19 de novembro de 2025

ENVELHECER COM MEMÓRIA: DESAFIOS DA SAÚDE MENTAL E DA DOENÇA DE ALZHEIMER



 

Decorridos mais de cem anos, a Ciência ainda não conseguiu encontrar o mecanismo exato que provoca a doença de Alzheimer e, consequentemente, os meios adequados para a sua prevenção e tratamento.

Envelhecer não é, contudo, sinónimo de perda de autonomia cognitiva e funcional. É importante agir, individual e coletivamente, para a evitar. Uma das ações fundamentais é o reconhecimento dos fatores de risco potencialmente modificáveis – aqueles que podemos controlar e que nos permitem agir de forma preventiva.

Quando alguém que não vemos há muito tempo nos diz “não mudaste nada”, sabemos que apenas quer dizer que somos reconhecíveis, apesar das mudanças inevitáveis que o tempo provoca.

Envelhecer bem, sem demência, implica perder alguma rapidez mental, ser talvez menos criativo do que os jovens adultos, menos aventureiro e menos ávido de novidade do que os adolescentes – tendencialmente mais repetitivo e voltado para o passado. Mantêm-se, no entanto, a capacidade de aprender, de acumular conhecimento e de o relacionar com o já adquirido, bem como a vontade de revisitar grande parte do que sempre nos apaixonou.

“Demência” não é sinónimo de “doença de Alzheimer”, embora, na prática, os termos sejam frequentemente usados de forma indistinta.

Entende-se por demência a perda de capacidades cognitivas e funcionais previamente adquiridas, provocadas por uma doença que conduz à degeneração do cérebro.

O cérebro adulto pesa entre 1,1 e 2 Kg e estima-se que contenha 86 mil milhões de neurónios.

É sabido que, com a idade, ocorre perda de capacidade de memorização e diminuição da velocidade de processamento da informação.

Entre os fatores de risco mais comuns para a doença cerebrovascular encontram-se a idade, a hipertensão arterial, a diabetes, a obesidade, o tabagismo e o consumo excessivo de álcool.

A perda do sentido do “eu”, da identidade biográfica, é uma das marcas mais profundas da doença de Alzheimer, na qual o passado se apaga progressivamente, desfazendo a linha de memórias que construímos ao longo da vida – memórias evocadas, modificadas e readquiridas em ciclos contínuos.

Platão, pela voz de Diotima de Mantineia, em O Banquete (384 a.C.), antecipou o que a Neurociência viria a provar muitos séculos depois:

“Aquilo a que se chama estudar é como um conhecimento que se deixa partir, pois o esquecimento é a saída do conhecimento, e o estudo, fabricando de novo uma nova memória em substituição da antiga, salva o conhecimento, de tal modo que ele parece ser o mesmo”.

A doença de Alzheimer deve o seu nome a Alois Alzheimer, que, no início do século XX, descreveu as principais alterações patológicas observadas no cérebro dos doentes.

Essas alterações começam muito antes dos primeiros sintomas – um intervalo que pode ir de 15 a 30 anos –, constituindo um dos maiores desafios para o tratamento e diagnóstico precoce.

Os sintomas iniciais surgem de forma insidiosa e variável. A dificuldade crescente na conversação, o esquecimento frequente e o isolamento subsequente podem conduzir a tristeza e apatia. As perdas cognitivas são progressivas e cumulativas.

O envelhecimento é, de facto, o principal fator de risco para a perda cognitiva, uma vez que o cérebro acumula danos ao longo da vida.

A perda auditiva relacionada com a idade – presbiacusia – é uma condição neurossensorial progressiva, bilateral e simétrica, que afeta cerca de um terço das pessoas acima dos 65 anos. Habitualmente manifesta-se a partir dos 40 anos e, aos 80, atinge entre 50 e 80% dos indivíduos.

A hipertensão arterial na meia-idade é reconhecida como fator de risco de demência em idade avançada. Idealmente, a tensão arterial deve situar-se abaixo de 120/80 mmHg; valores acima de 135-140/85-90 mmHg indicam hipertensão.

Também a diabetes aumenta o risco de demência, agravando-o com a duração e a gravidade da doença.

A obesidade – definida por um índice de Massa Corporal (IMC) > 30 – tem vindo a aumentar em todos os grupos etários, incluindo entre os mais idosos.

A prática do exercício físico associa-se consistentemente à redução do risco de demência, segundo diversos estudos longitudinais. É essencial manter a atividade física ao longo de toda a vida.

Embora o tabagismo seja, por si só, um fator de risco de demência, é sobretudo causa de morte prematura.

Os danos cerebrais provocados pelo consumo excessivo de álcool são igualmente conhecidos há muito. Considera-se consumo excessivo acima de 21 unidades por semana (uma unidade equivale a 10 ml ou 8 g de álcool puro).

A depressão e a ansiedade são duas das patologias mais frequentes na sociedade moderna.

 Sigmund Freud (1856-1939), “pai” da Psicanálise, atribuiu, no ensaio O Mal-Estar na Civilização, o neuroticismo crescente das sociedades à repressão dos instintos primários de frustrações impostas pela vida em sociedade, assistindo-se à repressão dos instintos primários, particularmente os sexuais, em nome das exigências coletivas da vida em sociedade.

O isolamento social é outro dos males silenciosos da modernidade.

Segundo os Censos de 2021, mais de um milhão de pessoas em Portugal viviam sós – sendo meio milhão idosos. A solidão na velhice é difícil de ultrapassar e tem forte impacto na saúde física e mental: dias inteiros sem conversas, longas horas de televisão, sentimentos de desesperança e de não pertença. Na Europa, 40% das mulheres idosas vivem sós, contra 19% dos homens.

As perturbações de sono também surgem associadas ao aumento do risco de Alzheimer e outras demências. O risco é maior quando a duração do sono é inferior a cinco horas. O ideal, segundo alguns autores, situa-se entre cinco e sete horas diárias. A apneia do sono, por seu turno, é um fator de risco reconhecido para doenças cardíacas, morte súbita e demências.

Envelhecemos todos de maneira diferente – resultado da genética e dos múltiplos fatores ambientais a que estivemos expostos ao longo da vida. Por isso, pessoas da mesma idade podem apresentar níveis de capacidade cognitiva muito distintos.

A alimentação tem um papel essencial, tanto no desenvolvimento saudável como na prevenção de doenças. O saber ancestral – quando semear, o que colher e quando, o que pescar e como alimentar os animais – faz parte da nossa herança de saúde e de equilíbrio.

Como refere a psicóloga clínica Catarina Ruas Antunes,

“Existe uma rede de (des)informação sobre a doença mental e temas que foram outrora tabu, mas que hoje fazem parte da narrativa quotidiana e das tecnologias de pesquisa avançada”.

O Dia Mundial da Saúde Mental celebra-se a 10 de outubro – uma oportunidade para refletirmos sobre a importância de cuidar da mente, em todas as idades.

Fonte: “Quando a Memória Falha”, de Belina Nunes e Álvaro Machado – neurologistas.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “O Olhanense”, de 15-11-2025)

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