Mário Zambujal escreveu o livro “Já não se escrevem cartas de amor”. Sim,
não só estas como outras, de outrora.
No tempo do correio, que nos trazia a avidez das notícias, num bom
serviço, paradoxalmente ao que passou a ser prestado pelos CTT dos tempos que
correm (penso que já começou a ser refletido), uma das principais tarefas, para
além das encomendas postais, era a entrega das cartas, mormente nos tempos da
guerra do Ultramar.
Depois veio o 25 de Abril, que, dentro de dez dias, irá comemorar o seu 49ª
aniversário. O maior número de cartas passou então a ser as dos emigrantes. E
também as respeitantes aos pedidos de emprego, com o envio dos currículos.
Havia, e alguns ainda vão existindo, os bilhetes-postais, com destaque
para os postais de “Boas Festas”, que caíram a pique em desuso, de há poucos
anos a esta parte.
A iliteracia também teve cada vez mais os seus dias negros, felizmente, e
as novas tecnologias foram o forte contributo para a alteração do panorama que
existia.
Este baluarte tecnológico é imparável, e em minutos ou segundos faz-se o
que levaria dias, meses ou anos para se conseguir. Neste âmbito, se por um lado
é um grande avanço da ciência, por outro a nova revolução através do algoritmo
baseado na inteligência artificial – Chat GPT – conduz a que se criem situações
deveras complicadas em termos da autenticidade do que se escreve, se não será
fruto desse copianço/plágio com base num clique, ou do estado baseado em
estudos e pesquisas sérias, em que se perde muito tempo.
Mas, tendo por base o título desta crónica, reportada aos tempos em que
muitos comiam o pão que o diabo amassou, alguns jovens, e não só, que não
pretendiam emigrar, muito menos “ir de assalto”, escreviam em desespero,
pedindo emprego numa instituição pública, dirigindo essas missivas diretamente
ao presidente do Conselho, António Oliveira Salazar; aos presidentes da
República da ditadura, dita Estado Novo: general Francisco Craveiro Lopes e almirante Américo
Thomaz; e algumas até dirigidas às primeiras-damas, como D. Berta Craveiro
Lopes, ou D. Gertrudes Thomaz. Os respetivos ministérios encaminhavam-nas para os
Governos Civis e estes para as Câmaras Municipais. Alguns lá se conseguiam
encaixar nas Repartições de Finanças. Pedidos dirigidos a Marcello Caetano ou à
esposa, D. Teresa Elisa Teixeira de Barros, que viria a falecer em 1971, não se
deu conta.
Havia a preocupação do respeitinho no teor das mesmas, e, então, às vezes
bastava uma letra para mudar tudo. Ou nem sequer uma letra. Penhorado, num
certo sentido da palavra quer dizer grato. “Agradeço penhoradamente a atenção
de vossa excelência”, escrevia-se no remate das cartas de antanho. Estas
penhoras foram passando de moda. Agora, as mais usuais, são as que o fisco determina para encher o cofre dos impostos.
Era muito em voga nos anos de aperto, as casas
de penhores e o seu negócio de agiotagem. Penso que já terão perdido de moda,
não tenho a certeza. Mas os mais aflitos iam diretos aos anúncios de “ouro,
prata ou joias” e entregavam em definitivo o que lhes restava dos ancestrais.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de 15-04-2023)
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