Longe vão os tempos, da minha
infância, em que se rezava nas Igrejas pela conversão da Rússia, um dos pedidos
de Nossa Senhora numa das Aparições de Fátima, para uns, Visões, para outros,
ocorrida em 13 de junho de 1917, em plena Guerra Mundial.
Mas já muito antes, sempre os
portugueses estiveram envolvidos neste país, sendo a Federação Russa o maior
país do mundo em extensão territorial, localizado na Eurásia da Europa e Norte
da Ásia, quase sendo mais um Continente.
Assim, vejamos, segundo A Mais
Breve História da Rússia dos Eslavos a Putin, de José Milhazes: O médico
António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), natural de Penamacor, teve de fugir
para o estrangeiro para escapar à Inquisição, foi trabalhar para a Rússia, onde
passou dezoito anos (1731- 1749). Deixou as melhores recordações na Rússia
principalmente graças à sua atividade no campo na medicina. Quando já exercia
as funções de médico da corte de São Petersburgo, o iluminista do distrito de
Castelo Branco salvou da morte a noiva do grão-príncipe Pedro e futura
imperatriz da Rússia, Catarina II, a Grande. Por isso, em 1782, o seu
filho e sucessor no trono, Paulo, exprimiu-lhe publicamente gratidão em Paris,
o que lhe valeu uma pensão vitalícia da corte russa. Já depois de ter
abandonado a Rússia, acusado de não ter renunciado ao judaísmo, Ribeiro Sanches
nunca se recusou a prestar assistência médica aos nobres russos que o
procuravam na capital francesa. E isto porque era considerado um mestre
incomparável no tratamento de doenças venéreas, onde muitos sofriam desses
“males do amor”. O médico português mantinha contactos estreitos com o mundo
científico russo, contribuindo para o estabelecimento de relações entre
cientistas russos e sábios de outros países da Europa e do mundo. Também da
pena deste ilustre sábio do distrito albicastrense saíram numerosas obras sobre
a Rússia. Ribeiro Sanches deixou igualmente escritos sobre cossacos,
ucranianos, povos do Báltico, etc. Todavia, dedicou maior atenção aos russos,
aos seus costumes, às suas tradições, vida económica e agricultura. Na sua
conhecida obra Memória Sobre os Banhos de Vapor da Rússia, Ribeiro
Sanches analisa o tema não só enquanto médico, mas também como economista. Ele
via nos populares banhos russos um meio universal de tratamento de doenças
quando não era possível o acesso a outras terapias e recomendou-o aos seus
leitores ocidentais. Baseando-se nas reformas do czar Pedro I, o ilustre
português aconselhou o marquês de Pombal na sua tarefa de modernização de
Portugal. Ribeiro Sanches tinha uma visão filosófica das ciências socias e
considerava que a autossuficiência agrícola era fundamental para qualquer país,
insistindo, para isso, no incremento das culturas cerealíferas.
De outros portugueses que
passaram por São Petersburgo, foi a cantora de ópera Luísa Todi quem deixou
maior rasto na história da cultura da cidade. No auge da sua carreira, aquela
que ficou conhecida por “rouxinol de Setúbal” lançou-se na aventura de atuar na
Rússia, país que, nos finais do século XVIII, era considerado “distante” e
“bárbaro” pelos europeus do Ocidente. A sua voz permitiu-lhe não só cativar o
coração de muitos russos como enfrentar e defender os seus interesses perante
Catarina, a Grande. Luísa Todi permaneceu na Rússia de 27 de maio de
1784 até finais de 1786. Regressaria e, em 23 de abril de 1787, Luísa Todi dava
o seu último espetáculo em Moscovo. Entretanto, surge a rutura entre Luísa Todi
e Catarina II quando a cantora setubalense começou a exigir somas exageradas
para permanecer na Rússia, pois tanto ela como o marido não olhavam a despesas,
considerando a imperatriz Catarina II que o casal português já estava
endividado em oitenta mil rublos.
Também a história do russo que
salvou a coroa portuguesa. No dia 3 de novembro de 1807, a esquadra do
almirante russo Dmitri Seniavin entrou na foz do Tejo para fugir a uma forte
tempestade no mar, mas ficou ali retida durante quase um ano devido à conturbada
situação internacional. Anteriormente, em 7 de julho desse ano, a Rússia e a
França de Napoleão tinham assinado um Tratado de Paz e Amizade, em Tilzit, e a
corte de São Petersburgo rompera as relações diplomáticas com Londres. Neste
contexto que lhe era adverso, o oficial russo, não obstante as pressões
francesas, evitou impedir a partida que se preparava, de D. Maria I e de D.
João VI rumo ao Brasil. O almirante russo viu-se numa situação muito complicada
e então arranjou subterfúgios para tentar adiar ou mesmo evitar totalmente o
cumprimento das ordens de Napoleão, alegando falta de armamento e de homens.
Quadro da Morte de Inês de
Castro. Karl Briullov (1799-1852) foi um dos primeiros pintores russos que
receberam reconhecimento internacional, sendo considerado o artista de
transição entre o neoclassicismo russo e o realismo. Em 1834, pintou o quadro Morte
de Inês de Castro, talvez soba a influência da leitura de Os Lusíadas de
Luís de Camões.
Segundo João Céu e Silva, in DN,
a Revolução Russa, que teve início em 1917, também esteve sempre muito
ligada às aparições de Fátima. Talvez os pastorinhos tivessem ouvido o nome do
país, mas decerto desconheciam as implicações que o regime que substituía os
czares iria ter em todo o mundo no século XX. Se uma nova consagração pareceria
impossível e desnecessária até ao princípio desta guerra, a razão de acontecer
deve-se à mensagem que Nossa Senhora terá deixado aos pastorinhos na aparição
de 13 de julho de 1917: “Para impedir a guerra virei pedir a consagração da
Rússia ao meu Imaculado Coração (…). Se atenderem os meus pedidos, a Rússia se
converterá e terá paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo
guerras (…)”. A mensagem não terminava aí e referia também que a Rússia
promoveria “perseguição à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre
terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas”. Daí que Lúcia tivesse
insistido na consagração, em especial da Rússia, ao Imaculado Coração de Maria
logo na carta enviada ao Papa Pio XII, em 1940.
Muito já foi dito, e muito já se
escreveu e debateu sobre este assunto. O que é certo e verdade, é que a guerra
gerada com a invasão da Ucrânia pela Rússia tem algo que se pode contextualizar
nestas mensagens de Nossa Senhora, ainda que já não se reze pela “conversão da
Rússia” como nos tempos do Estado Novo, mas velho de pensamento e ideias, mas
se peça a intervenção divina para acabar com esta guerra injusta, entre várias
maneiras de interpretar quer a mensagem de Fátima quer a invasão da Ucrânia
pela Federação Rússia, numa ambição hitleriana de Putin.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal Fórum Covilhã”, de
18-05-2022)