Vem a propósito, recordei o
meu artigo “E Tudo Isto é Fado” publicado no Notícias da Covilhã, de
07-12-2011, e no Jornal do Fundão, de 15-12-2011, noutros contextos.
Nascido nos meios populares, o
fado sempre soube cantar a crítica social – e aos regimes. Na noite em que a
censura prévia riscava as letras que eram hostis ao Estado Novo, esse quase
silêncio conduziu-o a uma forte hostilidade nos dois anos imediatos ao 25 de
abril. Mas esse “triste fado” soube afastar-se e ser entendido como expressão
artística que é, também associado à liberdade.
O fado é a canção melancólica
de um povo que também celebra alegria. Na narrativa do quotidiano nas suas
várias facetas, o fado não é uma canção triste. Tem melancolia e saudade mas
também alegria e festa, e até um lado solar. Gerado nas tascas e bairros pobres
de Lisboa oitocentista, foi no início a expressão de uma minoria urbana restrita,
mas recebeu influências dos que foram chegando de todo o País. Há na história
do fado, como na história de Portugal, uma presença constante: o mar.
Segundo fonte do Diário de
Notícias, aqui reporto, cronologicamente, os primeiros e principais personagens
que lhe terão estado na sua génese, e lhe deram forma e significado.
1820 – 1846 – Maria Severa –
Fadista. Há quem considere Maria Severa uma
das figuras fundadoras do fado. Nasceu no bairro da Mouraria, em Lisboa.
Existem poucos dados sobre a sua vida que estejam devidamente comprovados, mas
acredita-se que Severa cantava nos circuitos da prostituição no Bairro Alto e
na Mouraria. Morreu bastante jovem, com apenas 26 anos de idade.
1883 – 1925 – Júlia
Florista – Fadista. Foi uma das fadistas lendárias da cidade de Lisboa nos
primeiros anos do século XX. Ficou conhecida como florista porque desde muito
nova vendia flores para seu sustento. Era considerada uma fadista sentimental.
1891 – 1946 – Armandinho – Guitarrista.
De seu nome, Armando Augusto Freire, foi uma figura fundamental na transição do
fado de caráter marginal e popular do século XIX para o rosto mais
contemporâneo do género no séc. XX. Alargou o vocabulário musical do fado,
enquanto contrariou o protagonismo então dominante do “cantador” face à figura
do guitarrista.
1888 – 1982 – Alfredo
Marceneiro – Fadista. Nome incontornável na história do fado. Começou a
cantar esta música ainda na adolescência, num baile popular. Profissionalizou-se
no início dos anos 40.
1889 – 1973 – Edmundo Bettencourt
– Poeta e Cantor. Referência incontornável na canção de Coimbra.
1895 – 1969 – António
Menano – Fadista. Símbolo histórico do fado de Coimbra, foi também um
cantor imensamente popular abaixo do Mondego, no fado e na canção ligeira.
1902 – 1985 – Ercília Costa
– Fadista. Estreou-se a cantar o fado em 1927, no Teatro da Trindade.
1907 – 1993 – Hermínia
Silva – Fadista. Ficou para a história como um dos grandes símbolos do fado
“castiço”. A Casa da Mariquinhas foi o seu maior sucesso.
1907 – 1969 – Carlos Ramos
– Fadista. Estreou-se em 1944 com um tema de Marceneiro, Senhora do
Monte. Acompanhava-se a si próprio à guitarra.
1911 – 1997 – Berta Cardoso – Fadista. Fez carreira a cantar o
fado no teatro de revista, mas também em casas de fado. Teve também um papel na
internacionalização desta música.
1918 – 1993 – Maria Teresa
de Noronha – Fadista. Figura que se afirmou como o paradigma do fado
aristocrata.
1919 – 2008 – Fernanda
Baptista – Fadista. Construiu a sua carreira cantando o fado no teatro de
revista.
1919 – 1998 – Lucília do
Carmo – Fadista. Veio a tornar-se uma das vozes emblemáticas do fado
corrido. Era mãe de Carlos do Carmo.
1920 – 1999 – Amália Rodrigues – Fadista. É ainda nos dias de hoje considerado o
maior nome do fado, tendo sido a grande responsável pela sua
internacionalização. Foi também Amália Rodrigues a primeira fadista a cantar
poemas de nomes como David Mourão Ferreira, Ary dos Santos e até de Luís de
Camões. Também teve uma carreira no cinema como atriz. Encontra-se sepultada no
Panteão Nacional.
1920 – 2000 – Alberto
Ribeiro – Fadista. Ator de cinema, tenor e fadista. Atuou ao lado de Amália
Rodrigues no clássico filme Capas Negras.
1920 – 2021 – Joel Pina – Violista/Guitarrista.
Um dos fundadores do Conjunto Raul Nery (com Nery, Fontes Rocha e Júlio Gomes),
que acompanhou Amália Rodrigues. Joel Pina, natural do Rosmaninhal,
Idanha-a-Nova, acompanhou a fadista durante mais de 30 anos. Começou aos 8 anos
a tocar bandolim e distinguiu-se no violão baixo.
1921 – 2012 – Raul Nery – Guitarrista.
Um dos maiores nomes da guitarra portuguesa no fado, formou em 1959 o Conjunto
de Guitarras Raul Nery, quarteto de elite que acompanhou Amália Rodrigues
durante os seus anos dourados. Fora do conjunto, tocou também com Hermínia
Silva e Maria Teresa de Noronha, numa carreira que contou mais de seis décadas.
Era pai do musicólogo e historiador do fado Rui Vieira Nery.
1922 – 1995 – Manuel de Almeida
– Guitarrista. Figura de renome nos retiros e casas de fado lisboetas.
1923 – 2018 – Celeste
Rodrigues – Fadista. Fadista tradicional e irmã de Amália Rodrigues.
1924 – 2015 – Deolinda
Rodrigues – Fadista. Estreou-se no teatro de revista em 1947, ao lado de
Hermínia Silva.
1925 – 2004 – Carlos
Paredes – Guitarrista.
1926 – 2019 – Argentina
Santos – Fadista.
1926 – 2011 – José Fontes Rocha – Guitarrista.
1928 – 1999 – António Brojo
– Guitarrista.
1928 – 2016 – Vicente da
Câmara – Fadista.
1928 – 1988 – Fernando
Farinha – Fadista.
1933 – 2003 – Fernando
Maurício – Fadista.
1933 – 2012 – Luiz Goes – Fadista.
Expoente do fado de Coimbra.
1934 – 2015 – Fernando
Alvim – Violista
1934 – Frei Hermano da Câmara – Fadista. É um cantor e monge
beneditino português. Defende o apostolado através da música para edificar a
civilização do amor e promover a cultura da paz.
Muitos mais poderíamos nomear, como Carlos do Carmo, já falecido, João
Braga e Nuno da Câmara Pereira, mas a lista já vai longa, pelo que ficamos por
aqui.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”,
de 15-10-2024)