Na Covilhã a forma de viver foi a encarnação no seu meio
ambiente. Noutros tempos, forte no comércio citadino, desenvolvida na indústria
laneira, o trabalho foi de uma tenaz vontade.
Incomparável o tempo de outrora com a vivência na
atualidade. A mão-de-obra em abundância, inserida num contexto de aprendizagem
para que se estava inclinado, deu lugar, hoje, na generalidade, à procura de
algo ocupacional, independente do vocacional. Muitos descuraram a futurologia; as
novas tecnologias surgiram como um raio. O País quase sempre afocinhado por lobos
vestidos de pele de cordeiro. O verdadeiro rebanho continua, como dantes, na servidão
da injustiça salarial.
Naqueles tempos – anos cinquenta – para os lados da
Pousadinha, algumas raparigas cantavam, aos domingos, enquanto faziam o seu
enxoval, sentadas numa laje, ao sol: “Olha
a mala; olha a mala; olha a malinha de mão; não é tua nem é minha; é do nosso
hidroavião, etc., etc.” e outras cantigas da altura. Os casamentos, a pé,
num cortejo até à antiga Igreja de Aldeia do Carvalho, pela estrada fora, de terra
batida, obrigavam a palmilhar ainda alguns milhares de metros. No regresso, a
boda na casa familiar. Continuava no segundo dia. Da ementa constavam quatro
pratos. Vingavam-se os estômagos. E a parição era no domicílio. Chamava-se uma
“parteira” já avezada nestas andanças. O puto crescia entre pinheiros, figueiras,
cerejeiras, pequenas hortas e caminhos algo pedregosos, regos de água, mas
também entre cravos e rosas e flores campestres. Rodeavam a casa as pombas, pintos,
galos, galinhas, coelhos, e, um tanto ou quanto afastado, o curral de porcos.
Não faltavam os cães e gatos.
Aos sábados, a vez de se ir ao mercado municipal, vulgo,
praça; à mercearia e padaria. No regresso havia que se tomar lugar na carreira
do José Nunes Correia & Filhos, Lda.
Muitas fábricas de lanifícios então na Covilhã. Mas também
havia a metalomecânica.
Outra atividade profissional citadina, usual ao tempo – as empregadas
domésticas, de seus aventais brancos.
Mais duma centena de fábricas eram as que circundavam a
cidade, junto às ribeiras da Carpinteira, da Degoldra e ribeiro de Flandres. A
azáfama do operariado na sua faina: tecelões, afinadores, caneleiros, pegadores
de fios, “rebola caixotes”, motoristas, etc…
Na rua os maleiros levavam as malas para os hotéis. O “rei
da Alemanha” passava, gazeado, e, do outro lado da rua, ouvia-se o apito do
amola-tesouras, que também consertava guarda-chuvas. Noutra rua, travessa ou
beco, o farrapeiro do Dominguiso, de saco de serapilheira às costas, apregoava:
“peles de coelho ou farrapos!”.
Os ardinas, de sacola ao ombro, ligeiros pelo Pelourinho, a
apregoar o Record, a A Bola, o Século, Século Ilustrado, Diário Popular ou do
Diário de Notícias.
Os vendedores ambulantes de miudezas (sabonetes, elásticos,
pentes, espelhos de bolso), com o seu tabuleiro prendido com uma alça ao
pescoço, giravam à porta da praça; no entanto Chico gravateiro avançava até ao
Pelourinho. Aqui, também o Ribeiro dos tabacos. De mala de metal na mão, caminhava
cauteloso o Pardal, procurando compradores de ouro, enquanto o Humberto vendia
cautelas.
Junto à antiga biblioteca municipal, ao jardim, passava a
Batistinha dos rebuçados “Avenca”, que vendia na rua, de chinelos e cesta de verga
enfiada no braço, baixinha, e sempre de bata.
Volvida uma década, no auge da emigração, eram como as
formigas: homens e mulheres saiam ansiosos da Câmara Municipal, com os papéis
na mão já tratados, para rumarem a França, Alemanha, Suíça, Luxemburgo.
A ocupação dos
territórios portugueses de Goa, Damão e Diu pela União Indiana em 18 de
dezembro de 1961, que depois se seguiu o início das guerras em África, não
deixavam de atormentar os covilhanenses. As manifestações de apoio à política
ultramarina e repúdio pelo que ia acontecendo a Portugal enchiam com
naturalidade a Praça do Município.
Surge a década de setenta e, no 25 de abril e 1.º de maio, a
enchente do Pelourinho é ainda maior. Era o tempo de viragem.
O povo covilhanense entra em êxtase em 1977 com a estreia da
primeira telenovela brasileira – “Gabriela, Cravo e Canela”, substituindo as
sessões de esclarecimento do PREC.
Na primeira metade da década de 80 surge na RTP a série
televisiva “DALLAS”, com o J.R e a sua mulher, Sue Ellen. Foram 357 episódios
que terminaram na década seguinte.
As novas tecnologias iam surgindo com aceleramento. E nem
todos as acompanhavam. A Covilhã também foi um dos concelhos em que sentiu
grande adversidade nas múltiplas crises que iam surgindo. Quando se pensava que
ia haver uma vida nova, risonha, áurea, mais feliz, mais tranquila, de
esperança, futuro para os filhos e netos, retrocede-se. Surge o novo milénio e
o que vemos? Já toda a gente é conhecedora do estado a que isto chegou. São
ainda pertinentes as palavras de Salgueiro Maia.
Ainda pior: a falta de confiança nos governantes sejam a
nível do Governo central, ou da autarquia local.
É fartar, vilanagem.
(In "fórum Covilhã", de 16-07-2015)
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