18 de maio de 2022

A Rússia, os Portugueses e o Segredo de Fátima

 

Longe vão os tempos, da minha infância, em que se rezava nas Igrejas pela conversão da Rússia, um dos pedidos de Nossa Senhora numa das Aparições de Fátima, para uns, Visões, para outros, ocorrida em 13 de junho de 1917, em plena Guerra Mundial.

Mas já muito antes, sempre os portugueses estiveram envolvidos neste país, sendo a Federação Russa o maior país do mundo em extensão territorial, localizado na Eurásia da Europa e Norte da Ásia, quase sendo mais um Continente.

Assim, vejamos, segundo A Mais Breve História da Rússia dos Eslavos a Putin, de José Milhazes: O médico António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), natural de Penamacor, teve de fugir para o estrangeiro para escapar à Inquisição, foi trabalhar para a Rússia, onde passou dezoito anos (1731- 1749). Deixou as melhores recordações na Rússia principalmente graças à sua atividade no campo na medicina. Quando já exercia as funções de médico da corte de São Petersburgo, o iluminista do distrito de Castelo Branco salvou da morte a noiva do grão-príncipe Pedro e futura imperatriz da Rússia, Catarina II, a Grande. Por isso, em 1782, o seu filho e sucessor no trono, Paulo, exprimiu-lhe publicamente gratidão em Paris, o que lhe valeu uma pensão vitalícia da corte russa. Já depois de ter abandonado a Rússia, acusado de não ter renunciado ao judaísmo, Ribeiro Sanches nunca se recusou a prestar assistência médica aos nobres russos que o procuravam na capital francesa. E isto porque era considerado um mestre incomparável no tratamento de doenças venéreas, onde muitos sofriam desses “males do amor”. O médico português mantinha contactos estreitos com o mundo científico russo, contribuindo para o estabelecimento de relações entre cientistas russos e sábios de outros países da Europa e do mundo. Também da pena deste ilustre sábio do distrito albicastrense saíram numerosas obras sobre a Rússia. Ribeiro Sanches deixou igualmente escritos sobre cossacos, ucranianos, povos do Báltico, etc. Todavia, dedicou maior atenção aos russos, aos seus costumes, às suas tradições, vida económica e agricultura. Na sua conhecida obra Memória Sobre os Banhos de Vapor da Rússia, Ribeiro Sanches analisa o tema não só enquanto médico, mas também como economista. Ele via nos populares banhos russos um meio universal de tratamento de doenças quando não era possível o acesso a outras terapias e recomendou-o aos seus leitores ocidentais. Baseando-se nas reformas do czar Pedro I, o ilustre português aconselhou o marquês de Pombal na sua tarefa de modernização de Portugal. Ribeiro Sanches tinha uma visão filosófica das ciências socias e considerava que a autossuficiência agrícola era fundamental para qualquer país, insistindo, para isso, no incremento das culturas cerealíferas.

De outros portugueses que passaram por São Petersburgo, foi a cantora de ópera Luísa Todi quem deixou maior rasto na história da cultura da cidade. No auge da sua carreira, aquela que ficou conhecida por “rouxinol de Setúbal” lançou-se na aventura de atuar na Rússia, país que, nos finais do século XVIII, era considerado “distante” e “bárbaro” pelos europeus do Ocidente. A sua voz permitiu-lhe não só cativar o coração de muitos russos como enfrentar e defender os seus interesses perante Catarina, a Grande. Luísa Todi permaneceu na Rússia de 27 de maio de 1784 até finais de 1786. Regressaria e, em 23 de abril de 1787, Luísa Todi dava o seu último espetáculo em Moscovo. Entretanto, surge a rutura entre Luísa Todi e Catarina II quando a cantora setubalense começou a exigir somas exageradas para permanecer na Rússia, pois tanto ela como o marido não olhavam a despesas, considerando a imperatriz Catarina II que o casal português já estava endividado em oitenta mil rublos.

Também a história do russo que salvou a coroa portuguesa. No dia 3 de novembro de 1807, a esquadra do almirante russo Dmitri Seniavin entrou na foz do Tejo para fugir a uma forte tempestade no mar, mas ficou ali retida durante quase um ano devido à conturbada situação internacional. Anteriormente, em 7 de julho desse ano, a Rússia e a França de Napoleão tinham assinado um Tratado de Paz e Amizade, em Tilzit, e a corte de São Petersburgo rompera as relações diplomáticas com Londres. Neste contexto que lhe era adverso, o oficial russo, não obstante as pressões francesas, evitou impedir a partida que se preparava, de D. Maria I e de D. João VI rumo ao Brasil. O almirante russo viu-se numa situação muito complicada e então arranjou subterfúgios para tentar adiar ou mesmo evitar totalmente o cumprimento das ordens de Napoleão, alegando falta de armamento e de homens.

Quadro da Morte de Inês de Castro. Karl Briullov (1799-1852) foi um dos primeiros pintores russos que receberam reconhecimento internacional, sendo considerado o artista de transição entre o neoclassicismo russo e o realismo. Em 1834, pintou o quadro Morte de Inês de Castro, talvez soba a influência da leitura de Os Lusíadas de Luís de Camões.

Segundo João Céu e Silva, in DN, a Revolução Russa, que teve início em 1917, também esteve sempre muito ligada às aparições de Fátima. Talvez os pastorinhos tivessem ouvido o nome do país, mas decerto desconheciam as implicações que o regime que substituía os czares iria ter em todo o mundo no século XX. Se uma nova consagração pareceria impossível e desnecessária até ao princípio desta guerra, a razão de acontecer deve-se à mensagem que Nossa Senhora terá deixado aos pastorinhos na aparição de 13 de julho de 1917: “Para impedir a guerra virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração (…). Se atenderem os meus pedidos, a Rússia se converterá e terá paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras (…)”. A mensagem não terminava aí e referia também que a Rússia promoveria “perseguição à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas”. Daí que Lúcia tivesse insistido na consagração, em especial da Rússia, ao Imaculado Coração de Maria logo na carta enviada ao Papa Pio XII, em 1940.

Muito já foi dito, e muito já se escreveu e debateu sobre este assunto. O que é certo e verdade, é que a guerra gerada com a invasão da Ucrânia pela Rússia tem algo que se pode contextualizar nestas mensagens de Nossa Senhora, ainda que já não se reze pela “conversão da Rússia” como nos tempos do Estado Novo, mas velho de pensamento e ideias, mas se peça a intervenção divina para acabar com esta guerra injusta, entre várias maneiras de interpretar quer a mensagem de Fátima quer a invasão da Ucrânia pela Federação Rússia, numa ambição hitleriana de Putin.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 18-05-2022)

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