4 de outubro de 2024

ASSOBIAR PARA O LADO

 

Neste mês de setembro temos o término das férias da generalidade das gentes das nossas gentes, e das outras gentes a viver por este país fora, quer seja no Continente ou nas Regiões Autónomas, depois de um calor abrasador, apesar de flores coloridas que nos foram rodeando.

É o regresso às tarefas profissionais para uns, enquanto, para outros, além do retorno às aulas nas escolas, é também a azáfama de encontrar casas ou quartos para os que entram pela primeira vez nas universidades.  As preocupações económicas com os gastos acrescidos, são agora mais patentes, enquanto as ações governativas tendentes a serem encontradas, em devido tempo, soluções para estes problemas, é, mais uma vez, numa de assobiar para o lado.

Os partidos políticos, em vez da sua união em prol dos verdadeiros interesses dos cidadãos, vão-se guerreando, na pretensão de fazer desfraldar as suas bandeiras mais que as outras, aproveitando a agitação de alguns ventos, assobiando para o lado quando o grito de revolta dos prejudicados, e dos mais necessitados, se faz sentir.

Mas isto já não é de agora, é de sempre. As promessas vãs, entre as quais se sobressaem a irrevogabilidade das palavras ditas, cujo substantivo, certamente saído traiçoeiramente da voz de quem o pronunciou, acaba, quantas vezes adornado de outra forma de anular a decisão tomada. Basta assobiar para o lado.

Recentemente foi a fuga de cinco reclusos perigosos do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, um local considerado altamente seguro, mas, talvez em situações de assobiar para o lado nas decisões ou cautelas acrescidas a tomar, vimos que “de alta segurança” transformou-se numa escada “de alta descida” dos presos que assim se aproveitaram da “incompetência” e “cadeia sucessiva de erros e falhas” nas palavras da ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice.

E que dizer da corrupção que cada vez mais portugueses a consideram como prática comum no nosso país? Se não se assobiasse tanto para o lado e se de frente se enfrentassem os problemas com eficácia, numa severidade na aplicação das penas, em tempo célere como noutros países e não naquele coçar da cabeça, deixando que os processos sejam anulados por terem ultrapassado o prazo, certamente tudo seria mais fácil, mandando à fava a nossa peculiaridade dos brandos costumes.

Não estou a incitar à violência, nem a olvidar a tolerância, mas o que é certo e verdade é que a paciência tem limites quando aos nossos olhos se nos depararam com tanto casos de rebeldia profissional numa só de exigência de direitos ocultando os deveres para com o cidadão, muitas vezes envoltos na manta da vitimização.

Fico por aqui, neste âmbito, para evitar más interpretações. No entanto, na edição de 2023 do Índice de Perceção da Corrupção, publicado anualmente pela Transparency International, revela que o combate à corrupção em Portugal continua a não avançar e tem falhas ao nível da integridade na política. Portugal, que é avaliado no conjunto dos países da Europa Ocidental e União Europeia, obteve 61 pontos, fixando-se na 34ª posição em 180 países.

A corrupção é vista como prática generalizada no nosso país por parte de 96% dos portugueses, um número que coloca Portugal como o segundo país da União Europeia (UE)  onde a perceção deste crime é maior, de acordo com o mais recente Eurobarómetro.

Terminado o mês de agosto, os emigrantes viram chegar o fim das suas visitas à terra, familiares e amigos. Fizeram-no numa época em que o termo migração é mais europeu e atual do que nunca. Porém, na memória coletiva, as experiências migratórias permanecem abafadas, naquele assobiar para o lado. O silêncio em torno do 60º aniversário do tratado laboral entre Portugal e a Alemanha, assinado a 17 de março de 1964, que serviu de enquadramento legal para a emigração de milhares de portugueses para um dos principais destinos diaspórios do pós-guerra é sintomático disso, segundo nos narra Clara Ervedosa, no Público de 23-8-2024. “A Alemanha e Portugal são países com uma geografia, história e cultura distintas: Portugal fica no extremo sudoeste da Europa e as suas fronteiras são as mais antigas do continente. Possui uma identidade nacional estável e absorve facilmente o que é estrangeiro. A Alemanha define-se como país situado ‘no coração da Europa’, está rodeada de nove países com quem disputou fronteiras, tendo a última alteração territorial ocorrido há apenas 33 anos”, com a reunificação alemã em 1980, que marcou o fim da divisão entre Alemanha Ocidental (República Federal da Alemanha) e Alemanha Oriental (República Democrática Alemã) que existiam separadamente desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. A reunificação oficial aconteceu em 3 de outubro, após a queda do Muro de Berlim em novembro de 1989. Como se devem recordar, este processo trouxe a integração dos territórios da Alemanha Oriental à República Federal da Alemanha, resultando no que hoje é o território unificado da Alemanha.

E porque desta vez quis salientar a apatia que vai existindo em muito boa gente deste país, naquele de assobiar para o lado, qual Lucília Gago, atual Procuradora-Geral da República, no final do seu mandato, mas na saudade da recentemente falecida, Joana Marques Vidal, não posso deixar de recordar um meu artigo publicado no Notícias da Covilhã, em 24-12-2004, já lá vão 20 anos, sob o título “O ‘OH!’ E O ‘AH!’”, sobre a corrupção.

Para ultimar este texto, que já vai longo, e pegando exclusivamente nas duas interjeições atrás referidas, quero com elas retificar o último parágrafo do meu artigo do último número d’ “O Combatente da Estrela’”, nº. 135, JUL/2024, sob o título “Tempo de férias mas também de reflexão”, numa mea culpa pelo lapso ocorrido sobre Luís de Camões, onde referi: “E assim termina a vida de Luís de Camões, mas fica na imortalidade de Portugal e do Mundo, em que o seu linguajar literário foi sempre reconhecido como erudito. Ele não escrevera para ignorantes”. Deveria ser, mais ou menos neste sentido, que aquela parte deverá substituir: “E assim termina a vida de Luís de Camões, mas ele permanece na imortalidade de Portugal e do mundo, onde sua linguagem literária sempre foi reconhecida como erudita. Ele não escrevia para ignorantes”.

(Este texto foi escrito na noite do dia 12-09-2024)

 

João de Jesus Nunes

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