3 de abril de 2023

OS JORNAIS NOS MEANDROS DO TEMPO



Longe vão os tempos em que alguns jornais – os grandes jornais – eram quase como que uns pequenos “lençóis” em papel que, de certo modo, dificultavam a leitura de cada página na sua íntegra, fosse numa biblioteca municipal ou numa coletividade, ou em casa para os poucos que os adquiriam; ou, então, numa viagem de comboio ou de avião, em que havia necessidade de encolher os braços a fim de não incomodar o parceiro de viagem, para já não referir nos bancos do jardim, que, para voltar uma página, com um pouco mais de aragem, era o enrolar delas. Mas, nas décadas de 40 a 60 do século XX, no final da leitura do jornal, das gordas ou daquele título mais apelativo, por vezes mais sensacionalista que realista, em vez de terem o destino do lixo, ou servirem para embrulhar os sapatos que levaram meias-solas, ou as castanhas assadas em seu tempo, ainda eram muito úteis para acautelar peças em vidro. A venda do papel usado tinha preços míseros pelo que hoje se traduz nalgum aproveitamento para instituições de solidariedade social. Já as crianças se divertiam a fazer aviões ou barquinhos de papel de jornal, para além das cartolas, enfim, entretenimentos de outros tempos que já lá vão.

No entanto, não deixava de ser um deleite ver também as fotos de figuras importantes, entre a leitura daquelas enormes páginas, repletas de fotografias meio desnudadas para a época, como acontecia nos jornais O Século e o Diário Popular e as beldades na revista Flama. 

Hoje, tudo se modificou, se bem que na maioria dos casos para melhor, mas ainda existem jornais, mais pela via dos semanários, em que se nota a fragilidade da escassez de leitores, obrigando alguns deles a reduzir páginas, a desvalorizar a qualidade do papel, numa contribuição para o afastamento dos leitores, e seguindo, alguns, na tentativa de renascerem das cinzas, a via do jornal gratuito.  Isto leva a que as bancas se desinteressem da sua distribuição, colocando-os quase escondidos, e as autarquias a suportarem esses encargos, para que o nome da terra não deixe de encabeçar o jornal, entrando, quantas vezes, em desnecessárias polémicas de concorrência desleal.

A qualidade dum jornal vê-se também pelo elevado número dos seus colaboradores permanentes com os seus artigos de opinião, o que acontece com o Jornal Olhanense, e o Jornal Fórum Covilhã, só para dar dois exemplos de um quinzenário e dum semanário do sul e do centro-norte do país, respetivamente. Mas há mais.

Qual terá sido o primeiro jornal da história? Não era de papel. Nem estava nas bancas...porque não as havia. O precursor do que viria a ser um jornal foi o romano Acta Diurna (“Atos Diários”, em latim). Lançado em 59 a. C. Era esculpido em pedra ou metal, dependendo da época, e ficava exposto em locais públicos, como o Fórum de Roma. Apresentava desde avisos oficiais do império, como decretos do imperador, decisões do Senado e de magistrados, até eventos da sociedade: nascimentos, casamentos e óbitos de cidadãos notáveis. Foi criado por ordem de Júlio César (100 a. C – 44 a. C.). Ele era guardado para fins de pesquisa e também tinha cópias enviadas para partes distantes do Império Romano, de modo que os governadores ficassem a par de novas leis.

E o primeiro jornal português? Nasceu um ano depois de Portugal recuperar a independência, a 1 de dezembro de 1640. A Gazeta da Restauração foi acarinhada por D. João IV e seus apoiantes que viram neste periódico “um excelente instrumento de propaganda” de legitimação do novo poder e uma forma de denegrir os efeitos dos espanhóis.

O primeiro número da “Gazeta em Que Se Relatam as Novas Que houve Nesta e Que vieram de Várias Partes” – que haveria de ficar conhecida como Gazeta da Restauração – foi publicada em novembro de 1641 e posto a circular a 3 de dezembro do mesmo ano. Tinha 12 páginas.

A Gazeta de Lisboa foi o principal periódico de informação política portuguesa entre 1715 e 1820, tendo algumas caraterísticas de um jornal oficial. Funcionou como uma arma de propaganda durante as guerras com Castela após a aclamação de D. João IV. Mas só se começou a publicar em 1715, durante o reinado de D. João V, sendo considerado o primeiro jornal oficial português.

Mas já aqui começou a haver censura. Por ordem do Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, o jornal esteve suspenso de junho de 1762 a agosto de 1778, embora não se sabendo a causa imediata e concreta desta suspensão, todos os estudiosos na matéria invocam o desagrado do ministro com alguns artigos menos favoráveis à sua governação. O facto é que o jornal não voltou a publicar-se durante o reinado de D. José. Dois meses depois de ter sido suspensa, a Gazeta da Restauração, voltou a ser impressa..., mas com novas orientações editoriais e novo cabeçalho. Foi assim que nasceu a “Gazeta Primeira do Mês de Outubro de Novas Fora do Reino”.

No início do reinado de D. Maria I, no dia 4 de agosto de 1778, a “Gazeta de Lisboa” reapareceu, conservando este título até 30 de dezembro de 1820.

Ao longo dos tempos, até aos dias de hoje, muitas alterações houve nos jornais, e no âmbito da atividade jornalística. A modernidade com as novas tecnologias a isso se deveu. O mundo não para de girar.

Surgiram os diários digitais, sendo que o designado Diário Digital – o primeiro jornal online português fechou após 17 anos. Ao fim de quase 18 anos a dar notícias, o jornal Diário Digital encerrou numa sexta-feira, 30 de dezembro de 2016. Foi o primeiro jornal de cobertura nacional totalmente online em Portugal, chegando a ter cerca de 80 pessoas na redação.

Depois todos os jornais em papel tiveram também a sua versão online, surgindo assinaturas para o conjunto das duas versões ou só para cada uma delas.

Entretanto, apareceram os jornais gratuitos, mormente nos grandes meios populacionais. Crê-se que o primeiro jornal diário gratuito do mundo seja o Contra Costa Times, fundado em 1947 na Califórnia, EUA. A história da imprensa de distribuição gratuita que obedece às regras do jornalismo é bastante mais recente. Na Europa, o primeiro foi o sueco Metro, fundado em 1995.

Em Portugal, o Destak, fundado em 2004, foi o primeiro diário gratuito português, tendo sido distribuído em 8 cidades. O seu grande rival foi o Metro. Em setembro de 2007 foi lançado o Global Notícias, extinto em 2010, tal como o Meia Hora. Na vertente económica, surgia o gratuito OJE. Entre outros, que tiveram um prematuro fim, na Covilhã havia surgido o Diário XXI e o mensário Já Agora.

A primeira vez que vi jornais gratuitos, colocados na via pública, foi no ano de 2006, em Praga ou Viena de Áustria, já não me recordo. Por cá, em Lisboa ou no Porto, era usual isso verificar-se. Hoje estão a perder de moda, penso que não têm a aceitação dum jornal a ser adquirido nas bancas, ou por assinatura, onde não são impostas tantas restrições ou seleção de colaboradores, o que leva muita a gente a olhá-los de soslaio.

Para terminar, já que tenho abusado do espaço do jornal, fruto do entusiasmo que à escrita devoto, lembro aos prezados Leitores, interessados nesta curiosidade, algumas das várias alterações de formato dos jornais em papel (na generalidade ainda não havia jornais online), e da configuração dos títulos dos mesmos. Para uns deixou saudades, para outros nem tanto.

Consultados alguns primeiros e últimos números de edições jornalísticas, aqui vão alguns exemplos:

- DIÁRIOS EXTINTOS: - “A Capital” e “O Comércio do Porto” , o último número, de cada um, reporta-se a 30-07-2005, e tinham o formato 40 x 29; “O Independente”, o último número é de 01-09-2006, com o mesmo formato dos anteriores;

- DIÁRIOS QUE ALTERARAM O FORMATO: - “Expresso”, o último de grande formato (57 x 35) foi, em 02-09-2006, substituído o formato para 49 x 29, na edição seguinte: 09-09-2006; “Diário de Notícias”, se em 15-04-1974 e 03-05-1974 mantinham o grande formato (58 x 39), já em 20-02-2006, no seu número 50.000, tinha o formato reduzido para 40 x 38; o “Jornal de Notícias”, em 17-01-1998 o seu formato era 57 x 38, passando em 18-01-1998 para 45 x 28. Nos desportivos, o Jornal “A Bola” sempre contrastou em formato com o seu congénere “Record”. Enquanto que “A Bola” no dia 09-01-1995 possuía as dimensões de 56 x 38, já na edição de 10-02-1995, passou a optar pelo formato 40 x 27. O Jornal “Record” manteve quase sempre a mesma linha de formato, entre 43 x 28 (17-11-1951). O Jornal mais antigo do País – “Aurora do Lima”, na data do aniversário dos seus 150 anos, em 15-12-2005, possuía o formato 43 x 29. Os jornais “O Sol” e o “Público” têm-se mantido no formato entre 40 x 27. A extinta revista “Flama” , muito lida, variava entre os formatos 32 x 23 e 30 x 21.

E por hoje é tudo, Caros Leitores. Não percam os hábitos de boas leituras.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “O Olhanense”, de 01-04-2023)

 

 

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