Podia aqui voltar a falar de
jornalismo, jornalistas e jornais, e da crise que atravessa este mar das
letras, sejam elas por via do papel, ou pela online.
Ou, então, preambular sobre a Operação Marquês com o sorteio do juiz
Ivo Rosa como escolha para a fase de instrução, na expressão da defesa de
Sócrates, de que “finalmente há um juiz
legal”.
Segundo o Público, “há quem considere este juiz um obstáculo por defender
constantemente os direitos das pessoas investigadas, criando obstáculos às
investigações”. Terá agora de se pôr a par dos 132 volumes e 903 apensos, que,
tudo junto pesa mais de uma tonelada. E eu acrescento: de cavacos.
O ex-presidente Aníbal Cavaco – o
Sr. Silva como uma vez lhe chamou Alberto João Jardim – emergiu duma interrupção
prudencial, para sobressaltar as consciências dos governantes da “geringonça”.
Só que lançou cavacos para a
fogueira, mas as faúlhas foram ter ao Presidente da República.
E é nesta investida do seu linguajar
que a sua suspeição sobre o processo que conduziu à nomeação de Lucília Gago,
em substituição, por termo de mandato, de Joana Marques Vidal, de Procuradora
Geral da República, que lhe é endossada por Marcelo Rebelo de Sousa a resposta
merecida: é que a decisão foi do Presidente da República e não do Governo de
António Costa, com sentido de Estado.
Por isso, as “estranhíssimas”
razões desta sua mexeriquice foi como sair-lhe o tiro pela culatra.
Efetivamente, Joana Marques Vidal
cumpriu com competência e zelo o seu mandato, que ainda não terminou, e deu um
“contributo decisivo” para a credibilização do Ministério Público, mas daí a
que Cavaco considere que a sua não recondução é “a decisão mais estranha do
mandato da ‘geringonça’”, que nem foi
da sua responsabilidade, vai uma diferença muito grande.
Num ex-Presidente da República, como
o Sr. Aníbal de Boliqueime foi, à profundidade das acusações é-lhe exigida,
nesta especial condição, a ponderação das palavras, e não só quando ele a
exigia aos outros. É preciso estar à altura do seu estatuto, como sempre o
foram os seus antecessores. Como referiu Manuel Carvalho, in Público, “porque o que disse não
corresponde à produção de uma qualquer ideia, à elaboração de uma crítica ou à
sugestão de um caminho para o país: o que ele fez foi apenas insinuar que a não
recondução de Joana Marques Vidal é consequência de ‘algo muito estranho’, tão
estranho como um golpe de bastidores destinado a obstruir a Justiça e a
proteger os poderosos”.
Pois é, se Cavaco vê no processo
coisas “estranhíssimas”, deve revelá-las. E por que não recordar que foi Cavaco
Silva, de Boliqueime, que nomeou Pinto Monteiro, o procurador da
condescendência com as suspeitas dos então donos disto tudo?...
Meu Caro, Sr. Aníbal Cavaco
Silva, ex-presidente de Portugal Continental, Açores, Madeira e Porto Santo,
senhor da degustação do bolo-rei, e que nem um macaco a subir ao coqueiro em
janeiro de 1990, de visita a São Tomé e Príncipe, se bem me lembro, na
expressão, esta sim, saudosa de Vitorino Nemésio; termino esta minha crónica
com excertos de Helena Sacadura Cabral, estes que valem mais ouvir que as
narrativa de Vossa Excelência:
- “As criadas dos anos 70
passaram a ‘empregadas domésticas’ e preparam-se agora para receber a menção de
‘auxiliares de apoio doméstico’;
- De igual modo, extinguiram-se
nas escolas os ‘contínuos’ que passaram todos a ‘auxiliares de ação educativa’
e agora são ‘assistentes operacionais’;
- Os vendedores de medicamentos,
com alguma prosápia, tratam-se por ‘delegados de informação médica’;
- E pelo mesmo processo transmudaram-se
os caixeiros-viajantes em ‘técnicos de vendas’;
- O aborto eufemizou-se em ‘interrupção
voluntária da gravidez’;
- Os operários fizeram-se de
repente ‘colaboradores’;
- As fábricas, essas, vistas de
dentro são ‘unidades produtivas’ e vistas da estranja são ‘centros de decisão
nacionais’;
- O analfabetismo desapareceu da
crosta portuguesa, cedendo o passo a ‘iliteracia’ galopante;
- Desapareceram dos comboios as
1.ª e 2.º classes, para não ferir a suscetibilidade social das massas hierarquizadas,
mas por imperscrutáveis necessidades de tesouraria continuam a cobrar-se preços
distintos nas classes ‘Conforto’ e ‘Turística’;
- Aquietadas pela televisão, já
não se veem por aí aos pinotes crianças irrequietas e ‘terroristas’; diz-se
modernamente que têm um ‘comportamento disfuncional hiperativo’;
- Ainda há cegos, infelizmente.
Mas como a palavra fosse considerada desagradável e até aviltante, quem não vê
é considerado ‘invisual’. (O termo é gramaticalmente impróprio, como impróprio
seria chamar inauditivos aos surdos – mas o ‘politicamente correto’ marimba-se
para as regras gramaticais…).
- Para compor o ramalhete e se
darem ares, as gentes cultas da praça desbocam-se em ‘implementações’, ‘posturas
pró-ativas’, ‘políticas fraturantes’ e outros barbarismos da linguagem.
E assim linguajamos o Português,
vagueando perdidos entre a ‘correção política’ e o novo-riquismo linguístico.
Já não se diz o que se pensa, tem
de se pensar o que se diz de forma ‘politicamente correta’.
Hoje não se fala português… linguareja-se!”
Pois é, Sr. Aníbal Cavaco Silva,
não é que o Senhor linguarejasse, mas, como sói dizer-se, e me perdoe por mor
dos meus pecados: O Senhor meteu a pata na poça!...
(In " fórum Covilhã", de 09-10-2018)
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