14 de dezembro de 2024

CAMINHAMOS PARA O FINAL DE 2024 ENTRE DECISÕES, CONFUSÕES E ILUSÕES


 Mais uma etapa das nossas vidas se vai cumprindo e, felizmente, ainda nos podemos contar entre os vivos. O que ocorreu no início deste ano, embora algo que teve o seu prelúdio, é vasto, e tudo o que foi semeado, entre caminhos pedregosos ou em terras férteis, agora encontra seu Ómega.

A invasão da Ucrânia pela Rússia continua tendo-se iniciado em 24 de fevereiro de 2022. Nesse dia, a Rússia lançou uma ofensiva militar em larga escala contra a Ucrânia, após meses de tensões crescentes e uma escalada de movimentações militares ao longo da fronteira. A invasão foi precedida por anos de conflito na região de Donbass, onde separatistas pró-Rússia, apoiados pelo Kremelin, lutavam contra o governo ucraniano desde 2014, após a anexação da Crimeia pela Rússia. A invasão causou grandes crises humanitárias, destruição em várias cidades e milhões de deslocados, além de ampla reação internacional, com sanções económicas contra a Rússia e apoio militar e humanitário à Ucrânia.

O conflito entre Israel e o Hamas, o grupo militante que controla a Faixa de Gaza, escalou quando, em 7 de outubro de 2023, o Hamas lançou um ataque surpresa contra Israel, resultando em centenas de vítimas israelitas e a tomada de reféns. O ataque que incluiu disparos de foguetes e invasões em várias cidades israelitas, marcou uma das ações mais significativas e violentas nos últimos anos e aumentou a tensão já existente na região. Israel reagiu ao ataque com uma série de operações militares contra alvos do Hamas em Gaza, com a intensificação do conflito resultando em centenas de mortos e feridos de ambos os lados. A tomada de reféns israelitas pelo Hamas complicou ainda mais a situação, com negociações internacionais e esforços de mediação visando a libertação dos reféns e uma eventual trégua. Mantém-se ainda ativo. 

As catástrofes no planeta provenientes das alterações climáticas têm sido cada vez mais acentuadas e devastadoras. A Austrália tem enfrentado eventos climáticos extremos significativos em 2024, com incêndios, ondas de calor e tempestades intensificadas por mudanças climáticas. Um relatório do Bureau de Meteorologia e CSIRO destacou que os oceanos australianos estão aquecendo rapidamente, influenciando padrões meteorológicos, como chuvas intensas, e aumento do nível do mar, o que causa danos em áreas costeiras e urbanas suscetíveis de inundações. Além disso, a seca e a redução de chuvas no sudeste e sudoeste australianos elevam o risco de incêndios e comprometem o armazenamento de água em várias regiões, afetando a agricultura e o abastecimento urbano. Este aumento na frequência e severidade de eventos meteorológicos preocupa especialistas, que alertam para um futuro com mais extremos se as emissões de gases de efeito estufa não forem reduzidas. Esses fatores contribuem para um ambiente de desafios constantes para infraestruturas, biodiversidade e segurança humana em todo o país.

As cheias em Valência, que começaram em 29 de outubro de 2024, foram provocadas por fortes tempestades e uma queda repentina de temperatura conhecida como gota fria, resultando em precipitações intensas e devastadoras. Foram mais de 200 vítimas mortais e muitos desaparecidos, tanto na região autónoma da Comunidade Valenciana, no leste de Espanha, assim como na região de Castela La Mancha, numa zona vizinha.  As inundações destruíram infraestruturas, deixaram moradores sem eletricidade e interromperam serviço de transporte. Foi um evento climático descrito como o mais severo do século. 

Temos agora a COP 29. São 30 anos de avisos, promessas e cimeiras. As cimeiras das Nações Unidas sobre o clima já se realizaram 28 vezes, mas emissões de gases com efeito de estufa continuam a aumentar e o ano passado foi o mais quente já registado, com 2024 a caminho de ser o primeiro a ultrapassar +1,5ºC em relação à era pré-industrial. Esta é a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2024 ou Conferência das Partes da UNFCCC, mais comumente conhecida como COP29, sendo a 29ª Conferência sobre Mudanças Climáticas. É realizada em Baku, Azerbaijão, de 11 a 22 de novembro de 2024. É certo que a sombra da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, disposto a negar as alterações climáticas e refazer uma economia baseada em combustíveis fósseis e no protecionismo, paira sobre a conferência. Isto já aconteceu no COP22, em Marraquexe, em 2016, quando Donald Trump foi eleito Presidente pela primeira vez.

Entretanto, a eleição de Donald Trump para um novo mandato pode trazer várias preocupações tanto nos Estados Unidos quanto internacionalmente. Aqui estão alguns dos principais perigos apontados pelos analistas: 1-Relações Internacionais: A vitória de Trump pode afetar as relações dos EUA com a União Europeia, especialmente em questões de comércio e segurança. Trump tem criticado repetidamente o bloco europeu e ameaçado acabar com os laços atuais ente a UE e os EUA. 2 - Ajuda à Ucrânia: Há preocupações de que Trump possa reduzir ou cortar o fornecimento de armas e assistência financeira à Ucrânia, o que poderia enfraquecer a resistência ucraniana contra a invasão russa. 3 – Isolacionismo: Trump defende uma política de isolacionismo, o que significa que os EUA poderiam reduzir o seu envolvimento em alianças internacionais como a NATO, deixando os aliados europeus mais vulneráveis. 4 – Impunidade e Justiça: A eleição de Trump, mesmo após ser condenado em processos judiciais, levanta questões sobre a impunidade e pode servir de alerta para outros países sobre a importância de manter a integridade do sistema judicial. 5 – Impacto Económico: A vitória de Trump pode causar incertezas económicas, afetando mercados financeiros e setores específicos como energias renováveis e farmacêuticas, enquanto setores como criptomoedas e petróleo se podem beneficiar.

Voltamo-nos agora para o nosso País e também as coisas não estão famosas. O atual governo de Portugal liderado por Luis Montenegro, tomou posse em 2 de abril de 2024. É o XXIV Governo Constitucional de Portugal e foi nomeado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com base nos resultados das eleições legislativas de 2024. É uma coligação liderada pela Aliança Democrática (AD), que inclui o Partido Social Democrata (PSD), o Centro Democrático e Social-Partido Popular (CDS-PP) e o Partido Popular Monárquico (PPM).

Os distúrbios em Lisboa começaram na madrugada de segunda-feira, 22 de outubro de 2024, após a morte de Odair Moniz que foi baleado pela PSP na Cova da Moura. Desde então houve várias noites consecutiva de tumultos em diferentes bairros da Grande Lisboa. A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, envolveu-se num imbróglio em afirmações sobre o direito à greve na polícia, fazendo depois marcha atrás após “infelicidade”. 

O problema maior está com a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, com alegados casos de 11 vítimas mortais associadas aos atrasos no atendimento de emergência médica, face à greve dos técnicos do INEM. 

Mas para não ser tudo mau, no dia 11 de novembro, dia de São Martinho, começou a nova edição da Web Summit Lisboa, 16ª., com cerca de 2750 startups presentes e dezenas de oradores na FIL, no Parque das Nações. O tema deste ano é “Onde o futuro vai nascer” e terá como foco temas como a Inteligência Artificial, as alterações climáticas, entre outros.

Sobre a Covilhã quero referir alguns aniversários que se comemoram. Este espaço foi, excecionalmente, alongado em final de ano: os 50 anos que assinalam o Teatro das Beiras neste percurso cultural; os 70 anos do CCD Oriental de São Martinho; o centenário da Casa da Covilhã em Lisboa; e os 125 anos da fundação da Conferência de São Vicente de Paulo da Paróquia de Santa Maria.

Como este é o último número deste ano, formulo os melhores votos de um Feliz Natal aos prezados Camaradas Antigos Combatentes deste Núcleo e suas Famílias, e a todos os Associados, Leitores e Obreiros deste Jornal, assim como um Novo Ano repleto das maiores venturas.


João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Combatente da Estrela”, nº. 137, DEZ/2024)


CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA RUI LUCIANO MENDES PINTO

 

Neste último número d’ “O Combatente da Estrela”, do ano 2024, trazemos ao conhecimento dos prezados leitores uma figura amplamente conhecida desta cidade laneira, hoje marcada por forte ambiente universitário, e que nasceu na Covilhã em 5 de novembro de 1943 – o Rui Pinto.
Como muita gente do seu tempo, iniciou a sua atividade profissional na indústria de lanifícios, onde foi tecelão, até ser chamado para cumprir o serviço militar obrigatório.
Tendo ainda frequentado a Escola Industrial e Comercial Campos Melo da Covilhã, como amante da música, foi, nas horas livres, vocalista no conjunto “Manchester”.
Chegado o momento de ter de entrar nas fileiras do Exército, fez a recruta no CICA3 em Elvas, com início em 19 de outubro de 1964, ou seja, há sessenta anos. Seguiu depois para o RI 16, no Porto, onde tirou a adaptação à especialidade de condutor auto. Posteriormente o seu destino foi o RI 2, em Abrantes, já com a sina da sua mobilização para Angola. Veio a embarcar no Vera Cruz em 20 de abril de 1965 para desembarcar em Luanda em 8 de maio.
Em Angola, depois de chegado ao Grafanil, foi destacado para a Fazenda Maria Fernanda, na Zona de Zemba, uma das mais perigosas da altura. Daqui foi para Cambambe e depois Ambriz, já perto de Luanda, onde aqui viria aguardar o seu regresso à Metrópole, embarcando novamente no Vera Cruz, em Luanda, no dia 22 de maio de 1967, tendo desembarcado em Lisboa no dia 3 de junho.
Felizmente, no seu percurso em terras angolanas na guerra subversiva, embora o Rui Pinto andasse com uma GMC para rebentamento de minas, não teve qualquer situação problemática. Conta-nos que, em dado percurso, onde há já muito tempo não tinha havido conhecimento de agitações do inimigo, mas havia que ter a certeza de que as estradas não se encontravam minadas, o Comandante da Companhia deu-lhe ordens para fazer esse percurso, eventualmente perigoso. O Rui Pinto, coberto de medo, começou a chorar e o Comandante, vendo esta conduta, colocou-se ao seu lado a fim de lhe dar ânimo, com estas palavras: “Vamos, Rui, se morreres também morro eu!” E assim se cumpriu a determinação do Comandante, sem que houvesse qualquer problema de rebentamento de minas.
O condutor Rui Pinto era ainda o responsável por colocar o gerador de luz a trabalhar e bombear a água para todo o acampamento. 
Mas a parte interessante e que deixou Rui Pinto muito orgulhoso foi o louvor que se insere abaixo, do Comandante da Companhia, sem contar com outros que lhe foram atribuídos, porquanto continuou a dedicar-se à música, mesmo em “teatro de guerra”, junto dos seus camaradas. Da sua caderneta militar extraímos o seguinte: “Louvado pelo Comandante da Companhia de Caçadores 768, Batalhão 770, porque fazendo parte do conjunto musical do Batalhão de Caçadores 770 em acumulação  com as funções normais de serviço, contribuiu para a melhoria da moral do pessoal não só do Batalhão mas também de outras unidades, integrado como último recurso * no conjunto musical há cerca de 5 meses e de salientar a sua actividade entusiasta e muito dedicado sem a qual aquele conjunto teria de ser extinto (Ordem de Serviço nº. 83).”
*Esta integração, substituindo o anterior baterista, deveu-se ao facto de este ter desertado, continuando o Rui Pinto como vocalista e simultaneamente baterista.
Rui Luciano Mendes Pinto, cumprido o serviço militar obrigatório, veio a integrar os órgãos sociais deste Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes e passou a exercer nova atividade profissional na área das vendas, tendo sido vendedor em várias empresas, como a Tricogom, Lanofabril com os Fios Tricot e, por último, a Delta Cafés.
João de Jesus Nunes
(In “O Combatente da Estrela”, nº. 137-DEZ/2024)

11 de dezembro de 2024

DEDICAÇÃO À ESCRITA HÁ 60 ANOS

 


Neste milénio em que vivemos no século XXI, quase alcançando duas décadas e meia do mesmo, estamos em mais um final de ano, acrescentando muito para contar no que vai ficar para a história. Se algo há de positivo, paradoxalmente temos muito de desconfortável para as nossas vidas.
Sempre assim foi. Desde os tempos primitivos. Os humanos tendem a não se entender. Muitas e longas guerras já existiram neste Planeta. No entanto, a esperança é a última coisa a desaparecer, como sói dizer-se. 
Escrevo esta crónica num domingo de frio cortante. Na véspera do mesmo participei num Jantar de Natal, para Escritores e Músicos da Covilhã, num restaurante desta Cidade, onde tive o prazer de confraternizar com muitos outros do contexto literário e jornalístico onde nos inserimos, para além de outros de âmbito musical, e não só, onde a cultura manteve o vínculo do interesse que a todos se unia.
Em seis décadas foi a primeira vez que participei num evento desta natureza à volta de uma mesa onde os prazeres gastronómicos com os da confraternização cultural, num contexto de interesses do mesmo âmbito se evidenciaram na avidez de prosseguir em prol da cultura citadina e não só.
Lembrados que foram alguns dos que já partiram deste grupo literário e jornalístico, um ou outro soltaria da sua voz aquele “Grito do Ipiranga” em momentos do peso da poesia sentida. A longevidade daquele que, embora doente desprezou esse seu estado mórbido e declamou vibrantemente uma poesia de Alexandre O’Neill com que terminaria este excelente convívio foi a cereja em cima do bolo.
Também eu me senti orgulhoso, no sossego dos meus pensamentos, porquanto sabia que estava ali, sem que o grupo soubesse ou adivinhasse, a ter dedicado sessenta anos à escrita, cuja “efeméride” deste ano se iniciou em 14 de novembro de 1964 no semanário Notícias da Covilhã (NC). Neste periódico escrevi 397 crónicas e artigos até 15 de novembro de 2018, encerrando uma colaboração de 54 anos. 
Mas é então que encontro lugar para transmitir muito do que escrevi. Até hoje, somam-se 866 crónicas em vários periódicos, alguns já desaparecidos. Destaco o semanário Jornal Fórum Covilhã (FC), composto por jornalistas formados na Universidade da Beira Interior. Nele, publiquei 146 crónicas entre 10/09/2013 a 27/11/2024, ou seja, em 11 anos. Acresce que agora com a Rádio Jornal Fórum tornou-se um jornal de grande atratividade.
Mas um carinho muito especial vai para o quinzenário algarvio O Olhanense, o segundo onde mais colaboro em termos de crónicas, num total de 103 exclusivas, mas que, adicionadas de mais 262 que também publicava no NC e FC, num período em que a minha vida profissional não me permitia escrever em exclusivo em tantos jornais, é o periódico por quem tenho muito respeito e simpatia. Nele colaboro ininterruptamente há 30 anos, quinzenalmente, desde 15-06-1994.
Penso, por isso, que sou o cronista há mais tempo a escrever de âmbito jornalístico, na Covilhã e talvez na Região. 
Por vezes, de vários pontos do País chega-me a surpresa de que já me conhecem. À minha pergunta de qual a origem, indicam-me o Jornal.
Ao longo de 60 anos, publiquei 866 crónicas exclusivas, com 439 textos republicados em outros periódicos. O total de 1 305 textos foi publicado em 34 jornais e revistas, com destaque para: Notícias da Covilhã, Jornal do Fundão, Gazeta do Interior, Record, O Olhanense, Tribuna Desportiva, Reconquista, A Guarda, O Leão da Serra, Voz do Trabalho, Sporting, Diário XXI, O Interior, Já Agora, Notícias de Gouveia, Porta da Estrela, Essencial Seguros, Notícias Magazine, Jornal Fórum Covilhã, Boletim Português da Sociedade de São Vicente de Paulo, Selfieseguros, O Combatente da Estrela. Noutro periódicos dispersos ou revistas únicas: Fronteiros da Beira (RI 12 – Guarda), em 1971; Ecos da APAE; Associação de Futebol de Castelo Branco – Covilhã Desportiva – I Torneio Quadrangular Cidade da Covilhã, em 1995; Boletim Informativo nº. 1 (Casa da Covilhã, em Lisboa), em 2014; Maisfutebol (digital), em 2014; Euronotícia (Europeia de Seguros); WinInforma – Revista de Mediadores (Europeia/Winterthur), em 1996; Verde e Branco – Sporting Clube da Covilhã – 2022; Velhas Glórias do Sporting Clube da Covilhã num encontro de amizade no Futebol Clube Estrela de Unhais da Serra; Vida Económica (Separada de Seguros); Liberty em Acção; Cinco Quinas.
No entanto, a veia para a escrita foi ainda para a publicação de 12 obras, algumas delas por solicitação interessada de entidades: “APAE – Associação dos Antigos Professores, Alunos e Empregados da Escola Campos Melo da Covilhã – 9 Anos de Actividades Culturais ao Serviço da Cidade e do Concelho – 1983 -1992”; “Subsídios para a História do Sporting Clube da Covilhã1992”; “Figuras e Factos do Sporting Clube da Covilhã – 1993”; “Sporting Clube da Covilhã – Passado e Presente- 1998”; “A Conferência de S. Vicente de Paulo na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Covilhã no seu Centenário – 19-03-1903 – 19-03-2003)”; “Vida e Obra dos Bombeiros Voluntários da Covilhã (em dois volumes): I – Ontem e Hoje, II – Vultos da Sua História – 2004”; “Sporting Clube da Covilhã na Taça de Portugal – Cinquentenário da sua Participação na Final – 2007”; “Ernesto Cruz – Um Visionário da Indústria, Um Industrial do seu Tempo – 2010”; “Breve Resenha do Centro de Recreio Popular Estrela Desportiva de São Pedro – 1944 – 1972, no ano 2015”; “O Documento Antigo – Uma Outra Forma de Ver os Seguros – 2018”; “Da Montanha ao Vale – As Viagens de Um Grupo de Tertulianos – 2022”; “Recordar é Viver – 2022”.
Por último, porquanto este detalhe certamente já estará a ser objeto de enfado para os prezados Leitores, informo que foram feitas 61 referências às minhas obras em algumas das várias publicações atrás mencionadas, e mais as seguintes: O Jogo (1992), A Bola (1992), El Adelanto (Salamanca) – 1993, Correio da Manhã (1993, Diário de Coimbra (1993), Agenda Cultural da Covilhã – Edição CMC (1999), Florinda (1999), Boletim Municipal da CMC, Ubi et Orbi – 2010, Revista do Jornal do Fundão (2010), Kaminhos (digital) – 2010.
Com estas palavras, desejo a todos os Prezados Leitores, suas famílias e a todos os obreiros deste jornal, um Santo Natal e um Próspero Ano Novo.
João de Jesus Nunes
jjnunes6200@gmail.com
(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 11-12-2024)

4 de dezembro de 2024

HÁ 52 ANOS VIVI E TRABALHEI NO SOITO

 

Corria o ano de 1972. Tinha acabado de terminar o serviço militar obrigatório no RI 12, na Guarda, trabalhava na edilidade covilhanense. Apesar de ter ficado em 1º lugar num concurso para promoção a categoria superior, enfrentei apenas barreiras e desilusões. Naquele tempo, o funcionalismo público ficava muito aquém do setor privado em oportunidades e condições de trabalho. Os serviços de saúde eram inexistentes. Mesmo assim, casei e já esperava o segundo filho, o que me levou a buscar novos horizontes profissionais. 

Face a uma confusão, acabo por encontrar emprego no Sabugal, pensava eu. Pergunto onde fica a empresa Refrigerantes Cristalina, Lda. Dizem-me que é no Soito, a cerca de 18 Km. Digo ao colega e amigo que me deu boleia da Covilhã para o Sabugal:

 - Volta para trás, s.f.f. Resposta imediata do Fernando Paiva: - Se já viemos até aqui, vamos lá! É a ele que lhe devo ter mudado a minha vida. No Soito, apresentando os meus argumentos ao empresário João Oliveira, acabei por imediatamente ficar ali. O salário mais que duplicava o que anteriormente auferia.

Era agora necessário obter a carta de condução, pois de duas vezes que vim da Covilhã para o Soito, de comboio e autocarro, com transbordos, acabava por chegar tarde ao emprego. 

Encontro no Sabugal a Escola de Condução do meu conterrâneo António Sardinha Mendes da Paula que tinha a esposa, professora primária, natural de Rapoula do Côa. Obtenho a carta de condução fazendo exame em Coimbra.

Mas começam a surgir-me convites de participações em exames que fizera, de acesso a empregos para os quais tinha concorrido. Naquela altura, só depois do serviço militar cumprido se conseguia um emprego estável. Chamaram-me para o Banco Nacional Ultramarino em Setúbal, após ter obtido “Bom” no exame realizado na sede do Banco em Lisboa. Porém, o vencimento mesmo assim inferior, a longa distância, e o nascimento do meu filho levaram-me a desistir.

Mas a minha vida no Soito, nos anos 70, contrastava com os hábitos urbanos que eu conhecia. O Soito daquela época não tinha as condições atuais. Era uma aldeia simples, com fábricas de confeções, gelados e refrigerantes, mas com infraestrutura limitada a única rua que terminava em casas de granito, muito degradadas. Dois ou três cafés. Um colégio particular servia em grande parte a população jovem que distava mais de dúzia e meia de Km da sede do concelho – o Sabugal, onde a empresa de camionagem Vª Monteiro & Irmão, Lda, já centenária, ainda desenvolve a sua atividade.

Acordar ao tilintar e mugir dos bois, e desviar-me da bosta que os animais deixavam sobre aquela estrada de alcatrão até à fábrica, era algo que me custava a habituar, enquanto via algumas mulheres a caminho da ribeira para lavaram a roupa.

A carrada de lenha que havia adquirido para a lareira da casa acabada de construir, de emigrantes, que aluguei, ali ficou quase toda na garagem. Um feliz convite para chefiar os escritórios da Companhia Europeia de Seguros na Covilhã chegou por via de um telefonema, num feliz dia, para a fábrica onde trabalhava. Aceitei o convite e iniciei um novo capítulo profissional.

Não valeram as tentativas de persuasão de João Oliveira, muito voltado para os Cursos de Cristandade, de que também ali tinha um médico residente, dentista que fazia clínica geral, e um posto de correios. Assim como a sugestão que já nos havia colocado, em um número restrito de empregados, para podermos vir a fazer parte da sociedade que estava em formação na Guarda, uma fábrica de iogurtes, com a qual o filho Fernando Oliveira, então a completar o curso de Economia, não concordava, me demoveram da intenção de seguir novo rumo. Tinha eu então adquirido um Opel Kadett usado com que já me podia deslocar, mas a Seguradora entregou-me também a parte comercial da empresa nos distritos de Castelo Branco e Guarda, e, confiou-me uma viatura nova – um Simca 1100, que trouxe de Lisboa, após ter completado uma formação.

E assim se transformou uma vida que iria desenvolver-se, em grande parte, na atividade no Sabugal, a partir de junho de 1973. Aqui dei ensejo a muitas amizades. De uma vida de sedentário quase passou a nómada, tais foram as várias moradas que tive que posteriormente conseguir.

Em agosto desse ano de 1973 estava já eu com um grupo de clientes e um agente a tomar umas cervejas à noite, na Sacor do Sabugal, antes de regressar à Covilhã. Ouvia na televisão, ainda a preto e branco, o ministro Veiga Simão a anunciar a reforma do ensino. E qual não foi a minha alegria ao ouvir a criação de vários Institutos Politécnicos, anunciando o primeiro na Covilhã, que hoje é a Universidade da Beira Interior, logo seguido de outros. De regresso à minha cidade, e com a responsabilidade comercial nos referidos distritos, bem como a gestão dum escritório afeto aos mesmos, foi um enriquecimento de conhecimentos, de amizades, de entusiasmo no que fazia, cabendo-me a formação de agentes ainda limitados a contratos com as condições gerais das seguradoras uniformes onde a liberalização só viria a surgir após a Revolução dos Cravos. Os seguros obrigatórios ainda eram inexistes, o único era o de acidentes de trabalho. Viria a surgir o primeiro seguro obrigatório de Caçadores e depois o do ramo Automóveis, sendo que ainda não havia seguros multirriscos de habitação.

Todas as facetas duma nova vida que se prolongaria por mais de quatro décadas, levaram-me a muitos recantos do país numa viragem que já não se coadunava com o mugir dos bois do Soito, mas projetaram-me também para viagens ao estrangeiro.

Embora a vida tenha seguido outro rumo, guardo no coração as amizades e aprendizagens que construí no Soito. Este capítulo foi essencial para moldar a minha trajetória. No Sabugal não posso esquecer as boas gentes sabugalenses com que viria a gerar negócios e amizades verdadeiras, tais como Alcino Monteiro, Raul e Luís Rastreiro, da empresa de camionagem já referida, António José Natário e outros. 


João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Cinco Quinas”, de dezembro de 2024)