17 de outubro de 2024

O FADO

 
Domingo, 6 de outubro. Neste dia, a RTP 1 transmitiu em direto uma sessão especial do programa Em Casa D’Amália, marcando os 25 anos da morte da diva do fado. Não houve propriamente homenagens ou celebrações oficiais neste dia, ao contrário do que se passou no centenário do seu nascimento.

Vem a propósito, recordei o meu artigo “E Tudo Isto é Fado” publicado no Notícias da Covilhã, de 07-12-2011, e no Jornal do Fundão, de 15-12-2011, noutros contextos.

Nascido nos meios populares, o fado sempre soube cantar a crítica social – e aos regimes. Na noite em que a censura prévia riscava as letras que eram hostis ao Estado Novo, esse quase silêncio conduziu-o a uma forte hostilidade nos dois anos imediatos ao 25 de abril. Mas esse “triste fado” soube afastar-se e ser entendido como expressão artística que é, também associado à liberdade.

O fado é a canção melancólica de um povo que também celebra alegria. Na narrativa do quotidiano nas suas várias facetas, o fado não é uma canção triste. Tem melancolia e saudade mas também alegria e festa, e até um lado solar. Gerado nas tascas e bairros pobres de Lisboa oitocentista, foi no início a expressão de uma minoria urbana restrita, mas recebeu influências dos que foram chegando de todo o País. Há na história do fado, como na história de Portugal, uma presença constante: o mar.

Segundo fonte do Diário de Notícias, aqui reporto, cronologicamente, os primeiros e principais personagens que lhe terão estado na sua génese, e lhe deram forma e significado.  

1820 – 1846 – Maria Severa – Fadista.  Há quem considere Maria Severa uma das figuras fundadoras do fado. Nasceu no bairro da Mouraria, em Lisboa. Existem poucos dados sobre a sua vida que estejam devidamente comprovados, mas acredita-se que Severa cantava nos circuitos da prostituição no Bairro Alto e na Mouraria. Morreu bastante jovem, com apenas 26 anos de idade.

1883 – 1925 – Júlia Florista – Fadista. Foi uma das fadistas lendárias da cidade de Lisboa nos primeiros anos do século XX. Ficou conhecida como florista porque desde muito nova vendia flores para seu sustento. Era considerada uma fadista sentimental.

1891 – 1946 – Armandinho – Guitarrista. De seu nome, Armando Augusto Freire, foi uma figura fundamental na transição do fado de caráter marginal e popular do século XIX para o rosto mais contemporâneo do género no séc. XX. Alargou o vocabulário musical do fado, enquanto contrariou o protagonismo então dominante do “cantador” face à figura do guitarrista.

1888 – 1982 – Alfredo Marceneiro – Fadista. Nome incontornável na história do fado. Começou a cantar esta música ainda na adolescência, num baile popular. Profissionalizou-se no início dos anos 40.

1889 – 1973 – Edmundo Bettencourt – Poeta e Cantor. Referência incontornável na canção de Coimbra.

1895 – 1969 – António Menano – Fadista. Símbolo histórico do fado de Coimbra, foi também um cantor imensamente popular abaixo do Mondego, no fado e na canção ligeira.

1902 – 1985 – Ercília Costa – Fadista. Estreou-se a cantar o fado em 1927, no Teatro da Trindade.

1907 – 1993 – Hermínia Silva – Fadista. Ficou para a história como um dos grandes símbolos do fado “castiço”. A Casa da Mariquinhas foi o seu maior sucesso.

1907 – 1969 – Carlos Ramos – Fadista. Estreou-se em 1944 com um tema de Marceneiro, Senhora do Monte. Acompanhava-se a si próprio à guitarra.

1911 – 1997 – Berta Cardoso – Fadista. Fez carreira a cantar o fado no teatro de revista, mas também em casas de fado. Teve também um papel na internacionalização desta música.

1918 – 1993 – Maria Teresa de Noronha – Fadista. Figura que se afirmou como o paradigma do fado aristocrata.

1919 – 2008 – Fernanda Baptista – Fadista. Construiu a sua carreira cantando o fado no teatro de revista.

1919 – 1998 – Lucília do Carmo – Fadista. Veio a tornar-se uma das vozes emblemáticas do fado corrido. Era mãe de Carlos do Carmo.

1920 – 1999 – Amália Rodrigues – Fadista. É ainda nos dias de hoje considerado o maior nome do fado, tendo sido a grande responsável pela sua internacionalização. Foi também Amália Rodrigues a primeira fadista a cantar poemas de nomes como David Mourão Ferreira, Ary dos Santos e até de Luís de Camões. Também teve uma carreira no cinema como atriz. Encontra-se sepultada no Panteão Nacional.

1920 – 2000 – Alberto Ribeiro – Fadista. Ator de cinema, tenor e fadista. Atuou ao lado de Amália Rodrigues no clássico filme Capas Negras.

1920 – 2021 – Joel Pina – Violista/Guitarrista. Um dos fundadores do Conjunto Raul Nery (com Nery, Fontes Rocha e Júlio Gomes), que acompanhou Amália Rodrigues. Joel Pina, natural do Rosmaninhal, Idanha-a-Nova, acompanhou a fadista durante mais de 30 anos. Começou aos 8 anos a tocar bandolim e distinguiu-se no violão baixo.

1921 – 2012 – Raul Nery – Guitarrista. Um dos maiores nomes da guitarra portuguesa no fado, formou em 1959 o Conjunto de Guitarras Raul Nery, quarteto de elite que acompanhou Amália Rodrigues durante os seus anos dourados. Fora do conjunto, tocou também com Hermínia Silva e Maria Teresa de Noronha, numa carreira que contou mais de seis décadas. Era pai do musicólogo e historiador do fado Rui Vieira Nery.

1922 – 1995 – Manuel de Almeida – Guitarrista. Figura de renome nos retiros e casas de fado lisboetas.

1923 – 2018 – Celeste Rodrigues – Fadista. Fadista tradicional e irmã de Amália Rodrigues.

1924 – 2015 – Deolinda Rodrigues – Fadista. Estreou-se no teatro de revista em 1947, ao lado de Hermínia Silva.

1925 – 2004 – Carlos Paredes – Guitarrista.

1926 – 2019 – Argentina Santos – Fadista.

1926 – 2011 – José Fontes Rocha – Guitarrista.

1928 – 1999 – António Brojo – Guitarrista.

1928 – 2016 – Vicente da Câmara – Fadista.

1928 – 1988 – Fernando Farinha – Fadista.

1933 – 2003 – Fernando Maurício – Fadista.

1933 – 2012 – Luiz Goes – Fadista. Expoente do fado de Coimbra.

1934 – 2015 – Fernando Alvim – Violista

1934 – Frei Hermano da Câmara – Fadista. É um cantor e monge beneditino português. Defende o apostolado através da música para edificar a civilização do amor e promover a cultura da paz.

Muitos mais poderíamos nomear, como Carlos do Carmo, já falecido, João Braga e Nuno da Câmara Pereira, mas a lista já vai longa, pelo que ficamos por aqui.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-10-2024)



9 de outubro de 2024

TEMPOS DE OUTROS TEMPOS

 

Iniciei esta crónica na manhã do último dia de setembro, ainda sem saber como lhe inserir um conteúdo que não fosse pessimista face aos tempos que correm, mas antes encontrar uma dose de otimismo mais adequada no caminho daquele lenitivo que necessitamos para os acontecimentos que nos chegam todos os dias.

Sobre a minha secretária, n’ “O Mensageiro”, de outubro 2024, na rubrica Sessão com Arte, Isabel Maria Mónica em “Tecer de Verão o Tempo”, escreve “quando damos por nós já estamos em modo de repetição desenfreada mal pensando nas nossas ações e decisões diárias. Face a este ritmo acelerado, importa recordar o verão com o coração agradecido e disponível”.

“O Papa Francisco foi o primeiro a dizer-nos que vivemos uma terceira guerra mundial aos pedaços” – escreve a jornalista Rosário Salgueiro. O mês de agosto alertou-nos que a crise atual ‘parece permanentemente imparável’. Estamos todos cansados desta tensão, destes conflitos que, mais ou menos longínquos, nos atingem a todos. Há nestes dias negros de guerras, um claro “fracasso da política e da humanidade”.

Este verão começou lindo e tranquilo, terminou violentamente, transformado em luto e trauma para várias famílias.

Olhando para a paisagem do mês de outubro, é este marcado pela mudança da cor das folhas, que começam lentamente a cair com a chegada do outono. Vai haver mudança de hora, marcando a diminuição das horas de sol. Como a vida é feita de ciclos, alguns são de declínio, de debilidade e de fim.

Das memórias que vou trazendo para os prezados Leitores, quer sejam da região serrana, com destaque a Covilhã, quer de formulada opinião, podem ser lidas nos jornais ou online.

Folheando ocasionalmente uma das minhas compilações, vieram-me à mão, do ano 1943, notícias de alguns acontecimentos marcantes na vida da cidade laneira.

No dia 1 de maio de 1943, o Notícias da Covilhã publicava no seu semanário, destacando o título “IGREJA DE SANTA MARIA”: “Estão já em curso as obras de reparação de que carecia a sua Igreja Paroquial”, que “bem se pode chamar a Igreja Matriz da Covilhã”. No entanto, no mesmo semanário de 18-07-1943, a primeira página dava conta em grandes parangonas –“Horrível Tragédia – A Covilhã Inteira de Luto –, que, no passado dia 13, no preciso momento em que se concluía a Missa em honra de Nª Sª de Fátima, desabou uma parte do teto da Igreja de Santa Maria, sepultando nos escombros uma parte dos fiéis que assistindo ao piedoso ato, uma imprevidência incompreensível e inexplicável do empreiteiro que tem a seu cargo as obras em curso na dita Igreja, provocou grande desgraça que já custou a vida a sete mulheres, havendo muitas dezenas de feridos mais ou menos graves. O pânico dos feridos e o pânico muito maior das famílias que tinham membros na Igreja era indiscritível na natural ansiedade em os procurar”.

No dia 17 de janeiro de 1943, o Notícias da Covilhã dava notícia, na primeira página, que “O Exm.º Sr. Engenheiro Duarte Pacheco é cidadão da Covilhã. O Sr. Ministro das Obras Públicas aprovou o projeto da Praça do Município, e para a sua realização concedeu a verba de 812 contos”. Entretanto, este ministro veio a falecer de acidente de viação, em Setúbal, em 16 de novembro do mesmo ano. Em 28-11-1943, a Câmara Municipal da Covilhã dignou-se promover os sufrágios que se realizaram na Igreja da Misericórdia, no 7º. Dia do passamento do desventurado ministro. O malogrado estadista louletano tratava a Covilhã com carinho e devoção inexcedíveis, de que são expoentes as obras em curso, da Praça do Município, os Bairros Económicos, a nova Cadeia e, no zénite de todas elas a Praça Fechada (designa-se atualmente Mercado Municipal, tendo sido inaugurado no dia 08-12-1943). Este Praça Fechada foi a primeira do País que o ilustre finado não teve tempo de inaugurar.

Neste ano de 1943 (*) deu-se também um grande incêndio no Tribunal Judicial, onde atualmente se situa a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, mais conhecida por Igreja de S. Tiago, o qual foi devorado pelo fogo a 27 de novembro de 1942 (**). Recuperado pelos Jesuítas em 1947, o novo edifício reabriu ao culto a 10 de fevereiro de 1952.

Ainda o Notícias da Covilhã de 04 de janeiro de 1943 dava a notícia do novo Pároco de S. Pedro: “Sem receio de contradita, podemos dizer, afoitamente, e até alegremente, que foi um acontecimento citadino a posse do novo pároco de S. Pedro, Sr. Padre José Domingues Carreto, aparentado como ilustre Reitor dos nossos seminários, Monsenhor Santos Carreto, cujas virtudes herdou. A cerimónia estava marcada para as 11,30 vendo-se a essa hora repleta de fiéis a pequena capela de S. João de Malta, servindo atualmente de Paroquial”. Substituiu o Arcipreste, Padre Gregório Lopes Arroz.

Por último, e porque falei da Igreja de S. Tiago, recordo que no dia de Todos os Santos, um domingo de 1 de novembro de 1953, faleceu, quando celebrava a Santa Missa, no momento da homilia, o Padre Jesuíta José Moreira da Cunha, com 67 anos.

Também muitos ainda se devem recordar do Irmão Tobias Gaspar (Jesuíta), falecido em 14-01-1996, com 85 anos. Esteve na Companhia de Jesus 66 anos, e a maior parte deles vividos na Covilhã (S. Tiago), durante quase 49 anos.

(*) Reportado no livro “Vida e Obra dos Bombeiros Voluntários da Covilhã”, pág. 321, cujo ano do incêndio não coincide com o referido no livro “História Urbana em Postais e Fotografias da Freguesia de São Pedro da Covilhã (1890-2000)” (**), pág. 61, pelo que carece de mais informação, para o cabal esclarecimento.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 09-10-2024)

4 de outubro de 2024

OLIVENÇA E A “REAL POLITIK”


 


Vem este texto a propósito das enérgicas palavras que disparou o Ministro da Defesa, Nuno Melo, no dia 13 de setembro, aquando da sua participação na cerimónia comemorativa do Dia do Regimento de Cavalaria nº. 3 (RC3), em Extremoz, onde passou parte do serviço militar. O seu pecado foi ter tido a coragem de lembrar que Olivença é portuguesa, “de jure” e não “de facto”, desde o tratado de Alcanizes em 1297. Só que Espanha, na sua chico- espertice anexou Olivença mantendo-a integrada na província de Badajoz. No entanto, deve ser devolvida a Portugal, conforme tratado do Congresso de Viena de 1815, e que em 1817 a Espanha reconheceu a soberania portuguesa. Por isso mesmo, aquela unidade militar portuguesa é também conhecida por Dragões de Olivença.

Não é que eu tenha qualquer simpatia por Nuno Melo, penso, contudo, que poderia ter tido um pouco mais de moderação nas suas palavras. Mas também discordo em parte das de Pedro Nuno Santos, líder do PS, bem como das de Sérgio Sousa Pinto, comentador político do mesmo partido, vindo logo a assustar com possíveis represálias de Espanha. Foram na onda do alcaide de Olivença Manuel José González Andrade, tendo dito que os discursos que procuram “separar através das fronteiras, no século XXI, foram mais que esquecidos e pertencem a séculos passados”.

Enfim, conforme refere o Público, de 13-09-2024, “apesar da diplomacia portuguesa continuar, sem reconhecer a soberania espanhola sobre Olivença, o tema chega a ser ‘não-assunto’ entre os dois Estados, não perturbando as relações”. O que é certo é que Olivença celebra o Dia de Portugal e a população continua a procurar preservar o legado português, desde a língua à nacionalidade.

Para Carlos Luna, historiador e membro do Grupo dos Amigos de Olivença, as declarações de Nuno Melo não fazem mais do que chamar à atenção para uma posição que Portugal tem mantido há dois séculos e que continua por resolver.  “Creio que o Estado português poderia pressionar Madrid, pelo menos no sentido de autorizar que os oliventinos conhecessem a sua própria história logo na escola”. Este ativista da causa de Olivença considera que a ação espanhola na localidade “só pode ser considerada como colonizadora”.

Olivença tinha 11 871 habitantes em 2021. Esta cidade dista 23 Km de Elvas, 24 Km de Badajoz, 236 Km de Lisboa e 424 Km de Madrid. Pertenceu a Portugal desde a sua fundação, no século XIII após a reconquista cristã, e foi integrada no território português pelo Tratado de Alcanizes, em 1297, conforme inicialmente referido, durante o reinado de D. Dinis. Em 1801, durante a chamada Guerra das Laranjas, Olivença foi ocupada por Espanha, e a sua posse foi confirmada pelo tratado de Badajoz, assinado nesse mesmo ano, embora Portugal nunca tenha oficialmente reconhecido a anexação. A 14 de agosto de 1805 era lavrada a última ata da Câmara e Olivença em língua portuguesa. Longe da ameaça de Napoleão, em 1 de maio de 1808, o príncipe regente D. João (futuro D. João VI) publica no Rio de Janeiro, então capital do Império Português, um manifesto no qual repudia o Tratado de Badajoz. Em 1811, Olivença é temporariamente ocupada por contingentes luso-britânicos sob o comando de Lord Beresford. Após o Congresso de Viena de 1815 que sucedeu às Guerras Napoleónicas, as potências europeias decidiram que Olivença deveria ser devolvida a Portugal, mas a Espanha nunca implementou essa restituição, e a cidade permaneceu sob administração espanhola até hoje. Em 1821, a partir do Brasil, Portugal ocupou a Província Cisplatina (atual Uruguai). Este facto serviu de justificativa espanhola para interromper as conversações sobre a devolução que decorriam. Paralelamente, Espanha argumentou (e continua a argumentar) que o Tratado de Badajoz de 1801 continua válido e que o Tratado de Viena não tem força legal suficiente para obrigar à entrega de Olivença a Portugal. Entretanto, em 1840 passou a ser proibido o uso da língua portuguesa no território, incluindo nas igrejas, conforme narrado na Wikipédia.

Na segunda metade do século XX, o general Humberto Delgado e o almirante Pinheiro de Azevedo foram fervorosos adeptos da recuperação de Olivença, tendo ambos desempenhado funções de destaque no Grupo dos Amigos de Olivença, fundado em 1944.

A Covilhã tem uma rua com o nome Rua de Olivença, que substituiu a antiga denominação de Rua do Vigário. Foi inaugurada no início do ano 1956, de harmonia com o deliberado pela edilidade covilhanense, sob a presidência do coronel António Matoso Pereira, em cuja ata da sessão camarária de 24-01-1956, referia: “Rua de Olivença – Datado de 12 do corrente, do secretário-geral do Grupo Amigos de Olivença, solicitando à Câmara que a uma das artérias desta cidade seja dado o nome de ‘Olivença’. Informo ainda que, gostosamente, o Grupo Amigos de Olivença levaria a efeito uma conferência desta cidade sobre o elevado significado do nome da nova artéria, no dia da sua inauguração. A Câmara considerou este pedido e deliberou que à atual Rua do Vigário seja dado o nome de Rua de Olivença, o que deverá ser comunicado ao Grupo dos Amigos de Olivença”.

Ora bem, recordo-me perfeitamente desta inauguração, cuja data exata desconheço pois não consultei mais atas da Câmara Municipal da Covilhã ou do Arquivo Municipal. Tinha 9 anos e andava na 3ª. Classe (hoje 3º. Ano), no Asilo – Associação Protetora da Infância Desvalida, como se designava. Nesta escola pertencíamos à Mocidade Portuguesa e entregavam-nos uma farda para os dias festivos, como participar nas comemorações do 1.º de dezembro e Procissões do Senhor dos Passos e Enterro do Senhor, como também em outros eventos que recordo: receção aos militares que regressavam da Índia Portuguesa, junto à Câmara Municipal, no Pelourinho.

Outro dos eventos seria (mas não foi da minha parte) participar fardado da Mocidade Portuguesa, junto ao local onde foi a inauguração da Rua de Olivença. Não me desloquei porque estava uma tempestade, chovia torrencialmente, e a conselho de meu Pai, não saí de casa.

Na situação atual, embora Olivença esteja sob controle espanhol, a questão permanece formalmente não resolvida. Portugal mantém a sua reivindicação, embora o assunto não cause tensões diplomáticas significativas nos dias de hoje. A cidade e a sua cultura refletem uma mistura de influências espanholas e portuguesas, com muitos dos seus habitantes falando ambos os idiomas e com tradições culturais que unem os dois países. Na atualidade, Portugal não reclama abertamente Olivença, mas também não renuncia à sua pretensão.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-10-2024)


ASSOBIAR PARA O LADO

 

Neste mês de setembro temos o término das férias da generalidade das gentes das nossas gentes, e das outras gentes a viver por este país fora, quer seja no Continente ou nas Regiões Autónomas, depois de um calor abrasador, apesar de flores coloridas que nos foram rodeando.

É o regresso às tarefas profissionais para uns, enquanto, para outros, além do retorno às aulas nas escolas, é também a azáfama de encontrar casas ou quartos para os que entram pela primeira vez nas universidades.  As preocupações económicas com os gastos acrescidos, são agora mais patentes, enquanto as ações governativas tendentes a serem encontradas, em devido tempo, soluções para estes problemas, é, mais uma vez, numa de assobiar para o lado.

Os partidos políticos, em vez da sua união em prol dos verdadeiros interesses dos cidadãos, vão-se guerreando, na pretensão de fazer desfraldar as suas bandeiras mais que as outras, aproveitando a agitação de alguns ventos, assobiando para o lado quando o grito de revolta dos prejudicados, e dos mais necessitados, se faz sentir.

Mas isto já não é de agora, é de sempre. As promessas vãs, entre as quais se sobressaem a irrevogabilidade das palavras ditas, cujo substantivo, certamente saído traiçoeiramente da voz de quem o pronunciou, acaba, quantas vezes adornado de outra forma de anular a decisão tomada. Basta assobiar para o lado.

Recentemente foi a fuga de cinco reclusos perigosos do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, um local considerado altamente seguro, mas, talvez em situações de assobiar para o lado nas decisões ou cautelas acrescidas a tomar, vimos que “de alta segurança” transformou-se numa escada “de alta descida” dos presos que assim se aproveitaram da “incompetência” e “cadeia sucessiva de erros e falhas” nas palavras da ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice.

E que dizer da corrupção que cada vez mais portugueses a consideram como prática comum no nosso país? Se não se assobiasse tanto para o lado e se de frente se enfrentassem os problemas com eficácia, numa severidade na aplicação das penas, em tempo célere como noutros países e não naquele coçar da cabeça, deixando que os processos sejam anulados por terem ultrapassado o prazo, certamente tudo seria mais fácil, mandando à fava a nossa peculiaridade dos brandos costumes.

Não estou a incitar à violência, nem a olvidar a tolerância, mas o que é certo e verdade é que a paciência tem limites quando aos nossos olhos se nos depararam com tanto casos de rebeldia profissional numa só de exigência de direitos ocultando os deveres para com o cidadão, muitas vezes envoltos na manta da vitimização.

Fico por aqui, neste âmbito, para evitar más interpretações. No entanto, na edição de 2023 do Índice de Perceção da Corrupção, publicado anualmente pela Transparency International, revela que o combate à corrupção em Portugal continua a não avançar e tem falhas ao nível da integridade na política. Portugal, que é avaliado no conjunto dos países da Europa Ocidental e União Europeia, obteve 61 pontos, fixando-se na 34ª posição em 180 países.

A corrupção é vista como prática generalizada no nosso país por parte de 96% dos portugueses, um número que coloca Portugal como o segundo país da União Europeia (UE)  onde a perceção deste crime é maior, de acordo com o mais recente Eurobarómetro.

Terminado o mês de agosto, os emigrantes viram chegar o fim das suas visitas à terra, familiares e amigos. Fizeram-no numa época em que o termo migração é mais europeu e atual do que nunca. Porém, na memória coletiva, as experiências migratórias permanecem abafadas, naquele assobiar para o lado. O silêncio em torno do 60º aniversário do tratado laboral entre Portugal e a Alemanha, assinado a 17 de março de 1964, que serviu de enquadramento legal para a emigração de milhares de portugueses para um dos principais destinos diaspórios do pós-guerra é sintomático disso, segundo nos narra Clara Ervedosa, no Público de 23-8-2024. “A Alemanha e Portugal são países com uma geografia, história e cultura distintas: Portugal fica no extremo sudoeste da Europa e as suas fronteiras são as mais antigas do continente. Possui uma identidade nacional estável e absorve facilmente o que é estrangeiro. A Alemanha define-se como país situado ‘no coração da Europa’, está rodeada de nove países com quem disputou fronteiras, tendo a última alteração territorial ocorrido há apenas 33 anos”, com a reunificação alemã em 1980, que marcou o fim da divisão entre Alemanha Ocidental (República Federal da Alemanha) e Alemanha Oriental (República Democrática Alemã) que existiam separadamente desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. A reunificação oficial aconteceu em 3 de outubro, após a queda do Muro de Berlim em novembro de 1989. Como se devem recordar, este processo trouxe a integração dos territórios da Alemanha Oriental à República Federal da Alemanha, resultando no que hoje é o território unificado da Alemanha.

E porque desta vez quis salientar a apatia que vai existindo em muito boa gente deste país, naquele de assobiar para o lado, qual Lucília Gago, atual Procuradora-Geral da República, no final do seu mandato, mas na saudade da recentemente falecida, Joana Marques Vidal, não posso deixar de recordar um meu artigo publicado no Notícias da Covilhã, em 24-12-2004, já lá vão 20 anos, sob o título “O ‘OH!’ E O ‘AH!’”, sobre a corrupção.

Para ultimar este texto, que já vai longo, e pegando exclusivamente nas duas interjeições atrás referidas, quero com elas retificar o último parágrafo do meu artigo do último número d’ “O Combatente da Estrela’”, nº. 135, JUL/2024, sob o título “Tempo de férias mas também de reflexão”, numa mea culpa pelo lapso ocorrido sobre Luís de Camões, onde referi: “E assim termina a vida de Luís de Camões, mas fica na imortalidade de Portugal e do Mundo, em que o seu linguajar literário foi sempre reconhecido como erudito. Ele não escrevera para ignorantes”. Deveria ser, mais ou menos neste sentido, que aquela parte deverá substituir: “E assim termina a vida de Luís de Camões, mas ele permanece na imortalidade de Portugal e do mundo, onde sua linguagem literária sempre foi reconhecida como erudita. Ele não escrevia para ignorantes”.

(Este texto foi escrito na noite do dia 12-09-2024)

 

João de Jesus Nunes

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA ANTÓNIO MANUEL LOPES MOREIRA



 

Inserimos neste número d’O Combatente da Estrela uma figura da sociedade covilhanense, Homem bom que dedicou toda a sua vida em prol do humanismo, multifacetado em várias vertentes como o associativismo, onde a sua terra – a Covilhã – é o cerne de todo seu bem fazer.

Tive o privilégio de o conhecer muito cedo e de ter passado por duas unidades militares aquando do serviço militar obrigatório onde ambos estivemos temporariamente: primeiro, viemos a encontrarmo-nos no RAL 4, em Leiria, onde o António Moreira tirava a especialidade de escriturário (fez a recruta em Beja, no RI 3) e eu, aí colocado, então promovido a 1º. cabo miliciano, dando formação de datilografia, viemos a partilhar um quarto, nos fins de semana, onde muitos outros covilhanenses e de outras paragens vieram a ficar, numa zona a caminho do hospital, atravessando uma ponte sobre o Rio Liz. Posteriormente, cada um foi obrigado a seguir o seu destino, tendo o António Moreira depois de frequentar o Curso de Operador Cripto, no BRT da Trafaria, seguido para o RI 12, na Guarda, onde foi mobilizado para Angola, em rendição individual. Também eu, acabei o meu serviço militar obrigatório no RI 12 – Guarda (tive a sorte de não ter sido mobilizado para o Ultramar), não tendo aqui oportunidade de me encontrar com o António Moreira. Acabei por passar à disponibilidade como furriel miliciano e já, na disponibilidade, promoveram-me a 2º. sargento miliciano.

Mas, afinal, quem é o António Moreira, tão falado, tão conhecido, dinâmico toda a sua vida, e que agora pretende repousar um pouco da sua frenética atividade empresarial na área das funerárias, que passou para seu filho? Aproveitámos uma altura em que o filho lhe pediu para o substituir a fim de poder gozar uns dias de férias, e é neste período que entrevistámos o António Moreira, memorizando um pouco do muitíssimo que tinha para nos contar que, segundo o mesmo referiu, não caberia numa página de jornal.

E é verdade! Não sei se na Cidade da Covilhã existe figura tão abrangente no associativismo.

Foi presidente da direção de vários Clubes, entre os quais o Grupo Educação e Recreio Campos Melo, o Grupo Desportivo da Mata, Banda da Covilhã, da qual atualmente é o seu presidente da assembleia geral há mais de 20 anos. Mostrou-me uma lista de 25 coletividades covilhanenses do qual é sócio (com quotas pagas), nalgumas das quais fez parte do seu elenco diretivo.

Foi jogador de basquetebol no Clube Desportivo da Covilhã (CDC), conjuntamente com antigos atletas de futebol do Sporting Clube da Covilhã, como os falecidos Nartanga, João Lanzinha, Espírito Santo, e outros conhecidos covilhanenses, já fora do mundo dos vivos, como o “Pena Branca” (funcionário bancário), o Manecas, o Bichinho, e alguns que felizmente ainda estão entre nós como o Francisco Trindade, João Lobo e Jojó.

Depois de uma conversa que se prolongou para além do tempo previsto, tal o entusiasmo que esta entrevista despertou, respigo algo que obtive deste camarada de outros tempos, a saber:

“As voltas que a vida dá” – António Moreira, pessoa bem conhecida na Covilhã e Região. Com várias distinções a nível regional e nacional: Medalha de Mérito Municipal (Prata), Medalha de Benemérito da Santa Casa da Misericórdia (Prata) e vários diplomas de mérito. Este ex-Combatente realça que muito ficou a dever à vida militar, onde aprendeu a ser Homem e a lutar por uma vida melhor, sempre com objetivos como na tropa. Cedo começou a vida militar com dificuldades: recruta em Beja. Depois, com alguma sorte tirou a especialidade de escriturário, como já referimos, sem que, no entanto, nunca tivesse visto uma máquina de escrever. A sua profissão era tecelão na indústria covilhanense – Fábrica Alberto Roseta. A sua surpresa foi ter ido para a sua segunda especialidade – Operador Cripto, terminando este curso com uma boa classificação, ficando em 32º lugar num universo de 220 instruendos. Lutou para não ir para o Ultramar mas quando não esperava, eis que é mobilizado para Angola, em rendição individual, sendo colocado no RI 20 de Luanda. Após três meses seguiu para o norte com uma companhia angolana, onde só estavam o António Moreira e mais outro operador do Continente. Foi uma vida nova. Era uma companhia com muitos jovens negros e mulatos. Para além desta surpresa conseguiu arranjar bons amigos, alguns dos quais ainda hoje se contactam.

Tendo regressado à Metrópole já na década de 70, emigrou para a Alemanha onde arranjou algum dinheiro com que adquiriu a funerária na Covilhã que fora de seu pai. Passou a nova empresa a adotar o nome de Agência Funerária Moreira tendo-lhe dado um cunho de desenvolvimento, sobejamente conhecido dos covilhanenses, tendo criado uma outra agência, com o mesmo nome, no Tortosendo.

Para além da empresa funerária, abriu também a Taberna Laranjinha, local muito concorrido na zona histórica da Covilhã.

Amante do desporto e da cultura, este carola covilhanense, do qual muito, mas muito mais haveria a narrar, foi ainda dirigente do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes, juntamente com o atual presidente da Direção, João Azevedo, desde que em setembro de 1985 houve necessidade de renovação da Direção por impossibilidade da continuidade do Major Teixeira Lino. Este Núcleo da Covilhã foi inaugurado em 1926 e a nova Direção, então eleita, deslocou-se a Lisboa, que também integrou o António Moreira, naquele ano 1985, para falar com o Presidente da Liga dos Combatentes, General Almeida Viana, grande amigo deste Núcleo, dando luz verde para uma sede condigna. No entanto, esta acabou por se ir situando em vários locais, até aos dias de hoje.

O António Moreira, de 77 anos, casado e com dois filhos, é um autêntico Homem de ação e um exemplo a seguir.

J.J. Nunes

(In "O Combatente da Estrela", nº. 136-OUT2024)