4 de dezembro de 2025

COVILHÃ – UMA HISTÓRIA DE LÃ, FRONTEIRAS, IDENTIDADE E A SUA UNIVERSIDADE


 

A história da Covilhã é inseparável da lã. Desde tempos imemoriais, entre ribeiras encaixadas e encostas agrestes da Serra da Estrela, este território desenvolveu uma ligação profunda à indústria têxtil, que moldou a sua economia, a sua organização social e até a sua paisagem humana. Embora não existam provas definitivas de produção têxtil na época romana, a tradição industrial começou a ganhar contornos mais sólidos durante a ocupação muçulmana, período em que os mouros introduziam o pisão mecânico – a então chamada maceira – utilizada durante séculos nas ribeiras da Degoldra e da Carpinteira.

Estas oficinas de pisões, movidas pela força hidráulica e dedicadas ao feltramento da lã, testemunhavam uma atividade que, entre cardar, fiar, tecer e pôr ao pisão, elevou a Covilhã a um dos mais importantes centros têxteis da Península. Mais tarde, com a instalação da Fábrica Real fundada por D. Pedro II e, posteriormente, da Fábrica Real Nova, criada pelo Marquês de Pombal, consolidava-se uma tradição que marcava gerações.

Paralelamente ao desenvolvimento económico, a Covilhã afirmava-se como um concelho dinâmico e com forte sentido comunitário. O seu primeiro foral, concedido por D. Sancho I em 1186, não criou uma estrutura administrativa do nada; veio antes reconhecer e organizar uma autonomia que já existia, herdade dos usos e costumes de Salamanca. Essa identidade municipal foi reforçada quando o modelo de Salamanca foi substituído pelo de Ávila, ampliando direitos e deveres dos seus habitantes.

O território concelhio era vastíssimo, estendendo-se da Torre da Serra da Estrela até ao Tejo, pelas Portas de Ródão. Incluía áreas que, por iniciativa régia e pela ação dos próprios alcaides, deram origem a novas povoações, como Sortelha, fundada após concessão de terras por pedido de D. Sancho I. Já Belmonte, surgida do antigo Centum-Cellas, manteve durante longos anos uma relação jurisdicional particular: embora sob influência da Mitra de Coimbra, as suas decisões judiciais continuavam a subir em grau para os juízes da Covilhã.

Mas a força do concelho não residia apenas na administração. Os covilhanenses participaram ativamente em momentos cruciais da história nacional: da jornada de Ceuta aos levantamentos contra Filipe IV, passando pela defesa das suas fronteiras medievais. A Covilhã, embora dedicada à produção de lanifícios, nunca deixou de erguer a bandeira da soberania e da justiça quando necessário.

É neste contexto que surgem os conflitos com os Templários de Castelo Branco, que procuraram alargar os seus domínios, impondo portagens abusiva aos munícipes da Covilhã. O choque culminou num combate na zona da atual Póvoa de Rio de Moinhos, onde a Covilhã saiu vitoriosa. A arbitragem posterior, registada em 1230 no Mosteiro de Santa Maria de Ozezar, viria a confirmar que o concelho covilhanense tinha razão na defesa dos seus limites.

Assim se desenha uma Covilhã que não é apenas a “cidade dos lanifícios”, mas uma terra de autonomia, ousadia e memória. Uma comunidade que ao longo dos séculos, soube conjugar engenho, trabalho e resistência – ingredientes essenciais para construir uma identidade que resiste às intempéries do tempo.

A Covilhã, outrora denominada A Manchester Portuguesa, transformou-se profundamente nas últimas décadas. Sem perder a herança industrial que marcou a sua identidade – visível nas antigas fábricas, nas ribeiras e na memória operária – a cidade reinventou-se como um polo de conhecimento, inovação e tecnologia.

Hoje, a Covilhã é amplamente reconhecida como cidade do saber, graças ao papel decisivo da Universidade da Beira Interior (UBI). A UBI trouxe dinamismo juvenil, investigação de ponta, novos cursos e centros de estudo, impulsionando áreas como a saúde, aeronáutica, engenharias, artes e ciências sociais. Esta presença universitária revitalizou a economia local, a cultura e a vida urbana, tornando a Covilhã mais cosmopolita, criativa e aberta ao futuro.

Assim, a Covilhã contemporânea é uma cidade que une tradição e modernidade: honra o passado dos lanifícios, mas afirma-se cada vez mais como território de conhecimento, inovação e oportunidades para toda a região.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

 

(In “O Olhanense”, de 01-12-2025)

 

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