O país tem estado traumatizado
com a violência sentida pelos incêndios que deflagraram no dia 17 de junho,
principalmente o grande incêndio, no distrito de Leiria, com início em Pedrógão
Grande, que se estendeu a Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, chegando
ainda aos distritos de Castelo Branco, através da Sertã, e de Coimbra, pela
Pampilhosa da Serra. Em Góis, também no distrito de Coimbra, ainda atingiu
Arganil.
Não bastasse este funesto
acontecimento; para além de já terem surgido outros anteriores, nomeadamente o
do dia 5 do mesmo mês, num curto espaço de 15 dias, ocorrido num prédio da
Urbanização Ponte Pedra, em Matosinhos; ainda haveria de surgir outro infeliz
acontecimento, deixando em grande perplexidade a segurança do nosso país. Reporto-me
obviamente ao grande furto de material de guerra verificado em Tancos.
O Exército anunciou então que
no dia 28 de junho, no final do dia, detetou a violação dos perímetros de
segurança dos Paióis Nacionais de Tancos e o arrombamento de dois “paiolins”,
tendo desaparecido granadas de mão ofensivas e munições de calibre nove
milímetros. Mais tarde viria a acrescentar que entre o material roubado estavam
“granadas foguete anticarro”, granadas de gás lacrimogéneo e explosivos, não
divulgando quantidades.
O chefe do Estado-Maior do
Exército reconheceu que quem roubou material de guerra do quartel de Tancos
tinha “conhecimento do conteúdo dos paióis” e admitiu a possibilidade de fuga
de informação.
No Público do dia 2 de julho, referia-se em título de grandes
parangonas: “Tancos esteve 20 horas sem ronda de vigilância na noite do
assalto”.
Portugal que se encontra numa
trajetória interessante de recuperação da economia, com fortes índices de
confiança do povo português, o mesmo já não se pode dizer quanto à sua
segurança.
Ainda recentemente escrevi um
artigo a propósito do nosso país ter sido considerado um dos mais pacíficos do
mundo segundo os dados da Global Peace
Index 2017. Mas, afinal, quanto a segurança, em que nos ficamos? A resposta
não pode ser senão esta: Preocupação! Muita preocupação!
Quem nos pode defender? Quer
por atos da natureza, ou de mãos criminosas, quer por furtos em alta escala
como estes! Os factos já indiciam como que um conluio com os criminosos, pois se
fosse um roubo até parecia mal que as nossas tropas se deixassem levar com
facilidade, o que eu não acredito. É que furto não é a mesma coisa que roubo.
Ao escrever este texto
soltou-se do meu pensamento algo ocorrido comigo quando cumpria serviço militar
obrigatório no Regimento de Artilharia Ligeira (RAL 4), em Leiria, isto no que
concerne à segurança.
Corria o ano da graça de mil
novecentos e sessenta e nove e, no serviço de Sargento de Dia, cabia-nos também
a obrigação de fazer a ronda noturna a uma zona de paióis e guarda de outro material,
incluindo de velhos obuses, situada fora do quartel RAL4, a uma distância
próxima de um quilómetro. Por sinal, era rara a vez que me calhava a ronda
noturna dentro das primeiras horas pós meia noite. Num certo dia daquele verão
vim a ser “sortudo” com uma ronda das três às quatro da manhã.
Ao aproximar-me do local
objeto da ronda, a sentinela não dava sinal de vida. Fui-me aproximando, pela
zona escura, já receoso não estivesse para me pregar alguma partida, e, à minha
voz de “Sargento de Ronda!”, não surgiu a respetiva resposta, através da
“senha”. Continuei a caminhar, cada vez mais devagar, até que lobriguei, mais
adiante, no chão, um militar deitado, de barrete n.º 3 verde e farda de
trabalho. Na aproximação, comecei também a ouvir um ressonar… Já nem foi
preciso dar resposta com a “contrassenha”.
Este gajo está a dormir,
porra!
Agarrei na G3 que tinha ao
lado, e deixei-lhe ficar o capacete; dei-lhe dois pontapés nas botas, e, nada!
Ressonava… Talvez estivesse a passar pelo primeiro sono, não pelas brasas… que
essas se encontrariam logo pela manhã nas praias ali perto, de São Pedro de
Moel ou na Praia da Vieira…
Com a pistola “Parabellum” à
cintura e a G3 na mão ainda me deu oportunidade de ir “incomodar” os soldados
de reserva que se encontravam deitados nas camas de ferro, em beliche, na
caserna do reduto. Também dormiam. Acendi-lhes a luz, até que um deles se
sentou na cama, e a seguir outro: “Olha, é o nosso Sargento de Ronda!...”
- Está tudo bem, rapaziada?...
- Tudo bem!
Como o sono não lhes dava para
ver que eu tinha na mão também uma G3, fiz, propositadamente, (para que fossem
acordar o seu camarada que dormia no chão, naquele “rigor e sentido” de estar
num serviço de sentinela, e para evitar uma “porrada” à mesma, certamente a
caminho da prisão), por mostrar e informar os seus camaradas que ia para o RAL4
com a G3 para entregar ao “Oficial de Dia”.
Volto a passar pela sentinela
que continuava no seu sono profundo, quando, uns metros já distante, a mesma
vem a correr atrás de mim, suplicando que lhe entregasse a arma e pedindo
desculpa.
Obviamente que, no dia
seguinte, não registei nada no relatório do serviço; tão só contei aos meus
camaradas, com a condição de sigilar o acontecido, mas, à hora do almoço, na
Messe de Sargentos, um ou outro levantava um pouco mais a voz sobre o assunto
que, de imediato, com a forma gestual de nada contarem, se dissipou o assunto.
Naqueles tempos, o serviço
militar era por obrigação; os empregos e vidas eram altamente prejudicados pelo
tempo passado na tropa, com a agravante de, a maioria, ser obrigada ainda a ir
para as guerras do Ultramar.
Hoje, não há serviço militar
obrigatório. Por isso, muito mais a obrigação de ter que haver um sentido de
maior responsabilidade.
Só que, se naquela altura a
segurança poderia ter sido posta em causa por um simples ser humano – a
sentinela –, naquele pequeno mundo, contudo não deixou de haver uma ronda de
vigilância que detetou o problema fortuito, e acabou por o resolver.
Muito haveria que comentar, a
propósito da (in)segurança nos dias de hoje, onde a corrupção emerge apesar das
tentativas de dissimulação.
Muita tinta ainda se irá
gastar com o recente assalto aos Paióis de Tancos.
(In "O Combatente da Estrela", n.º 107, julho a setembro 2017)
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