Corria o ano de 1972. Tinha acabado de terminar o serviço militar obrigatório no RI 12, na Guarda, trabalhava na edilidade covilhanense. Apesar de ter ficado em 1º lugar num concurso para promoção a categoria superior, enfrentei apenas barreiras e desilusões. Naquele tempo, o funcionalismo público ficava muito aquém do setor privado em oportunidades e condições de trabalho. Os serviços de saúde eram inexistentes. Mesmo assim, casei e já esperava o segundo filho, o que me levou a buscar novos horizontes profissionais.
Face a uma confusão, acabo por encontrar emprego no Sabugal, pensava eu. Pergunto onde fica a empresa Refrigerantes Cristalina, Lda. Dizem-me que é no Soito, a cerca de 18 Km. Digo ao colega e amigo que me deu boleia da Covilhã para o Sabugal:
- Volta para trás, s.f.f. Resposta imediata do Fernando Paiva: - Se já viemos até aqui, vamos lá! É a ele que lhe devo ter mudado a minha vida. No Soito, apresentando os meus argumentos ao empresário João Oliveira, acabei por imediatamente ficar ali. O salário mais que duplicava o que anteriormente auferia.
Era agora necessário obter a carta de condução, pois de duas vezes que vim da Covilhã para o Soito, de comboio e autocarro, com transbordos, acabava por chegar tarde ao emprego.
Encontro no Sabugal a Escola de Condução do meu conterrâneo António Sardinha Mendes da Paula que tinha a esposa, professora primária, natural de Rapoula do Côa. Obtenho a carta de condução fazendo exame em Coimbra.
Mas começam a surgir-me convites de participações em exames que fizera, de acesso a empregos para os quais tinha concorrido. Naquela altura, só depois do serviço militar cumprido se conseguia um emprego estável. Chamaram-me para o Banco Nacional Ultramarino em Setúbal, após ter obtido “Bom” no exame realizado na sede do Banco em Lisboa. Porém, o vencimento mesmo assim inferior, a longa distância, e o nascimento do meu filho levaram-me a desistir.
Mas a minha vida no Soito, nos anos 70, contrastava com os hábitos urbanos que eu conhecia. O Soito daquela época não tinha as condições atuais. Era uma aldeia simples, com fábricas de confeções, gelados e refrigerantes, mas com infraestrutura limitada a única rua que terminava em casas de granito, muito degradadas. Dois ou três cafés. Um colégio particular servia em grande parte a população jovem que distava mais de dúzia e meia de Km da sede do concelho – o Sabugal, onde a empresa de camionagem Vª Monteiro & Irmão, Lda, já centenária, ainda desenvolve a sua atividade.
Acordar ao tilintar e mugir dos bois, e desviar-me da bosta que os animais deixavam sobre aquela estrada de alcatrão até à fábrica, era algo que me custava a habituar, enquanto via algumas mulheres a caminho da ribeira para lavaram a roupa.
A carrada de lenha que havia adquirido para a lareira da casa acabada de construir, de emigrantes, que aluguei, ali ficou quase toda na garagem. Um feliz convite para chefiar os escritórios da Companhia Europeia de Seguros na Covilhã chegou por via de um telefonema, num feliz dia, para a fábrica onde trabalhava. Aceitei o convite e iniciei um novo capítulo profissional.
Não valeram as tentativas de persuasão de João Oliveira, muito voltado para os Cursos de Cristandade, de que também ali tinha um médico residente, dentista que fazia clínica geral, e um posto de correios. Assim como a sugestão que já nos havia colocado, em um número restrito de empregados, para podermos vir a fazer parte da sociedade que estava em formação na Guarda, uma fábrica de iogurtes, com a qual o filho Fernando Oliveira, então a completar o curso de Economia, não concordava, me demoveram da intenção de seguir novo rumo. Tinha eu então adquirido um Opel Kadett usado com que já me podia deslocar, mas a Seguradora entregou-me também a parte comercial da empresa nos distritos de Castelo Branco e Guarda, e, confiou-me uma viatura nova – um Simca 1100, que trouxe de Lisboa, após ter completado uma formação.
E assim se transformou uma vida que iria desenvolver-se, em grande parte, na atividade no Sabugal, a partir de junho de 1973. Aqui dei ensejo a muitas amizades. De uma vida de sedentário quase passou a nómada, tais foram as várias moradas que tive que posteriormente conseguir.
Em agosto desse ano de 1973 estava já eu com um grupo de clientes e um agente a tomar umas cervejas à noite, na Sacor do Sabugal, antes de regressar à Covilhã. Ouvia na televisão, ainda a preto e branco, o ministro Veiga Simão a anunciar a reforma do ensino. E qual não foi a minha alegria ao ouvir a criação de vários Institutos Politécnicos, anunciando o primeiro na Covilhã, que hoje é a Universidade da Beira Interior, logo seguido de outros. De regresso à minha cidade, e com a responsabilidade comercial nos referidos distritos, bem como a gestão dum escritório afeto aos mesmos, foi um enriquecimento de conhecimentos, de amizades, de entusiasmo no que fazia, cabendo-me a formação de agentes ainda limitados a contratos com as condições gerais das seguradoras uniformes onde a liberalização só viria a surgir após a Revolução dos Cravos. Os seguros obrigatórios ainda eram inexistes, o único era o de acidentes de trabalho. Viria a surgir o primeiro seguro obrigatório de Caçadores e depois o do ramo Automóveis, sendo que ainda não havia seguros multirriscos de habitação.
Todas as facetas duma nova vida que se prolongaria por mais de quatro décadas, levaram-me a muitos recantos do país numa viragem que já não se coadunava com o mugir dos bois do Soito, mas projetaram-me também para viagens ao estrangeiro.
Embora a vida tenha seguido outro rumo, guardo no coração as amizades e aprendizagens que construí no Soito. Este capítulo foi essencial para moldar a minha trajetória. No Sabugal não posso esquecer as boas gentes sabugalenses com que viria a gerar negócios e amizades verdadeiras, tais como Alcino Monteiro, Raul e Luís Rastreiro, da empresa de camionagem já referida, António José Natário e outros.
João de Jesus Nunes
jjnunes6200@gmail.com
(In “Cinco Quinas”, de dezembro de 2024)
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