Reiniciamos neste número,
conforme já foi referido no editorial, várias estórias da história de antigos
Combatentes, associados deste Núcleo, covilhanenses, de raiz ou de coração, que
também se viram obrigados um dia a partirem para terras longínquas em missão de
soberania, deixando as famílias em sobressalto porquanto jamais sabiam o
desfecho duma guerra subversiva entre povos irmãos, na teimosia ditatorial dos
senhores dos governos do Portugal de então.
Enquanto uns mais não podiam que
aceitar as ordens de marcha para as colónias – então referidas como províncias
ultramarinas – outros fugiam deste Portugal amordaçado, quer por via da
emigração de “assalto” ou, então, por linhas subterfugias logo que se
aproximava o serviço militar, surgindo após o 25 de Abril num apanágio ufano de
exilados.
O personagem que hoje trazemos a
esta página, é mais um dos milhares de Portugueses que, deste País, percorrido
de lés a lés, quer seja de Melgaço lá bem no Norte, até à açoriana Rabo de
Peixe, cumpriram a sua missão e hoje sentem, o que foi a nostalgia, e os medos,
quando naquelas terras além-mar foram forçados a ir, mas também o terem muitos
sentido na pele o stress pós-traumático, como uma ferida irreversível que o
Estado português deixou, na incompreensão, num mundo de jovens, hoje
septuagenários e octogenários, alguns numa autêntica psicose que quase destruiu
a família.
O João Mota, covilhanense nascido
em 15 de dezembro de 1951, até foi um dos bafejados pela sorte na guerra de
Moçambique, como mais à frente o mesmo descreve.
Na Escola Secundária Campos Melo
(na altura Escola Industrial e Comercial) obteve o curso de técnico de
tecelagem e, assim, passou pela indústria de lanifícios, em várias empresas do
concelho da Covilhã, durante 48 anos, vindo a aposentar-se em janeiro de 2016.
Com os amigos covilhanenses,
Victor Bicho, Carlos Silva e Jorge Carvalho, o João Mota iniciara então o
serviço militar, no dia 25 de abril de 1972 (quem diria que daí por dois anos,
este dia e mês seria uma data assinalável na história de Portugal!...
), no
Regimento de Infantaria n.º 7 - RI 7, em Leiria. Daqui partiu para o Regimento
de Transmissões, no Porto, onde tirou a especialidade de operador cripto, até
julho de 1972. Formou depois uma Companhia com vista à mobilização para
Moçambique – CART 7255 –, em Torres Novas, no mês de novembro deste ano,
embarcando no avião para Moçambique no dia 11 de janeiro de 1973.
Todo o tempo foi passado no
aldeamento chamado “MUFA”, que fica a meio caminho entre Tete e Cahora Bassa
(Cabora Bassa durante o período colonial português). Era um quartel em oito
casas pré-fabricadas, deixado ao exército português por uma empresa italiana,
que fez obras na zona relacionadas com linhas de alta tensão, vindas da
barragem para a África do Sul.
O João Mota, passado pouco tempo
da sua chegada ali, foi incumbido pelo capitão da sua Companhia, da tarefa de
projetar filmes nos aquartelamentos próximos e também para a população de cor.
Era a chamada “psico” a funcionar, que,
por determinação do departamento de logística em Nampula, quartel general, decidiu
que assim se realizasse. Para o efeito entregaram todo o material: máquinas de
projetar, filmes antigos, pano branco, para os mesmos poderem ser vistos.
O João Mota, durante todo este
tempo, era visto como o homem que trazia distração e boa disposição para o
mato. Mensalmente tinha que enviar um relatório para Nampula sobre qual a
impressão dos espetadores, e bem assim sugestões, para elevar a moral. E, para
isso, visitava todas as semanas, as obras da barragem, de enorme grandiosidade.
Tendo sido esta a sua tarefa no
Ultramar, João Mota disse-nos que não se pode queixar, tendo regressado à então
Metrópole em 5 de dezembro de 1974, sem que tivesse havido qualquer baixa ou
ferido na sua Companhia.
Sendo sócio do Núcleo da Covilhã
da Liga dos Combatentes desde 1986, tem desempenhado vários cargos nos Corpos
Gerentes desta instituição de grande mérito: Vogal da Direção, de 2014 a 2017;
Secretário da Assembleia Geral, de 2015 a 2016, e atualmente Secretário da
Direção.
E talvez porque a sua missão no
Ultramar passou também por transmitir momentos de entretenimento, o João Mota é
uma das personagens reais da ficcionada “Tertúlia Hotel Covilhã-Jardim”, a que
é feita referência no editorial.
(In "O Combatente da Estrela", n.º 112 - Outubro/2018", digital)
Sem comentários:
Enviar um comentário