26 de julho de 2017

OS 100 ANOS DA BIBLIOTECA MUNICIPAL DA COVILHÃ

Está sendo comemorado o centenário da Biblioteca Municipal da Covilhã, que fora então uma lufada de ar fresco que as gentes covilhanenses quiseram dar à cultura citadina, no decorrer da primeira guerra mundial, em tempo de acentuada iliteracia (47 por cento era a percentagem de analfabetos entre os emigrantes, com 54 por cento de homens).
Sete anos após a implantação da República; no meio de uma crise política em que o Presidente da Câmara era José Maria de Melo Geraldes, e Veríssimo Alfredo de Sousa Brás, na renovação da Comissão Executiva; a Biblioteca Municipal da Covilhã abriu ao público em 23 de julho de 1917 conforme consta da 24ª sessão da Comissão Executiva, dirigida por Fernando Henriques da Cruz (embora tenha sido fundada em 1916).
A Covilhã dos lanifícios, penalizada pelas crises, e com alguns dos seus filhos a participarem na 1.ª Grande Guerra (saindo do Regimento de Infantaria 21, sediado na Covilhã), não soçobrava, e, naqueles tempos em que o futebol ainda só espreitava oportunidade de surgir por estas bandas, já existiam homens de grande talento e assaz dinamismo que enobreceram a Covilhã; como José Maria de Campos Melo, quer na direção da empresa de lanifícios – Fábrica Velha –quer como Comandante dos Bombeiros da Covilhã, e que, à data de 1917 era professor na Escola Industrial (depois de ter sido o 2.º diretor, interino), fundada por seu pai, José Maria Veiga da Silva Campos Melo.
Também já existia uma importante biblioteca na Covilhã; pertencente à Real Associação da Infância Desvalida, mais tarde designada Associação Protetora da Infância da Covilhã, mais conhecida por Asilo; que se chamou “Biblioteca Heitor Pinto”. Funcionou numa dependência desta Associação, tendo sido inaugurada em 4 de junho de 1882. Ainda conheci esta biblioteca, atualmente integrada na Biblioteca Municipal, uma vez que foi no Asilo onde eu frequentei o ensino primário, então destinado a escola primária, até ao ano de 1986. Foi, na altura, uma das mais importantes bibliotecas do País, a seguir a Lisboa, Porto e Coimbra.
Se quando se abriram as portas da Biblioteca da Covilhã, situada nas antigas escolas centrais, se denominou Biblioteca Popular, nessa altura com um acervo de 2350 volumes, passados pouco mais de três meses, a 4 de outubro, já se passava a chamar Biblioteca Municipal. E foi a cidade laneira que viria a ser dos primeiros municípios a ver instituída uma biblioteca pública, tendo em conta que, no pós-guerra, em 1919, existiam em Portugal apenas 68 bibliotecas municipais.
Uma das ideias subjacentes à criação da Biblioteca da Covilhã foi dar oportunidade aos operários da Cidade para desenvolverem os seus hábitos de leitura, tendo-se inicialmente introduzido horários de abertura da biblioteca condizentes com essa possibilidade.
Volvida menos de uma década, em 31/12/1926, a Biblioteca possuía 5470 volumes, tendo tido 3348 leitores e 3705 volumes consultados, sendo considerada uma das melhores bibliotecas do País.
Num meu artigo publicado no Notícias da Covilhã, há 25 anos, mais propriamente em 13/11/1992, o qual encontrei inserido na exposição documental e fotográfica que se encontra patente na Biblioteca Municipal, dava nota de algumas iniciativas da mesma, dos primeiros anos, muito por iniciativa do seu primeiro bibliotecário,  Nicolau Alberto Ferreira Almeida (julho de 1917 a 30 de novembro de 1947), entre as quais, em 28/02/1926, o anúncio da  “inscrição do primeiro grupo dos Amigos da Biblioteca”, classificados em ordinários, auxiliares e beneméritos.
Em 31/05/1928, a Biblioteca já possuía 6515 volumes, e, das 61 Bibliotecas Municipais existentes no País, em 1926, segundo a estatística oficial daquele ano, a Biblioteca Municipal da Covilhã ocupava o 6.º lugar em volumes consultados, o 7.º em leitores e o 16.º em volumes existentes.
Convém notar que a população portuguesa, que em 1890 era de cerca de 5 milhões, aumentou para cerca de 6 milhões em 1920. O pequeno crescimento entre 1911 e 1920 foi devido a três fatores: emigração, pneumónica e guerra. A população trabalhadora constituía 47 por cento em 1920. Na distribuição da força do trabalho nos diferentes setores da economia, verifica-se que na indústria trabalhavam 24 por cento em 1920. Em 1917, as taxas de natalidade e mortalidade, correspondiam, respetivamente, a 30,45 e 21,54 por cento, sendo de notar que a mortalidade infantil se situava nos 41,8. O destino dos emigrantes era principalmente o Brasil e os Estados Unidos da América. Em 1917, a emigração atingia o número de 15.689.
A percentagem de analfabetos entre emigrantes decresceu, depois da guerra, num ritmo mais elevado que a taxa geral de analfabetismo, o que pode indicar uma alteração qualitativa dos emigrantes. Significa que Portugal estava a perder os trabalhadores mais qualificados.
As escolas primárias eram de 6500 em 1916, 6900 em 1920 e cerca de 7000 em 1925. A taxa de analfabetismo apenas diminuiu de 69 por cento em 1910 para 64 por cento em 1920.
O setor industrial tinha uma definição muito mais ampla do que hoje. Artesãos e pequenas oficinas eram incluídos, assim como outros trabalhadores não empregados em fábricas. A indústria portuguesa, com uma fraca estrutura, dependia do capital estrangeiro, principalmente do inglês. Em 1910, os têxteis constituíam a principal atividade industrial no País, sempre mais acentuadamente na Covilhã, mas não tinham grande peso no valor das exportações. No entanto, os têxteis desenvolveram-se durante o período de 1910/1926, de tal modo que em 1914 havia 40.000 trabalhadores no setor e 60.000 em 1930.
Atualmente somos 10.358.100 almas, pelo Censos de 2011. A Covilhã tem 51.797. Quanto a analfabetismo, felizmente, o assunto está de longe diferente para melhor. Não se registam analfabetos (ainda os há…) mas em 2011 registava-se 5,2 por cento.
Foi na Biblioteca Municipal da Covilhã, então sediada ao Jardim Público, que passei a minha infância e juventude até completar os estudos. Lá trabalhava meu Pai, José Martins Nunes, funcionário zeloso, sobejamente conhecido, desde 13/11/1950 a 21/03/1980, muitas vezes substituindo as bibliotecárias. A primeira bibliotecária licenciada foi a Drª. Maria José Borges, que, conjuntamente com José Martins Nunes, estiveram na reabertura ao público da Biblioteca Municipal, no dia 1 de setembro de 1952, com o seguinte horário: abertura – 16 horas; encerramento: 19 horas; reabertura: 20 horas; encerramento: 23 horas.  Esta bibliotecária, que conheci, esteve ao serviço da biblioteca, mesmo antes da abertura, na sua fase de catalogação e outros trabalhos preliminares, desde 9/11/1950 a 30/09/1957. Tinha assim havido um interregno com a Biblioteca encerrada, por falta de bibliotecário.
Houve depois doações de bibliotecas particulares, com relevo para a do Dr. Júlio de Melo e Matos, da Quinta da Lageosa, em 1952, composta por 5801 obras em 9394 volumes, para além de algum mobiliário constituído por mesas e cadeiras, com o nome Qta da Lageosa, que durante muitos anos integravam uma sala quase exclusiva. Ao longo dos tempos, várias têm sido as doações feitas à Biblioteca Municipal, tendo eu também feito uma doação de 26 compilações, em 12/12/2008, que se encontram para consulta no Arquivo Municipal, para além dos livros já publicados que se encontram na Biblioteca.
Em 1961, o criador e diretor do serviço de bibliotecas itinerantes e fixas da Fundação Calouste Gulbenkian, António José Branquinho da Fonseca, deslocou-se à edilidade covilhanense para um acordo da vinda de uma Biblioteca itinerante. Desse acordo resultou a viabilização de um orçamento da edilidade covilhanense e a Fundação Calouste Gulbenkian concedeu a título de empréstimo um lote de livros e o respetivo mobiliário.
A Biblioteca Itinerante n.º 36 da Fundação Calouste Gulbenkian desocupou a Biblioteca Municipal em 12/12/1962; e a Biblioteca fixa da mesma Fundação Calouste Gulbenkian começou a funcionar no dia 16 de maio de 1967. Veio inaugurá-la, na sala de leitura, o Dr. António Quadros. Em 1970, a Biblioteca Municipal tinha anexa, a si, a biblioteca fixa desta Fundação. Funcionavam em simultâneo, com turnos diferentes. Contavam-se, nesta altura, com 26 mil obras, sendo que 20 mil era pertença da Biblioteca Municipal. Os leitores também aumentaram, nesta década, para cerca de 10 mil.
A Biblioteca Municipal foi visitada, ainda em 1952, pelo Subsecretário da Educação Nacional, e, no dia 23/12/1959, pelo Inspetor Superior de Bibliotecas e Arquivos, Dr. Luís Silveira.
A segunda bibliotecária, Drª. Maria Celeste de Moura, entrou ao serviço da Biblioteca em 12/11/1957 até 1 de julho de 1987.

Desde 2000 que a Biblioteca Municipal da Covilhã foi transferida para um novo edifício, construído de raiz para o efeito, com todas das condições, Internet e salas próprias para estudos, conferências, colóquios, etc. O fundo documental é constituído por cerca de 90 mil volumes. Portanto, para além de um local nobre da cidade, a sua instalação também num edifício moderno e sofisticado, com vistas privilegiadas na panorâmica da Serra da Estrela e do desenvolvimento da Cidade.

( In "Notícias da Covilhã" , de 20/07/2017 (I); e "Notícias da Covilhã, de 27/07/2017 (II)

23 de julho de 2017

BIBLIOTECA MUNICIPAL DA COVILHÃ CEM VELAS NO DIA 23 DE JULHO DE 2017

Como um dos leitores mais assíduos da Biblioteca Municipal da Covilhã, dos meados dos anos 50 e 60 do século passado, e, depois, pontualmente, sempre que tinha necessidade de consultar obras alusivas aos trabalhos que tinha em mãos, é, para mim, algo de nostálgico encontrar-me hoje, neste dia vinte e três de julho do ano da graça de dois mil e dezassete, a participar no sopro das 100 velas do bolo de aniversário dos 100 anos da abertura da Biblioteca Municipal.
E isto porque, como muitos leitores antigos conheciam, foi aqui o meu primeiro local da cultura, desde a tenra idade de 6/7 anos, para além dos tempos de estudante, até que surgiu o serviço militar obrigatório.
É que havia uma Figura incontornável, sobejamente conhecida, ainda hoje lembrada por muitos, que contaria nesta data 105 anos, de seu nome José Martins Nunes (mais conhecido pelo Sr. Martins), meu saudoso Pai, que esteve ao serviço ininterrupto desta Biblioteca, neste mesmo espaço, durante 30 anos, mais concretamente, de 11 de novembro de 1950 a 21 de março de 1980, aposentando-se, portanto, com mais de 68 anos.
Pessoa de muito gosto pela cultura, não fora ele regente escolar durante muitos anos, mesmo para além das horas vagas do serviço nesta Biblioteca, levando a exame do ensino primário muitos alunos que ainda hoje, alguns deles memorizam esse tempo de seus alunos, como também aconteceu com o saudoso antigo diretor do Notícias da Covilhã, Cónego Dr. José de Almeida Geraldes.
E só o facto de ter iniciado funções na edilidade covilhanense aos 38 anos, quando a idade máxima era de 35 anos, o levou a ser prejudicado na sua carreira, só recompensada após o 25 de abril de 1974.
Para além da cultura por que pautava a sua personalidade, no fervor de uma grande religiosidade, o rigor, a disciplina e a honestidade foram vertentes da sua vida, incluindo no aspeto profissional, daí que, para a altura, era uma figura por que alguns dele abusavam, vários reconhecendo, mais tarde, o seu erro, face à sua integridade de caráter. Hoje, falam do Sr. Martins, e do Sr. Professor, como também era conhecido, com grande respeitabilidade.
Com meu Pai me desloquei, algumas vezes, ainda criança, da Pousadinha, ao cimo da Borralheira, a pé, para passar o tempo aqui, neste local, nesta Biblioteca, onde fazia desenhos, me distraía com os livros humorísticos e aos quadradinhos – o saudoso ABCZINHO – cujo início era às 16 horas e regressávamos à Pousadinha, após o encerramento, às 23 horas, a pé, pois não havia transportes nem dinheiro para ele.
Até ao Penedos Altos, e um pouco acima, na Barroca do Lobo, ainda tínhamos companhia, que era aquele formigueiro humano dos operários das fábricas de lanifícios que também terminavam os turnos às 23 horas. Eles, de lancheira na mão; elas, de malotes e xailes pelas costas.
De Verão, gostava de ver por esses caminhos fora os pirilampos, onde a iluminação elétrica escasseava; de inverno, a chuva e forte ventania amedrontava.
Depois, no tempo das feiras populares do Sporting, então no Jardim Público, o Cardona dos gelados, os muitos feirantes, foram momentos de distração durante o tempo de verão.
Mas foi aqui onde a minha cultura enraizou, pois que, desde muito novo, para além dos livros, obrigatoriamente os de estudo, foram também os jornais, de grande formato, que me absorveram, e a célebre revista Flama. Havia quase uma disputa entre os leitores pelos variados jornais, destacando-se leitores oposicionistas ao regime salazarista que tinham um fervor pela leitura do diário República.
Quando necessitava de maior recolhimento nos meus estudos, pois que na altura era prática decorar algo, como história, geografia, e outras matérias, utilizava as seções de arrecadação desta Biblioteca, cujos cantos, incluindo o desaparecido quintal, repleto de variadas flores, eram o meu refúgio apaziguador.
Foi aqui, portanto, o emergir do meu gosto pela escrita, pelas pesquisas, algo de intrínseco que já brotava comigo.
Assim, aqui vi nascer os meus primeiros artigos nos jornais, no já longínquo ano se 1964. Nunca mais parei, até hoje, com algumas interrupções por razões óbvias.
Várias vezes escrevi sobre a Biblioteca Municipal da Covilhã, nos mais de meio milhar de artigos publicados, mas há dias fiquei surpreendido, quando entrei na Biblioteca Municipal, ao deparar com um artigo meu, escrito há 25 anos, sobre esta Biblioteca, inserido na exposição documental e fotográfica alusiva aos seus 100 anos, que hoje se completam.
Depois, não pude deixar de anuir ao convite da Dr.ª Cristina, Coordenadora da Biblioteca, para hoje aqui me encontrar presente em este soprar de velas, e oferecer pedaços de reminiscências do tempo aqui passado por meu Pai, fotocópias de memórias, selecionadas sobre a Biblioteca, que deixou e que eu reuni, sendo também fontes para alguns trabalhos, como este.
São pormenores vivos desse tempo, e, como não podia deixar de ser, inserem-se os primórdios da sua vida profissional, sempre ligada ao ensino, e a forma como aqui chegou, continuando com o ensino, nas horas vagas.
 De salientar que a 1ª. Bibliotecária, Dr. Maria José Borges; depois do interregno que houve, da anterior fase da Biblioteca, com reabertura oficial em 1 de setembro de 1952; através do seu marido, Delegado do Procurador da República na Comarca da Covilhã, criou o primeiro Curso de Educação de Adultos, na Cadeia da Covilhã, destinado a ser regido por José Martins Nunes, onde lecionou durante 12 anos, antes das horas de serviço nesta Biblioteca. É obra!
Deixo estes apontamentos, extraídos das memórias de meu Pai, apontamentos escritos pelo seu próprio punho, antes de falecer, e, bem assim, dois artigos que escrevi sobre esta Biblioteca Municipal, sendo que um deles saiu parcialmente no último Notícias da Covilhã, de 20/07/2017, sendo publicado o restante no próximo número, daí que deixo também o texto completo.

Covilhã, no Centenário da Biblioteca Municipal da Covilhã, aos 23 de julho de 2017

                                                                            João de Jesus Nunes



16 de julho de 2017

Apresentação do livro “História do Sporting Clube da Covilhã – 1923- 1990”, de Miguel Saraiva, no Salão Nobre da Câmara Municipal da Covilhã, no dia 15/07/2017, por João de Jesus Nunes

Exm.º Senhor
Presidente da Câmara Municipal da Covilhã
Exmº Senhor Vereador da Cultura da Câmara Municipal da Covilhã
Exmº. Senhor Presidente da Associação de Futebol de Castelo Branco
Exmºs Senhores Atuais e Antigos Dirigentes da Sporting da Covilhã
Caríssimos Antigos Atletas, Treinadores e demais Obreiros do Sporting da Covilhã
Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Não estava nos meus planos envolver-me mais na história do maior clube da Beira Interior, por razões óbvias de me ter comprometido com outras ações culturais e, por outro lado, dar oportunidade a outros interessados em prosseguir a história do clube na vertente de uma nova visão.
Mas o convite feito pelo amigo Carlos Miguel Saraiva, autor da obra que aqui vai ser por mim apresentada, deixou-me deveras honrado, não só pelo mesmo como também para a prefaciar. Por isso aceitei o convite e lhe agradeço do fundo do coração.
Não vou falar mais do autor, humilde, dedicado e sempre pronto a prestar colaboração, nem da forma como o conheci, porque tais desideratos se encontram registados no prefácio deste livro.
Comecemos então pela “História do Sporting Clube da Covilhã – 1923 – 1990”.
Poderão muitos perguntar: “Porquê mais um livro sobre o Sporting da Covilhã”?
E eu respondo: “Veio em boa hora! Veio numa altura em que um dedicado covilhanense, animado do fervor pelo Clube da sua Terra, que, simultaneamente é ter grande orgulho pela Covilhã, seu berço, se solta do sossego dos seus momentos de ócio, da sua vida familiar, e vem dar continuidade, e nalguns casos adicionar algo, às quatro obras, diferentes, já existentes.
É que a história de uma coletividade ou qualquer outra instituição não se completa definitivamente. Há sempre estórias a acrescentar à sua história.
Não é um trabalho fácil. Mexe muitas vezes com temas mal documentados, de que existem já versões diversas, tantas vezes contraditórias, mexe com pessoas, com paixões.
Não obstante o autor desta obra já ser conhecido, escrever este livro é também um sinal de coragem porque é uma exposição pública do próprio autor. Amanhã alguns vão certamente dizer que faltou referir este ou aquele ponto, esta ou aquela pessoa, que faltou esta ou aquela fotografia; ou porque é que o livro não teve continuidade até aos dias de hoje, e se situou entre a sua génese e o ano 1990.
Como disse Fernando Pessoa: “Deus quer, o Homem sonha, a Obra nasce!”
Para além do desgaste humano e financeiro, de ter que continuar a subtrair horas que fazem falta ao sossego duma pessoa, havia que ter também em conta que muitos relatos e eventos, já

existentes nas anteriores quatro obras, não se coadunavam muito pela repetição, daí que o autor se debruçou em apresentar a “História do Sporting Clube da Covilhã – 1923 – 1990”, algo inédita. Para além da sua apresentação e qualidade como livro, teve o cuidado de fazer surgir pormenores da vida da coletividade, época a época, evidenciando, duma forma simples como é agora apresentada, mas paradoxalmente complexa nas suas pesquisas, que enche o olho do leitor que gosta de conhecer a vida dos Leões da Serra.
Está por isso de parabéns o Miguel Saraiva, já que a sua verdadeira coragem é de que tomou este livro uma realidade para todos, sabendo já da existência de outras obras.
De facto, referi no quarto livro sobre o SCC: “Ficarão, assim, como lacunas para a história, no rigor duma pesquisa global, a participação nas 2.ºs e 3.ªs Divisões Nacionais”.
Pois bem, o Miguel Saraiva, não só deu azo a esta vontade expressa neste livro, até ao ano que lhe foi possível atingir – 1990, como inseriu, com minúcia, figuras e factos de cada época, nomeadamente no que diz respeito a resultados, plantéis, dirigentes, figuras que se evidenciaram em cada época, nascimento de novos clubes, duma forma cronológica.
É que, mesmo assim, muitas coisas ficam na penumbra do esquecimento se não forem transportadas para as páginas de um livro.
Quando eu nasci o Sporting da Covilhã já tinha atingido a sua maioridade e contava 23 anos; por isso fui sempre podendo acompanhar, ao longo desta sua longevidade, as suas alegrias e as suas vicissitudes, aquilo que ainda não compreendia, mas que nos mais velhos se manifestava, da exuberância à tristeza; conheci muitos obreiros do clube, como os jogadores, os dirigentes, e, mais tarde, alguns dos fundadores; eventos como as feiras populares do Sporting, que visitei, entre outros que não podem ter muito desenvolvimento nos agora cinco livros que o Sporting Clube da Covilhã possui, por razões óbvias, daí que as crónicas, na sua oportunidade jornalística, têm a sua ocasião.
No entanto, certamente como eu, ao ler este livro, paulatinamente, surgem entre muitos de nós, recordações, reminiscências dos nossos tempos d’outrora.
Por exemplo, eu que trabalhei neste município na década de 60 do século passado, até ao serviço militar obrigatório, só através da leitura desta obra vim a saber que um antigo colega superior – José Pacheco Lança – havia sido um dos guarda-redes do SCC dos primeiros tempos. Fui ainda aqui colega da velha glória serrana, João Lanzinha. De alguns episódios mencionados em síntese neste livro, recordo que estive também para ir num dos 50 autocarros que partiram da Covilhã para Braga, para acompanhar os Leões da Serra para o embate com os bracarenses, do último jogo do Campeonato Nacional da 2.ª Divisão – Zona Norte, realizado em 20 de abril de 1964, de cujo encontro necessitávamos somente de um empate para a subida. Não fui e quando ouvi no relato da rádio, aquele penálti contra o Sporting da Covilhã, disse logo: “Estamos feitos!”. Sem que antes, ou depois, já não recordo, o guarda-redes Arnalda tivesse sido lesionado e substituído pelo Rodrigues. Dos 38.000 espetadores, segundo o livro da História do Sp. Braga, rendeu 200 contos.
Depois, continuando a aprazível leitura/consulta/folhear deste livro, algumas memórias do passado dos Leões da Serra podem continuar, em cada um e nós, os mais antigos, a trazer rasgos de memória de momentos surgidos, como o caso em que assisti, juntamente com alguns associados e adeptos do Clube, à partida da comitiva dos serranos, junto à antiga Sede, com o

abandono do treinador José Rodrigues Dias, antes daquele primeiro jogo da época, porque exigiu ali o pagamento dos 40 contos de luvas; corria a época 1967/1968.
E, na época seguinte, já no meu serviço militar obrigatório, desloquei-me do RAL 4, em Leiria, com o António José Brancal e outros, para assistirmos ao jogo do SCC, treinado por Joaquim Meirim, em Torres Novas, para, naquele empate de 0-0, da 8.ª jornada, se conseguir o primeiro ponto. Haveria de descer, pela primeira vez à 3.ª Divisão Nacional.
Estas permanências na 3ª Divisão, com início na década de 70, por quatro sofredoras épocas, em que o Alba dava cartas, e, depois, por duas vezes nos primeiros anos da década de 90, levou-me a soltar, qual grito do Ipiranga, numa crónica no Notícias da Covilhã, de 15 de julho de 1994, a um incitamento, sob o título: “Sporting Clube da Covilhã, Terceira Divisão, nunca mais!”.
Mas, depois, tivemos os comboios verdes a caminho de Coimbra e de Aveiro; recebemos na Covilhã os valorosos das subidas. Não foram só ledas madrugadas, mas também ansiosas horas.
Pois bem, minhas Senhoras e meus Senhores, Amigos dos Leões da Serra e da Covilhã que os engrandece com o seu nome, a leitura da “História do Sporting Clube da Covilhã – 1923 – 1990”, de Miguel Saraiva, não só é recomendável a todos, para o conhecimento mais aprofundado do maior Clube da Beira Interior, que, orgulhosamente é da nossa Terra, como também memoriza o conhecimento da sua condição multifacetada, em que embora o desporto-rei seja a sua evidência, não deixa de ser, e já foi mais acentuada, uma coletividade eclética.
A apresentação e qualidade da obra fica muito bem em qualquer estante. É uma enciclopédia para interessados no desporto local, onde os lanifícios têm evidência em muitas das figuras do clube serrano. Muito mais haveria para dizer, mas o espaço e o tempo não o permitem.
 Leiam o livro! Consultem o livro! Folheiem o livro! Comentem o livro! Ele aí está ao vosso dispor: 53 capítulos, 312 páginas!
E, lembrem-se, o Sporting da Covilhã, e o Concelho que lhe dá o nome, saem engrandecidos com o seu 5.º livro sobre a sua história, isto só comparável com os três clubes da Divisão Maior: Sporting, F. C. Porto e Benfica.
Mas, para além da apresentação desta obra, temos também aqui a homenagem a velhas glórias do Sporting da Covilhã, com relevo na memorização da última participação dos Leões da Serra na Primeira Divisão, hoje Primeira Liga, ocorrida há precisamente três décadas. Afinal, elas também foram ensejo a dourar algumas das páginas da história do Sporting da Covilhã, e a trazer a alegria às gentes locais e aos forasteiros, fazendo agitar a Cidade e o Concelho.
Sinto ainda orgulho, neste contexto, de ter contribuído, neste mesmo Salão Nobre, em 28 de setembro de 1991, há quase 26 anos, como dirigente de uma associação cultural, para aqui recebermos, pela primeira vez na história do SCC, as Velhas Glórias da antiga Primeira Divisão, nos grandes momentos por que passámos com términus na época 1961/1962. Dos então presentes, muitos, e das mensagens enviadas dos ausentes, quis Deus que já só se encontrem cá seis, neste mundo dos vivos (João Lanzinha, Fernando Pires, Marcelino Alves, Amílcar, Lourenço, e o massagista José Gil Barreiros).



Foi também assim, com o lançamento da 1.ª edição do 1.º livro do SCC, e da primeira exposição histórico-documental sobre o clube leonino, e não só, que se deu ênfase à homenagem às velhas glórias, com a comunicação social nacional e entidades do país a registarem o facto.
Depois, neste salutar ambiente de boas recordações, e de convívio, vieram a surgir, por outras ocasiões, fora ou no seio da coletividade serrana, muito por iniciativa e impulso forte do Miguel Saraiva, sem esquecer a claque Leões da Serra, novas homenagens às velhas glórias dos Leões da Serra.
Hoje aqui as temos, de volta, por iniciativa de alguém que quis lembrar a última vez da participação do Sporting Clube da Covilhã na divisão maior do futebol português, que se esfumou na já distante época 1987/1988.
Para eles, dizemos: “Sejam bem-vindos!”. É um sinal dado aos atuais dirigentes serranos, pelo seu bom trabalho de várias épocas, independentemente de algumas vicissitudes que surgem no caminho, que a Covilhã quer ver o seu Sporting na Primeira Liga! Não é fácil, acreditamos!
Prestemos, também aqui, aquele preito de gratidão, em sintonia com as velhas glórias serranas, a um covilhanense que também passou pelas camadas jovens do clube serrano e que, na arbitragem, se singrou ao mais alto grau, chegando à internacionalização e, este ano, saltando para o pódio como o terceiro melhor árbitro português. Falo evidentemente do árbitro covilhanense Carlos Xistra. Quando no ano 2000 subiu à I Liga, e em cujo almoço de homenagem tive o prazer de participar, o saudoso dirigente Carlos Ranito Xistra, seu pai, veio então agradecer-me o único artigo, fora do âmbito da notícia, que eu enviei para dois jornais, mas que só a Tribuna Desportiva, sempre atenta, publicou em 11 de julho de 2000, sob o título, alusivo obviamente a Carlos Xistra: “A Covilhã e o Distrito na Primeira Divisão”.
Vou terminar, porque também já me alonguei. Abordei o AUTOR; falei do novo LIVRO; patenteei a alegria por termos entre nós as VELHAS GLÓRIAS do clube serrano.
Tenho a certeza de que de nós não se poderá dizer:
“Eles não sabem que o sonho
É uma constante da vida
Tão concreta e definida
Como outra coisa qualquer…
Eles não sabem, nem sonham
Que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
O mundo pula e avança
Como bola colorida
Entre as mãos de uma criança”.

                                                                                                                                      Tenho dito.

(Salão Nobre da Câmara Municipal da Covilhã, no dia 15 de julho de 2017)




PREFÁCIO DO LIVRO “HISTÓRIA DO SPORTING CLUBE DA COVILHÃ – 1923 – 1990”, DE MIGUEL SARAIVA

Falar e, principalmente, escrever sobre o Sporting Clube da Covilhã (SCC), é sinónimo de que algo existe de intrínseco entre o escritor e a instituição pela qual sente empatia, aquele vendaval de ideias dispostas a ser transpostas para o papel (sempre o papel, independentemente do digital), para que outros memorizem, ou os mais novos venham a ter conhecimento, sem que daí também se deixe uma achega para que os vindouros possam recolher informações que, de outra forma, se dissimulariam no esfumar dos tempos. Muito se teria perdido se não houvesse alguém que se dedicasse de alma e coração à recolha das estórias para a história dos seus clubes, como no caso em apreço.
Conheci o autor desta interessante e importante obra, há uns anos atrás, quando se dirigiu ao meu escritório, juntamente com um amigo, animado de idêntico entusiasmo pelo Clube da sua Terra, para que me encarregasse de dinamizar a página da Internet sobre o SCC, do qual eram dirigentes; e, posteriormente, numa amizade germinada aquando da apresentação do meu quarto e último livro sobre os Leões da Serra, assim como uma exposição temática apresentada na altura no Museu de Arte e Cultura.
Nestes dois últimos atos, ocorridos há uma década, logo me apercebi que o Carlos Miguel Saraiva, ainda jovem, já denotava uma forte inclinação para aprofundar a história do Sporting Clube da Covilhã, mormente na vertente das suas inúmeras figuras (jogadores, dirigentes, e outros ligados ao Clube dos seus amores), esses obreiros da construção do grande baluarte do deporto da Beira Interior, histórico por excelência.
E, não é que o seu blogue, como coordenador e fundador, se vê forçado a passar a sitewww.historiasscc.com – face ao grande número de aderentes. Depois, algumas exposições fotográficas de antigos atletas, treinadores e dirigentes do mundo dos Leões da Serra, para além de homenagens organizadas, por via de jantares, por sua iniciativa, ou coordenadas com o clube serrano, das figuras do SCC. Foi ainda o autor da Galeria dos Presidentes e Fundadores do Sporting da Covilhã, que se encontram na sede social do clube. Realizou um colóquio na Biblioteca Municipal da Covilhã sobre “Vivência entre o passado e o presente da história do Sporting Clube da Covilhã”. E, entre outras organizações, tive o privilégio de o ver ter aceite um meu convite para, em conjunto, realizarmos um colóquio no Museu da Universidade da Beira Interior – “Monumentos e Sítios” que, da minha parte me coube a tese “Sporting Clube da Covilhã e os lanifícios”, e o Carlos Miguel Saraiva “Algumas das principais figuras do Sp. Covilhã”. Tiveram ainda uma participação neste colóquio, Pedro Martins, diretor e proprietário da Tribuna Desportiva; o Vereador da Cultura da Câmara Municipal da Covilhã, Dr. Jorge Torrão; e o Diretor do Museu de Lanifícios, que coordenou e me havia convidado, Prof. Dr. António dos Santos Pereira.
E, nestas andanças de muitas ocasiões de diálogo empático, incluindo algumas deslocações para visitar alguns antigos atletas serranos, vim a tomar conhecimento da intenção do Carlos Miguel Saraiva de levar por diante a história do Sporting Clube da Covilhã, inicialmente em digital, de todos os antigos atletas e dirigentes, assim como as equipas, época por época, desde o nascimento do clube serrano, há 94 anos, até onde lhe fosse possível chegar.
Sei quanto trabalho isto representa, de horas ilimitadas, subtraídas ao sossego do lar e aos momentos de ócio que deixam de existir, para que uma obra deste jaez venha a lume. Por isso, incitei o Carlos Miguel a transpor a sua publicação para papel, reconhecendo as enormes dificuldades económicas que isso representam. Mas, como é meu lema “Fazer primeiro e pedir depois”, como algumas vezes lhe transmiti, a obra, de excelência, aí está, merecedora de leitura atenta.
Mas vamos à “HISTÓRIA DO SPORTING CLUBE DA COVILHÃ – 1923 – 1990”. Depois do trabalho minucioso, de vários anos de pesquisas, permitiu que este livro trouxesse coisas novas sobre o  clube, inserido na sua Cidade que lhe dá o nome, se bem que além de serem memórias do passado para as novas gerações, trazem a descoberto informações muito interessantes que já  só as gentes de idade avançada se recordam, e que, entretanto, se encontravam bem reservadas ao baú das recordações.
Este livro, página a página, o equivalente a época a época do Sporting Clube da Covilhã, entenda-se, desde a sua génese, até ao ano que foi possível pesquisar – 1990, é um resgatar da memória de alguns, para uma memória coletiva que devemos preservar.
Por outro lado, esta obra é também um esforço significativo de reunir memórias dispersas, para que ganhem um só corpo e permitam reconstituir; a par dos quatro livros já existentes sobre a coletividade serrana; o passado de uma grande instituição, para que, no presente, projetemos o futuro com grande orgulho dos Leões da Serra, como embaixadores não só da Covilhã, mas de toda região beirã.
Ao embrenharmo-nos na leitura deste livro é conveniente que saibamos compreender o trabalho profícuo dum autodidata, como o Carlos Miguel Saraiva, que estudou na Escola Industrial e Comercial Campos Melo da Covilhã, assistente de direção de um hotel, de 46 anos, viúvo e com dois filhos, somente com alguns apoios publicitários, mas sem subsídios, e sem outro motivo para além do seu amor ao clube, que se lançou num trabalho complexo e moroso de completar um pouco mais a história do Sporting Clube da Covilhã, pois ela não termina, continua enquanto a instituição existir.
Como já tive, e continuo a ter, trabalhos semelhantes, quando olho para esta obra, reconheço a quantidade de horas dedicadas a este projeto, a quantidade de noites despendidas após um normal dia de trabalho, a quantidade de horas a ler velhos livros, a consultar jornais antigos, documentação que se encontrava sepultada entre o pó de sótãos ou arrecadações. Assim como a rever e a tentar reconstituir antigas fotos, além de conversar com muita gente ligada ao clube serrano.
Por isso, a Cidade e o Clube devem reconhecer e agradecer este esforço. Esta obra orgulha o seu autor, indubitavelmente, mas também o Sporting Clube da Covilhã, e a Cidade que o viu nascer.
A atenção e consequente observação/informação para o leitor, de inserir as figuras adequadas, alusivas à época, e todos as informações de surgimento de novas coletividades nos primórdios do futebol na Covilhã, e, depois tudo o que foi sendo trabalho de cada direção, é um deleite para o folhear de cada página, enobrecida pela cor.
Não se trata de nenhum romance, nenhuma facto-ficção, mas tão só de importantes páginas da História do Sporting Clube da Covilhã, que, como já referi, vêm completar, ou acrescentar algo mais às publicações já existentes, com um rosto mais apelativo, face à qualidade da obra, publicação que na estante de qualquer biblioteca (não esquecer a do SCC) a engrandece.
Com esta obra, completam-se cinco livros sobre a História do Sporting Clube da Covilhã, invejável para qualquer Clube que se preze, pois não existe tão elevado número de publicações sobre a mesma coletividade para além dos chamados clubes grandes, e, neste caso, o Benfica, F. C. Porto, S.C. Portugal, e, penso que não estaremos abaixo de Os Belenenses. Isto quase que significa que, em termos culturais, o SCC já se encontra dentro dos da Primeira Divisão.
Outros clubes certamente gostariam de ter uma obra assim, mas não têm quem a escreva. E quando tiverem alguém disposto a este trabalho vão ter dificuldades em encontrar documentação. Muitos dos que poderiam contar as estórias, ou ceder material, já terão desaparecido, para além de espólio fotográfico perdido. Por isso, este livro, ainda que se reportando até ao ano 1990, vem em boa hora.
Quando escrevi o 4.º e último livro sobre o SCC – “Sporting Clube da Covilhã na Taça de Portugal – Cinquentenário da sua participação na final – 02/06/2007”, na página 18, no antepenúltimo parágrafo registei o seguinte: “Ficarão, assim, como lacunas para a história, no rigor duma pesquisa global, mas que envolve muito tempo, a participação do SCC nas 2ªs e 3.ªs Divisões Nacionais”, ainda que não deixassem de ser feitas referências aos factos principais, e às suas figuras. Ora, o Carlos Miguel Saraiva, no seu livro “HISTÓRIA DO SPORTING CLJUBE DA COVILHÃ – 1923 – 1990” dá-nos essa oportunidade de podermos ler, e consultar sempre que tal desiderato surja, as figuras, os plantéis, as direções, e outros pormenores quão oportunos, época a época.
Muito mais teria a dizer no desfolhar das 312 páginas que constituem os 53 capítulos desta obra, mas para Prefácio já vai longo. Uma palavra final de agradecimento ao Carlos Miguel Saraiva pelo convite que me fez, não só para prefaciar este livro, como também para fazer a sua apresentação no próximo dia 15 de julho, o que me deixa deveras honrado.



Covilhã, 08/06/2017

João de Jesus Nunes
jjnunes6200@gmail.com


13 de julho de 2017

A SENTINELA DORMIA

O país tem estado traumatizado com a violência sentida pelos incêndios que deflagraram no dia 17 de junho, principalmente o grande incêndio, no distrito de Leiria, com início em Pedrógão Grande, que se estendeu a Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, chegando ainda aos distritos de Castelo Branco, através da Sertã, e de Coimbra, pela Pampilhosa da Serra. Em Góis, também no distrito de Coimbra, ainda atingiu Arganil.
Não bastasse este funesto acontecimento; para além de já terem surgido outros anteriores, nomeadamente o do dia 5 do mesmo mês, num curto espaço de 15 dias, ocorrido num prédio da Urbanização Ponte Pedra, em Matosinhos; ainda haveria de surgir outro infeliz acontecimento, deixando em grande perplexidade a segurança do nosso país. Reporto-me obviamente ao grande furto de material de guerra verificado em Tancos.
O Exército anunciou então que no dia 28 de junho, no final do dia, detetou a violação dos perímetros de segurança dos Paióis Nacionais de Tancos e o arrombamento de dois “paiolins”, tendo desaparecido granadas de mão ofensivas e munições de calibre nove milímetros. Mais tarde viria a acrescentar que entre o material roubado estavam “granadas foguete anticarro”, granadas de gás lacrimogéneo e explosivos, não divulgando quantidades.
O chefe do Estado-Maior do Exército reconheceu que quem roubou material de guerra do quartel de Tancos tinha “conhecimento do conteúdo dos paióis” e admitiu a possibilidade de fuga de informação.
No Público do dia 2 de julho, referia-se em título de grandes parangonas: “Tancos esteve 20 horas sem ronda de vigilância na noite do assalto”.
Portugal que se encontra numa trajetória interessante de recuperação da economia, com fortes índices de confiança do povo português, o mesmo já não se pode dizer quanto à sua segurança.
Ainda recentemente escrevi um artigo a propósito do nosso país ter sido considerado um dos mais pacíficos do mundo segundo os dados da Global Peace Index 2017. Mas, afinal, quanto a segurança, em que nos ficamos? A resposta não pode ser senão esta: Preocupação! Muita preocupação!
Quem nos pode defender? Quer por atos da natureza, ou de mãos criminosas, quer por furtos em alta escala como estes! Os factos já indiciam como que um conluio com os criminosos, pois se fosse um roubo até parecia mal que as nossas tropas se deixassem levar com facilidade, o que eu não acredito. É que furto não é a mesma coisa que roubo.
Ao escrever este texto soltou-se do meu pensamento algo ocorrido comigo quando cumpria serviço militar obrigatório no Regimento de Artilharia Ligeira (RAL 4), em Leiria, isto no que concerne à segurança.
Corria o ano da graça de mil novecentos e sessenta e nove e, no serviço de Sargento de Dia, cabia-nos também a obrigação de fazer a ronda noturna a uma zona de paióis e guarda de outro material, incluindo de velhos obuses, situada fora do quartel RAL4, a uma distância próxima de um quilómetro. Por sinal, era rara a vez que me calhava a ronda noturna dentro das primeiras horas pós meia noite. Num certo dia daquele verão vim a ser “sortudo” com uma ronda das três às quatro da manhã.
Ao aproximar-me do local objeto da ronda, a sentinela não dava sinal de vida. Fui-me aproximando, pela zona escura, já receoso não estivesse para me pregar alguma partida, e, à minha voz de “Sargento de Ronda!”, não surgiu a respetiva resposta, através da “senha”. Continuei a caminhar, cada vez mais devagar, até que lobriguei, mais adiante, no chão, um militar deitado, de barrete n.º 3 verde e farda de trabalho. Na aproximação, comecei também a ouvir um ressonar… Já nem foi preciso dar resposta com a “contrassenha”.
Este gajo está a dormir, porra!
Agarrei na G3 que tinha ao lado, e deixei-lhe ficar o capacete; dei-lhe dois pontapés nas botas, e, nada! Ressonava… Talvez estivesse a passar pelo primeiro sono, não pelas brasas… que essas se encontrariam logo pela manhã nas praias ali perto, de São Pedro de Moel ou na Praia da Vieira…
Com a pistola “Parabellum” à cintura e a G3 na mão ainda me deu oportunidade de ir “incomodar” os soldados de reserva que se encontravam deitados nas camas de ferro, em beliche, na caserna do reduto. Também dormiam. Acendi-lhes a luz, até que um deles se sentou na cama, e a seguir outro: “Olha, é o nosso Sargento de Ronda!...”
- Está tudo bem, rapaziada?...
- Tudo bem!
Como o sono não lhes dava para ver que eu tinha na mão também uma G3, fiz, propositadamente, (para que fossem acordar o seu camarada que dormia no chão, naquele “rigor e sentido” de estar num serviço de sentinela, e para evitar uma “porrada” à mesma, certamente a caminho da prisão), por mostrar e informar os seus camaradas que ia para o RAL4 com a G3 para entregar ao “Oficial de Dia”.
Volto a passar pela sentinela que continuava no seu sono profundo, quando, uns metros já distante, a mesma vem a correr atrás de mim, suplicando que lhe entregasse a arma e pedindo desculpa.
Obviamente que, no dia seguinte, não registei nada no relatório do serviço; tão só contei aos meus camaradas, com a condição de sigilar o acontecido, mas, à hora do almoço, na Messe de Sargentos, um ou outro levantava um pouco mais a voz sobre o assunto que, de imediato, com a forma gestual de nada contarem, se dissipou o assunto.
Naqueles tempos, o serviço militar era por obrigação; os empregos e vidas eram altamente prejudicados pelo tempo passado na tropa, com a agravante de, a maioria, ser obrigada ainda a ir para as guerras do Ultramar.
Hoje, não há serviço militar obrigatório. Por isso, muito mais a obrigação de ter que haver um sentido de maior responsabilidade.
Só que, se naquela altura a segurança poderia ter sido posta em causa por um simples ser humano – a sentinela –, naquele pequeno mundo, contudo não deixou de haver uma ronda de vigilância que detetou o problema fortuito, e acabou por o resolver.
Muito haveria que comentar, a propósito da (in)segurança nos dias de hoje, onde a corrupção emerge apesar das tentativas de dissimulação.
Muita tinta ainda se irá gastar com o recente assalto aos Paióis de Tancos.

(In "O Combatente da Estrela", n.º 107, julho a setembro 2017)





O SPORTING DA COVILHÃ CONTINUA A SUA HISTÓRIA

O Clube mais representativo de toda a Beira Interior, desde os primórdios em que o futebol se desenvolveu também na Beira Baixa, e, depois, na Covilhã fixou raízes profundas, haveria de ser o sucessor do Estrela Futebol Clube, que, no já longínquo ano de 1923, se haveria de passar a chamar Sporting Clube da Covilhã.
Nenhum outro conseguiu chegar aos seus calcanhares, como sói dizer-se. Foram muitas alegrias que emergiram do desporto-rei, por via do Sporting da Covilhã, que na Cidade dos lanifícios de então sempre deu cartas. Não foram só ledas épocas com os Leões da Serra; paradoxalmente, também houve, por várias vezes, o tormento das vicissitudes por que a coletividade serrana, e seus fervorosos dirigentes, associados e adeptos passaram.
A sua história está repleta de muitas estórias que vieram a constituir as pedras basilares para cimentar a coletividade serrana nos píncar
os a que chegou como grande embaixador das gentes da Covilhã, e, porque não, da Beira Baixa e de todo o Interior Beirão.
Tive o grande prazer de poder ter escrito quatro livros sobre a sua história. E, também, pela primeira vez na vida do clube, no já distante 28 de setembro de 1991, ter contribuído para a vinda das Velhas Glórias dos Leões da Serra à Covilhã, espalhadas pelos quatro can
tos do Continente. Nesse célebre sábado, o Salão Nobre da Câmara Municipal da Covil
hã encheu-se. Foram muitas os antigos atletas presentes. Desses, que estiveram presentes, e de quantos enviaram mensagens, alguns do estrangeiro, apenas restam quatro (João Lanzinha, Fernando Pires, Marcelino Alves, e o massagista, José Gil Barreiros).
Depois, também algumas exposições histórico-documentais sobre o Sporting Clube da Covilhã, e não só.
No próximo dia 15 de julho, no Salão Nobre da Câmara Municipal, vai ser apresentado o 5.º livro sobre os Leões da Serra – “História do Sporting Clube da Covilhã – 1923 – 1990”, de Miguel Saraiva – proporcionando assim que a coletividade serrana passe a emparceirar no número dos maiores detentores de obras publicadas, só acontecendo nesta altura com o Sporting C.P., F. C. Porto e SL Benfica.
Trata-se de uma obra importante, muito bem concebida, com 312 páginas.
Por deferência do seu autor, para além de ter feito o Prefácio do livro, irei também fazer a sua apresentação no local já referido.
No mesmo dia, haverá uma homenagem às Velhas Glórias do SCC, que estiveram pela última vez na Primeira Divisão, hoje I Liga, há 30 anos; e não só, outras se juntarão, não só no Salão Nobre da Câmara, aquando da apresentação do livro, como também no jantar a realizar num hotel da Cidade.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com


(In "O Combatente da Estrela", n.º 107, julho a setembro 2017)

11 de julho de 2017

OTIMISMO CAUTELAR

Os portugueses têm vindo a respirar dum certo alívio daqueles momentos de constrangimento por que passaram, daquele sufoco com que foram afastados da esperança de melhores tempos, então lançados num futuro cada vez mais incerto.
Caminhando ao contrário do desejável pelos homens e mulheres deste Portugal rumo aos nove séculos de existência, com a responsabilidade emanada dos senhores das governações precedentes, uma onda de indignação vinha surgindo na trajetória entre Passos e o esbanjador Cavaco.
Dos restantes também há memórias sulcadas de ventos e marés, onde o nosso país se posicionou em situações angustiantes com três “ajudas” externas, os lamentos em desabafos nas expressões pejorativas de que Portugal está de “tanga”, num “pântano” ou “para nos afundarmos mais no buraco que nos cavaram”, como o “monstro”, de Cavaco, para além de casos em que a justiça envolveu líderes políticos.
Em 43 anos de democracia, esta foi tantas vezes vilipendiada por um mundo desejoso mais na condução dos seus interesses exclusivos: partidos políticos, candidatos a candidatos do exercício do poder em nome do povo, mas com vídeo-algibeiras; sindicatos, organizações sem fim, os políticos de circo, e por aí fora.
Se atentarmos no espaço que medeia duas décadas, entre o ano 1997 e 2017, os consumidores portugueses estão mais otimistas do que nunca, pois o Instituto Nacional de Estatística (INE) o explica: “O indicador de confiança dos consumidores aumentou em maio, prolongando a trajetória positiva observada desde o início de 2013 e atingindo o valor máximo da série iniciada em novembro de 1997”. Este regresso ao final de 1997 procura perceber o que se mantem – e o que inevitavelmente mudou – nas razões que sustentam a confiança dos portugueses. Uma delas evidencia-se – o emprego. O desemprego está a descer e atinge valores semelhantes aos de 2009, antes do pico da crise.
Há 20 anos havia, contudo, mais razões para otimismo. O país aproximava-se de um objetivo ambicioso: o pleno emprego. A Expo 98 recebia 26 milhões de visitantes.  Só em 1997 venderam-se, segundo a revista Visão, 230 mil casas em Portugal, proporcionando a que 45% das pessoas tivessem “casa própria” impulsionadas pelo crédito barato. No futebol, os nortenhos festejavam nos Aliados, o tetra, muito antes do agora celebrado pelo Benfica no Marquês. Já muito mais cedo também o havia atingido o Sporting (aliás, foi o primeiro).
Ainda em 1997, Marcelo Rebelo de Sousa era o sorridente líder da oposição. Ainda não se havia notabilizado pelas selfies. Os telemóveis (quatro milhões de utilizadores há 20 anos, sexto lugar no ranking europeu…) só faziam e recebiam chamadas…
Seguiram-se depois más notícias e o pessimismo, como nos termos atrás referidos, que teve um período de 14 anos.
Entretanto, com o atual governo, a confiança dos consumidores bate novo máximo de quase 20 anos. Voltou a aumentar em junho para um novo máximo desde novembro de 1997, e o clima económico continuou também a subir para o máximo desde junho de 2002, divulgou o INE.
Ainda segundo este instituto, em junho, os indicadores de confiança aumentaram na indústria transformadora, na construção e obras públicas e no comércio, tendo diminuído nos serviços.
A evolução do indicador de confiança dos consumidores no último mês resultou do “contributo positivo” das expetativas relativas à evolução do desemprego, da situação económica do país e da situação financeira do agregado familiar, tendo as expetativas sobre a evolução da poupança contribuído negativamente.
No entanto, a grande catástrofe de incêndios no interior do País, com evidência em Pedrógão Grande, não evitou que a 50 Km da cosmopolita Coimbra, como exemplo, em pleno século XXI, morressem 64 portugueses, tão desprotegidos e abandonados como se vivêssemos ainda no século XIX, para além das perdas patrimoniais e milhões de prejuízos.
Ainda o País vivia o trauma desta catástrofe, quando surge o ridículo furto de armamento do Campo Militar de Tancos.
Comentários para quê, depois de já terem desaparecido 50 armas Glock de uma arrecadação da Direção Nacional da PSP, em Lisboa? Vêm agora os serviços de segurança apontar para crime organizado.
Poderão explicar-nos por que a videovigilância se encontrava em baixo? Os sensores inutilizados? As vedações estragadas? As rondas feitas com intervalos de 20 horas? Estas coisas, combinando entre si, não combinam com o país que, como se referiu no início deste texto, tem vindo a respirar dum certo alívio na vida da maioria de cada um de nós, que parece estar no bom caminho, mas, paradoxalmente, com estes meandros que sulcam o bom trabalho que tem vindo a ser desempenhado na vertente económica e financeira.

No otimismo de colecionar boas notícias, como vinha acontecendo, no devaneio daquele golo do Eder no futebol, à campeã canção europeia sem maus cheiros; ao nosso Ronaldo, melhor do mundo; esquecendo o andarmos sempre cabisbaixos aquando da troika; consolados por não ter vindo o diabo, torna-se agora imperativo que este otimismo não venha a ser esmorecido pelas condutas inoperacionais de alguns comandantes das unidades do palácio governamental.

(In "fórum Covilhã", de 11/07/2017)