A história da Covilhã é
inseparável da lã. Desde tempos imemoriais, entre ribeiras encaixadas e
encostas agrestes da Serra da Estrela, este território desenvolveu uma ligação
profunda à indústria têxtil, que moldou a sua economia, a sua organização
social e até a sua paisagem humana. Embora não existam provas definitivas de
produção têxtil na época romana, a tradição industrial começou a ganhar
contornos mais sólidos durante a ocupação muçulmana, período em que os mouros
introduziam o pisão mecânico – a então chamada maceira – utilizada
durante séculos nas ribeiras da Degoldra e da Carpinteira.
Estas oficinas de pisões, movidas
pela força hidráulica e dedicadas ao feltramento da lã, testemunhavam uma
atividade que, entre cardar, fiar, tecer e pôr ao pisão, elevou a Covilhã a um
dos mais importantes centros têxteis da Península. Mais tarde, com a instalação
da Fábrica Real fundada por D. Pedro II e, posteriormente, da Fábrica Real
Nova, criada pelo Marquês de Pombal, consolidava-se uma tradição que marcava
gerações.
Paralelamente ao desenvolvimento
económico, a Covilhã afirmava-se como um concelho dinâmico e com forte sentido
comunitário. O seu primeiro foral, concedido por D. Sancho I em 1186, não criou
uma estrutura administrativa do nada; veio antes reconhecer e organizar uma
autonomia que já existia, herdade dos usos e costumes de Salamanca. Essa
identidade municipal foi reforçada quando o modelo de Salamanca foi substituído
pelo de Ávila, ampliando direitos e deveres dos seus habitantes.
O território concelhio era
vastíssimo, estendendo-se da Torre da Serra da Estrela até ao Tejo, pelas Portas
de Ródão. Incluía áreas que, por iniciativa régia e pela ação dos próprios
alcaides, deram origem a novas povoações, como Sortelha, fundada após concessão
de terras por pedido de D. Sancho I. Já Belmonte, surgida do antigo Centum-Cellas,
manteve durante longos anos uma relação jurisdicional particular: embora sob
influência da Mitra de Coimbra, as suas decisões judiciais continuavam a subir
em grau para os juízes da Covilhã.
Mas a força do concelho não
residia apenas na administração. Os covilhanenses participaram ativamente em
momentos cruciais da história nacional: da jornada de Ceuta aos levantamentos contra
Filipe IV, passando pela defesa das suas fronteiras medievais. A Covilhã,
embora dedicada à produção de lanifícios, nunca deixou de erguer a bandeira da
soberania e da justiça quando necessário.
É neste contexto que surgem os
conflitos com os Templários de Castelo Branco, que procuraram alargar os seus
domínios, impondo portagens abusiva aos munícipes da Covilhã. O choque culminou
num combate na zona da atual Póvoa de Rio de Moinhos, onde a Covilhã saiu
vitoriosa. A arbitragem posterior, registada em 1230 no Mosteiro de Santa Maria
de Ozezar, viria a confirmar que o concelho covilhanense tinha razão na defesa
dos seus limites.
Assim se desenha uma Covilhã que
não é apenas a “cidade dos lanifícios”, mas uma terra de autonomia, ousadia e
memória. Uma comunidade que ao longo dos séculos, soube conjugar engenho,
trabalho e resistência – ingredientes essenciais para construir uma identidade
que resiste às intempéries do tempo.
A Covilhã, outrora denominada A Manchester Portuguesa, transformou-se profundamente
nas últimas décadas. Sem perder a herança industrial que marcou a sua
identidade – visível nas antigas fábricas, nas ribeiras e na memória operária –
a cidade reinventou-se como um polo de conhecimento, inovação e tecnologia.
Hoje, a Covilhã é amplamente
reconhecida como cidade do saber, graças ao papel decisivo da Universidade
da Beira Interior (UBI). A UBI trouxe dinamismo juvenil, investigação de ponta, novos cursos e
centros de estudo, impulsionando áreas como a saúde, aeronáutica,
engenharias, artes e ciências sociais. Esta presença universitária revitalizou
a economia local, a cultura e a vida urbana, tornando a Covilhã mais
cosmopolita, criativa e aberta ao futuro.
Assim, a Covilhã contemporânea é
uma cidade que une tradição e modernidade: honra o passado dos
lanifícios, mas afirma-se cada vez mais como território de conhecimento,
inovação e oportunidades para toda a região.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de 01-12-2025)

Sem comentários:
Enviar um comentário