Como um dos leitores mais
assíduos da Biblioteca Municipal da Covilhã, dos meados dos anos 50 e 60 do
século passado, e, depois, pontualmente, sempre que tinha necessidade de
consultar obras alusivas aos trabalhos que tinha em mãos, é, para mim, algo de
nostálgico encontrar-me hoje, neste dia vinte
e três de julho do ano da graça de dois mil e dezassete, a participar no
sopro das 100 velas do bolo de aniversário dos 100 anos da abertura da
Biblioteca Municipal.
E isto porque, como muitos
leitores antigos conheciam, foi aqui o meu primeiro local da cultura, desde a
tenra idade de 6/7 anos, para além dos tempos de estudante, até que surgiu o serviço
militar obrigatório.
É que havia uma Figura
incontornável, sobejamente conhecida, ainda hoje lembrada por muitos, que
contaria nesta data 105 anos, de seu nome José
Martins Nunes (mais conhecido pelo Sr.
Martins), meu saudoso Pai, que esteve ao serviço ininterrupto desta
Biblioteca, neste mesmo espaço, durante 30 anos, mais concretamente, de 11 de novembro de 1950 a 21 de março de 1980, aposentando-se,
portanto, com mais de 68 anos.
Pessoa de muito gosto pela
cultura, não fora ele regente escolar durante muitos anos, mesmo para além das
horas vagas do serviço nesta Biblioteca, levando a exame do ensino primário muitos
alunos que ainda hoje, alguns deles memorizam esse tempo de seus alunos, como também
aconteceu com o saudoso antigo diretor do Notícias
da Covilhã, Cónego Dr. José de Almeida Geraldes.
E só o facto de ter iniciado
funções na edilidade covilhanense aos 38 anos, quando a idade máxima era de 35
anos, o levou a ser prejudicado na sua carreira, só recompensada após o 25 de
abril de 1974.
Para além da cultura por que
pautava a sua personalidade, no fervor de uma grande religiosidade, o rigor, a
disciplina e a honestidade foram vertentes da sua vida, incluindo no aspeto
profissional, daí que, para a altura, era uma figura por que alguns dele
abusavam, vários reconhecendo, mais tarde, o seu erro, face à sua integridade
de caráter. Hoje, falam do Sr. Martins, e do Sr. Professor, como também era
conhecido, com grande respeitabilidade.
Com meu Pai me desloquei, algumas
vezes, ainda criança, da Pousadinha, ao cimo da Borralheira, a pé, para passar o
tempo aqui, neste local, nesta Biblioteca, onde fazia desenhos, me distraía com
os livros humorísticos e aos quadradinhos – o saudoso ABCZINHO – cujo início era às 16 horas e regressávamos à
Pousadinha, após o encerramento, às 23 horas, a pé, pois não havia transportes
nem dinheiro para ele.
Até ao Penedos Altos, e um pouco
acima, na Barroca do Lobo, ainda tínhamos companhia, que era aquele formigueiro
humano dos operários das fábricas de lanifícios que também terminavam os turnos
às 23 horas. Eles, de lancheira na mão; elas, de malotes e xailes pelas costas.
De Verão, gostava de ver por
esses caminhos fora os pirilampos, onde a iluminação elétrica escasseava; de
inverno, a chuva e forte ventania amedrontava.
Depois, no tempo das feiras
populares do Sporting, então no Jardim Público, o Cardona dos gelados, os
muitos feirantes, foram momentos de distração durante o tempo de verão.
Mas foi aqui onde a minha cultura
enraizou, pois que, desde muito novo, para além dos livros, obrigatoriamente os
de estudo, foram também os jornais, de grande formato, que me absorveram, e a
célebre revista Flama. Havia quase
uma disputa entre os leitores pelos variados jornais, destacando-se leitores
oposicionistas ao regime salazarista que tinham um fervor pela leitura do diário
República.
Quando necessitava de maior
recolhimento nos meus estudos, pois que na altura era prática decorar algo,
como história, geografia, e outras matérias, utilizava as seções de arrecadação
desta Biblioteca, cujos cantos, incluindo o desaparecido quintal, repleto de
variadas flores, eram o meu refúgio apaziguador.
Foi aqui, portanto, o emergir do
meu gosto pela escrita, pelas pesquisas, algo de intrínseco que já brotava
comigo.
Assim, aqui vi nascer os meus
primeiros artigos nos jornais, no já longínquo ano se 1964. Nunca mais parei,
até hoje, com algumas interrupções por razões óbvias.
Várias vezes escrevi sobre a
Biblioteca Municipal da Covilhã, nos mais de meio milhar de artigos publicados,
mas há dias fiquei surpreendido, quando entrei na Biblioteca Municipal, ao
deparar com um artigo meu, escrito há 25 anos, sobre esta Biblioteca, inserido
na exposição documental e fotográfica alusiva aos seus 100 anos, que hoje se
completam.
Depois, não pude deixar de anuir
ao convite da Dr.ª Cristina, Coordenadora da Biblioteca, para hoje aqui me
encontrar presente em este soprar de velas, e oferecer pedaços de
reminiscências do tempo aqui passado por meu Pai, fotocópias de memórias,
selecionadas sobre a Biblioteca, que deixou e que eu reuni, sendo também fontes
para alguns trabalhos, como este.
São pormenores vivos desse tempo,
e, como não podia deixar de ser, inserem-se os primórdios da sua vida
profissional, sempre ligada ao ensino, e a forma como aqui chegou, continuando
com o ensino, nas horas vagas.
De salientar que a 1ª. Bibliotecária, Dr.
Maria José Borges; depois do interregno que houve, da anterior fase da
Biblioteca, com reabertura oficial em 1 de setembro de 1952; através do seu
marido, Delegado do Procurador da República na Comarca da Covilhã, criou o
primeiro Curso de Educação de Adultos, na Cadeia da Covilhã, destinado a ser
regido por José Martins Nunes, onde lecionou durante 12 anos, antes das horas
de serviço nesta Biblioteca. É obra!
Deixo estes apontamentos,
extraídos das memórias de meu Pai, apontamentos escritos pelo seu próprio
punho, antes de falecer, e, bem assim, dois artigos que escrevi sobre esta
Biblioteca Municipal, sendo que um deles saiu parcialmente no último Notícias da Covilhã, de 20/07/2017,
sendo publicado o restante no próximo número, daí que deixo também o texto
completo.
Covilhã, no Centenário da
Biblioteca Municipal da Covilhã, aos 23 de julho de 2017
João de Jesus Nunes
Sem comentários:
Enviar um comentário