20 de setembro de 2023

DA PULHICE DO “HOMO SAPIENS” À REVIRAVOLTA PARA A DEMOCRACIA

 


Na procura de um livro numa das prateleiras da minha biblioteca, veio-me à mão, amarelecido devido ao seu envelhecimento de nove décadas, o livro Da pulhice do “Homo Sapiens”, de Humberto Delgado, o qual, entre parêntesis ainda adiciona, na capa (Da Monarquia de vigaristas pela República de bandidos – à Ditadura de papa). Publicado em 1933, foi o primeiro livro de Humberto Delgado e perfaz precisamente 90 anos neste ano de 2023.

Não é tanto pela antiguidade da obra em si, pois possuo outro ainda mais antigo, com 144 anos (Manual Encyclopedico para uso das Escolas de Instrucção Primária), editado em 1879, mas pelo simples facto da figura histórica que o mesmo envolve.

Na data da publicação do primeiro livro de Humberto Delgado, tinha ele 27 anos e Salazar já estava no governo de Portugal desde 1926 (duas semanas), e, depois (em diante), desde 1928 até 1968/70... Começou a escrevê-lo em 1931, inspirado a partir da leitura dos feitos de Mouzinho de Albuquerque em Moçambique e em particular na chamada “pacificação” dos vátuas e do seu imperador, Gungunhana.

Segundo alguns analistas, é um importante documento de história política, em que o autor, socorrendo-se de uma linguagem cáustica e interpretando o estado da sociedade e da política portuguesa de novecentos, traça um quadro em que ressaltam as grandes dificuldades de Portugal nos anos que antecederam o final da Monarquia, e criticando, de igual forma, os homens da República e a sua atuação após o 5 de outubro.

Exprime ainda o seu descontentamento acerca de certas práticas da Ditadura que se instala após o golpe de 1926, porém, a sua visão geral desta é favorável. Não se inibe de contradizer de forma colérica e aviltante os detratores ideológicos de Salazar e do Estado Novo, personalidade que descreve como “Grande Homem”.

Participou no movimento militar de 28 de maio de 1926, que derrubou a República Parlamentar e implantou a Ditadura Militar que, poucos anos mais tarde, em 1933, iria dar lugar ao Estado Novo liderado por Salazar. Durante muitos anos apoiou as posições oficiais do regime salazarista, particularmente o seu anticomunismo.

Senhor de um caráter dinâmico, extrovertido e agressivo, Humberto Delgado destacou-se pela sua oposição à democracia parlamentar nos primeiros anos do regime, escrevendo o livro polémico a que fazemos referência. Já vimos que também nele manifesta simpatia por Salazar e a sua obra, e em 1941 Humberto Delgado chega publicamente a assumir simpatia por Hitler. No entanto, com o decorrer da II Guerra Mundial, as suas simpatias passaram para os Aliados.

Surge, entretanto, a sua oposição ao regime. Os cinco anos que viveu nos Estados Unidos modificam a sua forma de encarar a política portuguesa. Convidado por opositores ao regime de Salazar para se candidatar à Presidência da República, em 1958 contra o candidato do regime, Américo Tomás, aceita, reunindo em torno de si toda a oposição ao Estado Novo.

Numa conferência de imprensa da campanha eleitoral, realizada em 10 de maio de 1958 no café Chave de Ouro, no Rossio em Lisboa, quando lhe foi perguntado por um jornalista que postura tomaria em relação ao Presidente do Conselho Oliveira Salazar, respondeu com a frase “Obviamente, demito-o!”.

Esta frase incendiou os espíritos das pessoas oprimidas pelo regime salazarista que o apoiaram e o aclamaram durante a campanha com particular destaque para a entusiástica receção popular na Praça Carlos Alberto, no Porto, em 14 de maio de 1958. Passou então a ser cognominado “General sem Medo”. Viria a ser assassinado pela PIDE, juntamente com a sua companheira, em 13 de fevereiro de 1965, em Badajoz, Espanha.

Tudo o mais que se possa acrescentar já é do conhecimento generalizado dos Portugueses.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 20-09-2023)

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