Ultramar”, embarcou em Luanda em 24 de março de 1966 chegando a Lisboa em 6 de abril, seguindo para Tomar, e daqui para a Covilhã, onde finalmente chegou no dia 8 de abril de 1966.

Passou então a exercer a sua atividade profissional de debuxo na indústria de lanifícios, na Covilhã, onde se aposentou.

 

(In “O Combatente da Estrela”, nº 126 – ABR/2022)

NÃO QUEREMOS MAIS GUERRAS

 

Depois de um período de paz entre nações de quase oito décadas, que resistiu até a terramotos políticos como o colapso do mundo soviético ou às sequelas da guerra civil nos Balcãs, a Europa assiste incrédula, assustada e preocupada a uma nova violação de fronteiras.

Os tambores de guerra vão sobrepor-se à prioridade mundial do combate à crise ambiental e climática, que exige uma necessária e urgente cooperação forçada entre todas as grandes potências.

Desde 1945 e o fim da Segunda Guerra Mundial que a Europa tinha atravessado um período de paz. Com exceção de alguns conflitos localizados que resultaram da independência de novos Estados após o já aludido colapso da União Soviética, nos últimos 77 anos não houve guerra na Europa.

As gerações de europeus que nasceram e viveram neste período nunca conheceram outra situação que não fosse a paz. Para aqueles que nasceram depois do fim da Segunda Guerra Mundial a paz é um dado praticamente adquirido.

O conflito militar aberto entre a Rússia e a Ucrânia, com o possível envolvimento dos países ocidentais, vem alertar o Mundo para as consequências dramáticas do fim da paz na Europa, e, quiçá, do Mundo.

Além da insegurança, da perda de vidas humanas e da destruição, há efeitos económicos imediatos que já se fazem sentir com as sanções aplicadas, a suspensão de trocas comerciais e a redução dos investimentos.

No ano transato comemoraram-se os cem anos da fundação da Liga dos Combatentes ao serviço de Portugal e de seus gloriosos Combatentes; e também sessenta anos do início das guerras coloniais em que os portugueses foram envolvidos por força da teimosia dum regime ditatorial que, felizmente, teve os seus últimos dias em 1974 com a Revolução dos Cravos.

Sem olvidar o tempo difícil por que certamente iremos passar, fruto também de um assassino ditador russo, desejoso do imperialismo e saudosista da URSS, derrubada em 1991, sabemos que, em 1974, havia 150 mil jovens portugueses compulsivamente a prestar serviço nas Forças Armadas, a maior parte das quais em Angola, Guiné e Moçambique e que a guerra colonial sorveu, em 13 anos, mais de 90% da juventude masculina, obrigada ao serviço militar de dois a quatro anos. Segundo dados do EMGFA, dos 8831 militares portugueses mortos devido a várias causas, 4027 perderam a vida em combate e a guerra provocou ferimentos e deficiências físicas em cerca de vinte mil, dos quais 520 com grau superior a 60%. Relativamente aos portugueses que foram psicologicamente afetados, com stress pós-traumático, que atingiu ex-combatentes e famílias inteiras, embora o número seja contestado, contabilizaram-se 140.000, segundo informação do Público.

Com base no mesmo periódico, ainda está por calcular o verdadeiro número de compelidos, refratários e desertores portugueses, cujo papel, tal como o da emigração, contou tanto contra o esforço de guerra colonial, como para o 25 de Abril de 1974. Sobretudo, estão por contabilizar quantos africanos, civis e dos movimentos de libertação morreram, ficaram feridos e com stress pós-traumático. Os mortos africanos terão chegado pelo menos aos cem mil.

Escrevi estas linhas no dia 8 de março, dedicado ao Dia Internacional da Mulher. Não podemos também esquecer a Mulher em tempos de guerras. Como temos sobejamente presenciado, vemo-la a carregar o peso de deixar o marido para trás e levar pela mão os filhos pequenos, a caminho de um país que acolha os refugiados da Ucrânia. É a maior prova de fogo a que milhares de mulheres europeias estão sujeitas. O mesmo já aconteceu na Síria, no Afeganistão. Desta vez toca-nos mais perto. É no Velho Continente, conforme refere Rosália Amorim, in DN, que parece ter esquecido as feridas profundas da Segunda Guerra Mundial, que eclodiu o conflito que dilacera as famílias.

Ainda sem termos saído de uma outra guerra – a pandemia Covid 19 – que também as nossas gerações não haviam conhecido, faltava-nos a crueldade de um ser humano, se é humano que assim se possa chamar, a esse tétrico Putin, qual novo Hitler, amante de uma nova guerra.

Resta-nos, pois, afirmar gritantemente: NÃO QUEREMOS MAIS GUERRAS!

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “O Combatente da Estrela”, nº 126 – ABR/2022)