Regressado de umas breves férias,
não encontrava assunto para uma crónica, em tempo já reduzido para a sua
publicação. Até que, um email do meu Amigo Fernando Pedrosa Gonçalves, do
Porto, que colaborou nalguns dos meus livros, me envia memórias do velho Porto,
do início do século XX.
Vai daí, eu que nasci em meados
do século passado, me deu para reportar algo do que se passou no ano de 1946.
Durante todo este tempo até aos dias de hoje, já lidei com neuróticos,
stressados, depressivos, hipocondríacos, bipolares, dementes, delirantes,
amnésicos, fóbicos, obsessivos, compulsivos, insones, bulímicos, anoréxicos,
hiperativos, e sujeitos a tiques.
Mas vamos lá, é ao ano da graça
de 1946 que eu me quero referir.
Era Presidente da República, o
marechal António Óscar de Fragoso Carmona, num Portugal com uma população de
8 178 360 almas, em que nasceram 107 128 pessoas do sexo
masculino e 98 697 do sexo feminino, sendo que os falecimentos corresponderam,
respetivamente, a 62 050 e 58 750. Os casamentos registaram
62 460 contra 1 181 divórcios.
Neste ano vieram a ver a luz do
dia pela primeira vez, Xanana Gusmão, de Timor-Leste; George W. Bush,
presidente dos EUA; Emerson Fittipaldi, piloto de automóveis brasileiro; ou
Steven Spielberg, realizador e empresário norte-americano, entre outros. Quanto
aos que partiram além-túmulo, destaco neste ano Abel Salazar, pintor e ensaísta,
cujo funeral deste prestigiado intelectual oposicionista, professor
universitário, resultou numa manifestação de protesto contra o Estado Novo.
Mas entre nascidos e os que
passaram para o outro lado da vida, não deixou de se registarem tragédias
mundiais neste ano: um intenso tornado atinge Windsor, destruindo mais de 400
habitações e causando a morte a 9 pessoas; tsunami de 14 metros atinge Hawai –
173 mortos e milhares de feridos; a época do Furacão do Atlântico durou seis
meses, com 6 tempestades, causando 5 vítimas.
Os líderes internacionais eram
então: França: Charles de Gaulle/Félix Goulin/Georges Bidault/Léon Blum.
Itália: Alcide De Gasperi. Reino Unido:
Clement Attlee. EUA: Franklin Roosevelt/Harry S. Truman. Vaticano: Papa
Pio XII. Alemanha: Administrada pelas Forças Aliadas. Espanha: Francisco
Franco.
Tendo como pretexto as
comemorações de mais um aniversário da primeira tentativa revolucionária da
instauração em Portugal de um regime republicano, Lisboa e Porto foram
novamente palco de manifestações onde se exigiu o fim da ditadura e a
instauração em Portugal de um regime democrático.
Várias iniciativas públicas, da
responsabilidade do Governo e da União Nacional, marcam o 18.º aniversário da
primeira nomeação de Oliveira Salazar para o cargo de Ministro das Finanças de
um executivo de Ditadura Militar.
Ocorreram em diversos centros
industriais, piscatórios e mineiros do país, greves e manifestações de protesto
contra o continuado agravamento do custo de vida e em defesa de melhores
salários.
O governo de Oliveira Salazar
apresentou o pedido de adesão de Portugal à ONU. Esta solicitação foi, no
entanto, vetada pela URSS com o argumento de que o Estado Novo continuava a ser
um regime fascista, diretamente responsável pela vitória dos “nacionalistas” em
Espanha, colaborante e parceiro comercial da Itália de Mussolini, da Alemanha
de Hitler e da França de Pétan antes e durante a II Guerra Mundial.
Exigindo a melhoria das condições
de vida e a instauração de um regime democrático, os operários têxteis da zona
da Covilhã realizaram um movimento grevista de grande amplitude.
Transportados no navio Guiné, chegaram
a Lisboa e foram libertados 110 dos presos políticos, até então detidos no
Campo de Concentração do Tarrafal.
Falhou na Mealhada uma tentativa
de golpe militar que, partindo do Porto (do Regimento de Cavalaria 6, sob o
comando do capitão Fernando Queiroga) visava derrubar a ditadura.
Morre aos 58 anos, John Logie
Baird, um dos inventores da televisão. Em 1946 havia 6000 aparelhos de
televisão nos Estados Unidos. Cinco anos mais tarde havia 12 milhões.
Num discurso pronunciado em
Fulton (nos EUA), Winston Churchil (dirigente do Partido Conservador e
primeiro-ministro da Grã-Bretanha durante a II Guerra Mundial) criticou
violentamente a União Soviética, referindo-se à “cortina de ferro” que
dividiria a Europa em “povos livres” (a ocidente) e “povos dominados” (a
leste). Tornava-se, assim, público o divórcio entre os antigos aliados e o
início da Guerra Fria.
O Reino Unido prepara um plano
para separar a Palestina em dois Estados independentes, um judeu e outro árabe.
O governo trabalhista de Londres
anunciou a sua intenção de reconhecer o direito da Índia à independência. No
entanto não chegaram a acordo quanto às modalidades concretas da estruturação
do(s) novo (s) Estado(s).
A primeira Assembleia Geral das
Nações Unidas, incluindo 51 países, realiza-se no Westminster Central Hall, em
Londres.
Termina o julgamento por crimes
de guerra celebrado em Nuremberga, Alemanha. Dos 21 dirigentes nazis sob
julgamento, 11 foram condenados à morte e os restantes sentenciados a extensas
penas.
O texto já vai longo pelo que não
vou poder falar de cultura neste período. Faço uma exceção em novidades
literárias com a publicação do romance de Natália Correia – Anoiteceu no
Bairro.
Na moda ao terminar a guerra é
instituído, na Inglaterra, o programa de roupa “pró-desmobilização”. As roupas
eram produzidas em massa de acordo com as normas de utilidade – eram
resistentes mas pouco estilizadas. Surge o espartilho curto de Rochas. Em Paris
é sensação o novo fato de banho de duas peças – o bikini. O primeiro modelo foi
desenhado pelo estilista Louis Réard, em 1946, mas foi somente nos anos 60 que
a peça se tornou popular. O nome desta invenção, ousada para a altura, deriva de
uma ilha do Pacífico – Bikini – que foi usada para testes com bombas nucleares.
A intenção era, assim, sugerir que esta reduzida peça de roupa tivesse um
efeito bombástico na sociedade. E teve. A sociedade tentou resistir, até que
ousadas atrizes de cinema começaram a fazer uso do biquíni. Brigitte Bardot foi
a primeira a fazê-lo no filme E Deus Criou a Mulher. Com o tempo, a peça
popularizou-se e foi ficando cada vez mais ousada, até que nos anos 80 uma
modelo brasileira lançou o “fio dental”.
João de Jesus Nunes
jjnunes6200@gmail.com
(In “O Olhanense”, de 15-09-2023)
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