16 de junho de 2015

VIVÊNCIA CITADINA – DE ONTEM PARA HOJE

Na Covilhã a forma de viver foi a encarnação no seu meio ambiente. Noutros tempos, forte no comércio citadino, desenvolvida na indústria laneira, o trabalho foi de uma tenaz vontade.
Incomparável o tempo de outrora com a vivência na atualidade. A mão-de-obra em abundância, inserida num contexto de aprendizagem para que se estava inclinado, deu lugar, hoje, na generalidade, à procura de algo ocupacional, independente do vocacional. Muitos descuraram a futurologia; as novas tecnologias surgiram como um raio. O País quase sempre afocinhado por lobos vestidos de pele de cordeiro. O verdadeiro rebanho continua, como dantes, na servidão da injustiça salarial.
Naqueles tempos – anos cinquenta – para os lados da Pousadinha, algumas raparigas cantavam, aos domingos, enquanto faziam o seu enxoval, sentadas numa laje, ao sol: “Olha a mala; olha a mala; olha a malinha de mão; não é tua nem é minha; é do nosso hidroavião, etc., etc.” e outras cantigas da altura. Os casamentos, a pé, num cortejo até à antiga Igreja de Aldeia do Carvalho, pela estrada fora, de terra batida, obrigavam a palmilhar ainda alguns milhares de metros. No regresso, a boda na casa familiar. Continuava no segundo dia. Da ementa constavam quatro pratos. Vingavam-se os estômagos. E a parição era no domicílio. Chamava-se uma “parteira” já avezada nestas andanças. O puto crescia entre pinheiros, figueiras, cerejeiras, pequenas hortas e caminhos algo pedregosos, regos de água, mas também entre cravos e rosas e flores campestres. Rodeavam a casa as pombas, pintos, galos, galinhas, coelhos, e, um tanto ou quanto afastado, o curral de porcos. Não faltavam os cães e gatos.
Aos sábados, a vez de se ir ao mercado municipal, vulgo, praça; à mercearia e padaria. No regresso havia que se tomar lugar na carreira do José Nunes Correia & Filhos, Lda.
Muitas fábricas de lanifícios então na Covilhã. Mas também havia a metalomecânica.
Outra atividade profissional citadina, usual ao tempo – as empregadas domésticas, de seus aventais brancos.
Mais duma centena de fábricas eram as que circundavam a cidade, junto às ribeiras da Carpinteira, da Degoldra e ribeiro de Flandres. A azáfama do operariado na sua faina: tecelões, afinadores, caneleiros, pegadores de fios, “rebola caixotes”, motoristas, etc…
Na rua os maleiros levavam as malas para os hotéis. O “rei da Alemanha” passava, gazeado, e, do outro lado da rua, ouvia-se o apito do amola-tesouras, que também consertava guarda-chuvas. Noutra rua, travessa ou beco, o farrapeiro do Dominguiso, de saco de serapilheira às costas, apregoava: “peles de coelho ou farrapos!”.
Os ardinas, de sacola ao ombro, ligeiros pelo Pelourinho, a apregoar o Record, a A Bola, o Século, Século Ilustrado, Diário Popular ou do Diário de Notícias.
Os vendedores ambulantes de miudezas (sabonetes, elásticos, pentes, espelhos de bolso), com o seu tabuleiro prendido com uma alça ao pescoço, giravam à porta da praça; no entanto Chico gravateiro avançava até ao Pelourinho. Aqui, também o Ribeiro dos tabacos. De mala de metal na mão, caminhava cauteloso o Pardal, procurando compradores de ouro, enquanto o Humberto vendia cautelas.
Junto à antiga biblioteca municipal, ao jardim, passava a Batistinha dos rebuçados “Avenca”, que vendia na rua, de chinelos e cesta de verga enfiada no braço, baixinha, e sempre de bata.
Volvida uma década, no auge da emigração, eram como as formigas: homens e mulheres saiam ansiosos da Câmara Municipal, com os papéis na mão já tratados, para rumarem a França, Alemanha, Suíça, Luxemburgo.
A ocupação dos territórios portugueses de Goa, Damão e Diu pela União Indiana em 18 de dezembro de 1961, que depois se seguiu o início das guerras em África, não deixavam de atormentar os covilhanenses. As manifestações de apoio à política ultramarina e repúdio pelo que ia acontecendo a Portugal enchiam com naturalidade a Praça do Município.
Surge a década de setenta e, no 25 de abril e 1.º de maio, a enchente do Pelourinho é ainda maior. Era o tempo de viragem.
O povo covilhanense entra em êxtase em 1977 com a estreia da primeira telenovela brasileira – “Gabriela, Cravo e Canela”, substituindo as sessões de esclarecimento do PREC.
Na primeira metade da década de 80 surge na RTP a série televisiva “DALLAS”, com o J.R e a sua mulher, Sue Ellen. Foram 357 episódios que terminaram na década seguinte.
As novas tecnologias iam surgindo com aceleramento. E nem todos as acompanhavam. A Covilhã também foi um dos concelhos em que sentiu grande adversidade nas múltiplas crises que iam surgindo. Quando se pensava que ia haver uma vida nova, risonha, áurea, mais feliz, mais tranquila, de esperança, futuro para os filhos e netos, retrocede-se. Surge o novo milénio e o que vemos? Já toda a gente é conhecedora do estado a que isto chegou. São ainda pertinentes as palavras de Salgueiro Maia.
Ainda pior: a falta de confiança nos governantes sejam a nível do Governo central, ou da autarquia local.
É fartar, vilanagem.

(In "fórum Covilhã", de 16-07-2015)

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