Não é tanto pela antiguidade da obra em si, pois possuo outro ainda mais
antigo, com 144 anos (Manual
Encyclopedico para uso das Escolas de Instrucção Primária), editado em
1879, mas pelo simples facto da figura histórica que o mesmo envolve.
Na data da publicação do primeiro livro de Humberto Delgado, tinha ele 27
anos e Salazar já estava no governo de Portugal desde 1926 (duas semanas), e,
depois (em diante), desde 1928 até 1968/70... Começou a escrevê-lo em 1931,
inspirado a partir da leitura dos feitos de Mouzinho de Albuquerque em
Moçambique e em particular na chamada “pacificação” dos vátuas e do seu
imperador, Gungunhana.
Segundo alguns analistas, é um importante documento de história política,
em que o autor, socorrendo-se de uma linguagem cáustica e interpretando o
estado da sociedade e da política portuguesa de novecentos, traça um quadro em
que ressaltam as grandes dificuldades de Portugal nos anos que antecederam o
final da Monarquia, e criticando, de igual forma, os homens da República e a
sua atuação após o 5 de outubro.
Exprime ainda o seu descontentamento acerca de certas práticas da
Ditadura que se instala após o golpe de 1926, porém, a sua visão geral desta é
favorável. Não se inibe de contradizer de forma colérica e aviltante os
detratores ideológicos de Salazar e do Estado Novo, personalidade que descreve
como “Grande Homem”.
Participou no movimento militar de 28 de maio de 1926, que derrubou a
República Parlamentar e implantou a Ditadura Militar que, poucos anos mais
tarde, em 1933, iria dar lugar ao Estado Novo liderado por Salazar. Durante
muitos anos apoiou as posições oficiais do regime salazarista, particularmente
o seu anticomunismo.
Senhor de um caráter dinâmico, extrovertido e agressivo, Humberto Delgado
destacou-se pela sua oposição à democracia parlamentar nos primeiros anos do
regime, escrevendo o livro polémico a que fazemos referência. Já vimos que
também nele manifesta simpatia por Salazar e a sua obra, e em 1941 Humberto
Delgado chega publicamente a assumir simpatia por Hitler. No entanto, com o
decorrer da II Guerra Mundial, as suas simpatias passaram para os Aliados.
Surge, entretanto, a sua oposição ao regime. Os cinco anos que viveu nos
Estados Unidos modificam a sua forma de encarar a política portuguesa.
Convidado por opositores ao regime de Salazar para se candidatar à Presidência
da República, em 1958 contra o candidato do regime, Américo Tomás, aceita,
reunindo em torno de si toda a oposição ao Estado Novo.
Numa conferência de imprensa da campanha eleitoral, realizada em 10 de
maio de 1958 no café Chave de Ouro, no Rossio em Lisboa, quando lhe foi
perguntado por um jornalista que postura tomaria em relação ao Presidente do
Conselho Oliveira Salazar, respondeu com a frase “Obviamente, demito-o!”.
Esta frase incendiou os espíritos das pessoas oprimidas pelo regime
salazarista que o apoiaram e o aclamaram durante a campanha com particular
destaque para a entusiástica receção popular na Praça Carlos Alberto, no Porto,
em 14 de maio de 1958. Passou então a ser cognominado “General sem Medo”. Viria
a ser assassinado pela PIDE, juntamente com a sua companheira, em 13 de
fevereiro de 1965, em Badajoz, Espanha.
Tudo o mais que se possa acrescentar já é do conhecimento generalizado
dos Portugueses.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal Fórum
Covilhã”, de 20-09-2023)
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