“Quero falar com o Sr. Campos Melo” – Foi assim que o então decano dos jornalistas portugueses e, nesta actividade, o mais velho do mundo (94 anos na altura), com uma juventude a caminho do centenário, ao qual viria a conseguir chegar, em 2002 – e, pouco depois, passaria para a outra margem da vida – se dirigiu telefonicamente ao autor destas linhas.
Corria o ano de 1996 e o lapso de memória deveu-se ao facto do popular Fernando Pessa ter confundido o nome do subscritor que assinava a carta-convite, da Associação a que o mesmo presidia, para apadrinhar uma homenagem aos mais antigos da Covilhã e seu concelho, das várias actividades económicas, e cujo documento encimava com o timbre que também tinha o nome Campos Melo.
Efectivamente, o criador da célebre expressão: “E esta, hein?”, acabaria por não se deslocar à Covilhã, apesar de termos conseguido a sua anuência, porquanto o Presidente da Câmara de então, a quem previamente lhe colocámos o nosso alvitre, e nos mandou avançar, acabaria por nos deixar sozinhos no terreno.
A homenagem que sugerimos, com o apadrinhamento do nonagenário e prestigiado Fernando Pessa, visava, duma forma tão simples quanto inédita, juntar, de uma só vez, as figuras com mais anos de trabalho, nesta cidade e concelho, como covilhanenses, de raiz ou pelo coração, que ainda se mantinham em actividade, há muitos anos, dedicando o seu melhor e a sua vida ao serviço das várias tarefas em prol da Covilhã (das mais complexas às mais simples).
Seriam, pois, os mais antigos covilhanenses, de ambos os sexos, que representariam, cada um, uma única actividade: a INDÚSTRIA, nas várias vertentes (lanifícios, hoteleira, confecções, transportes auto, reparações auto, construção civil, alfaiataria, cabeleireiro, barbearia, carpintaria, marcenaria, entre outras, existentes no concelho); o COMÉRCIO: o velho merceeiro, comerciante de café e pastelaria, de pronto-a-vestir, como de retrosaria, o livreiro, papelaria, até ao vendedor ambulante; AGRICULTURA: o mais velho dos agricultores, como do negociante em pecuária; o ENSINO: o mais idoso professor do ensino básico, do secundário e do superior; os SERVIÇOS: médico, enfermeiro, seguros, bancos; a PROFISSÃO LIBERAL: advogado, contabilista, etc.; o RELIGIOSO: sacerdote, missionário(a), freira; o PÚBLICO: serviços de segurança (PSP.GNR), funcionário autárquico, do sistema fiscal, da Segurança Social; MOVIMENTO ASSOCIATIVO: o mais antigo associado de todas as colectividades e associações; a DONA DE CASA (em representação de todas).
Não se tratava duma utopia mas duma proposta interessante de reconhecer, no mundo laboral – juntando a força empresarial e a sua mão-de-obra – entidade patronal e trabalhador – quem se dedicou longos anos ao dirigismo, no ruído dos teares, nos milhares de quilómetros pelas estradas fora, na sementeira, trabalho e recolha dos produtos agrícolas, na formação de alunos, no tratamento das doenças, na religiosidade (embora não seja uma actividade profissional), no tratamento das lides caseiras, enfim, com a presença sempre alegre e de um grande humor, como era o popular jornalista, Fernando Pessa, que se faria acompanhar da televisão.
Restou-nos a sua despedida, pelo telefone: “Olhe, quando vier a Lisboa, telefone-me para irmos comer uma feijoada e contar umas anedotas...”
Vem isto a propósito da crónica que direccionámos hoje para os mais antigos da Rua Direita, desta vez, na sua qualidade exclusiva de servidores no mundo laboral.
De facto, o mais antigo empregado duma casa comercial sediada nesta rua, ainda no activo, dá pelo nome de JOSÉ MANUEL BRITO.
Sempre na Casa Dinis, onde entrou com 13 anos, e acabaria por casar com uma sua colega, este veterano já vai em quase meio século de trabalhador por conta de outrem e, nos seus 48 anos de ligação aquela casa comercial, está como o Vinho do Porto, cada vez mais activo a trabalhar.
Isto contrasta com outros mais novos, que, fruto de reformas antecipadas, passeiam nessa condição, pela Rua Direita, quando há tanto trabalho a desenvolver, ainda que gratuito, no meio associativo e até da solidariedade social, cada vez mais necessária nos dias de hoje.
Pois, o JOSÉ MANUEL, como é conhecido, além da sua “enxada” quotidiana, ainda se dedica ao associativismo, tendo pertencido a vários elencos, já lá vão 40 anos, no GIR do Rodrigo, sendo o seu esforço inegável na colaboração que tem prestado em várias actividades desenvolvidas por esta colectividade de prestígio.
E, como não sabe dizer não a quem dele se abeira, também participou no trabalho de colaboração nas profundas obras de melhoramentos na Capela do Bairro do Rodrigo.
Tem três filhos que se orgulham do pai – um exemplo de trabalhador.
Demos como referência o mais velho dos empregados num estabelecimento comercial da Rua Direita, como poderia ter sido noutro serviço.
Não podemos, nem é esta a intenção, falar de todos quantos têm também muitos anos de serviço no mundo do trabalho, isso seria impensável, pois outros há, como sempre houve, pelo que falamos somente no que é mais antigo.
Fazemos aqui uma pequena excepção, já que AURÉLIA COUTO GABRIEL COSTA, igualmente empregada numa casa comercial na Rua Direita – A Casa Fael – também já leva 46 anos de atendimento ao balcão. E só na Rua Direita.
Dois exemplos de bons trabalhadores.
(In “Notícias da Covilhã”, de 11/04/2003)
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