9 de outubro de 2019

O INJUSTIÇADO MAGALHÃES


Século XV, ano de 1480, nasce em Portugal em local incerto, presumindo-se no Norte, uma criança a quem foi dado o nome de Fernão de Magalhães. Na sua juventude, aos 25 anos (1505) estava a prestar serviço militar na Índia.

Mas já antes havia ingressado como pajem na corte da rainha D. Leonor, mulher de D. João II, aos 14 anos.

Em 1488, Bartolomeu Dias regressa dobrando o Cabo da Boa Esperança; em 1492, Cristóvão Colombo é recebido por D. João II, a caminho de Sevilha, após a descoberta da América; Vasco da Gama faz a descoberta do caminho marítimo para a Índia em 1498, isto querendo dizer que, a nível científico têm tanta importância na passagem da Idade Medieval à Idade Moderna, quanto, em Itália, a nível artístico, o Renascimento, ou na Alemanha, de âmbito religioso, a Reforma.

Magalhães vem a ser figura assinalável nos anais da história de Portugal e, talvez noutra vertente, também na história de Espanha. Uma personalidade dotada aos caprichos da incompreensão de alguns, da dúvida e de ódios, a par de um homem sem medos, valoroso, combativo, rigoroso e aventureiro, a quem, paradoxalmente, lhe é reconhecido o real valor ao leme de uma ideia, de uma empresa, de um projeto comum europeu: o do conhecimento da verdadeira dimensão do mundo.

Sobre Fernão de Magalhães talvez seja importante referir que à morte de D. João II, em 1495, a corte se dividiu quanto à sucessão em duas fações. A primeira que insiste que o trono seja entregue a D. Jorge, filho bastardo do rei. A segunda, liderada pela rainha, defende a ascensão ao trono de D. Manuel, irmão de D. Leonor, primo de D. João II. Alguns historiadores colocam a hipótese de a família de Magalhães ter apoiado a primeira fação, ou seja, a que acabará por perder a corrida ao trono.

Originaria assim, que, volvidos anos, e por repetidas vezes, havia hostilidade de D. Manuel I a todos e quaisquer pedidos e projetos que lhe seriam apresentados por Fernão de Magalhães. Uma vingança? Se não, pelo menos uma injustiça!

Assim, juntamente com o nosso conterrâneo, covilhanense Ruy Faleiro, também fora das graças do rei D. Manuel I, colocam-se ao serviço do rei de Castela, D. Carlos I, mais tarde o imperador Carlos V, contra a vontade, não declarada, do monarca português, para uma viagem marítima à terra das especiarias, pelo ocidente, donde emanava a riqueza. Era também esta a direção que o Papa apontava aos espanhóis, havendo, no entanto, uma barreira atravessada no caminho: o continente recém-descoberto da América, do que se dizia, erradamente, não poder ser contornado por sul. No entanto, Fernão de Magalhães teria já a informação precisa de haver aí uma passagem. Estaria assim disposto a pôr o seu segredo e o do seu amigo Ruy Faleiro ao serviço da coroa espanhola, se lhe fosse disponibilizada uma frota.

Mas havia o medo de navegar para sul face a fábulas que surgiam, quase intransponível para o Papa de forma a arranjar homens para as primeiras expedições como quando Gil Eanes, em 1434 dobrou o pretensamente intransponível cabo. Assim, o Papa assegurou a cada participante, para as primeiras expedições, a remissão completa dos seus pecados.

E Magalhães lá vai conseguir uma frota de cinco naus, sendo que a maior é a San Antonio, sob o comando de Juan de Cartagena; a Trinidad vai ser capitaneada por Magalhães; depois, a Concepcion, comandada por Gaspar Quesada; a Victoria, capitaneada por Luis de Mendonça; a Santiago, por João Serrão.

A viagem, ao longo do seu percurso, torna-se atribulada, com tempestades e naufrágios, com problemas com alguns nativos, e a fome. Uma das embarcações volta para trás, desertando, e existe um motim no porto de S. Julião que vai dar lugar à condenação à morte horrível de dois deles e outros tantos deixados na praia deserta, incluindo um padre cúmplice, condenados ao degredo.

O grande capitão e homem sem medo, Fernando de Magalhães, após já ter cumprido a sua missão, que foi a passagem estreita a sul, já nas Filipinas, enfrenta na peleja corpo a corpo o muçulmano Lapu-Lapu, em Mactan, e morre, sendo a debandada dos poucos homens de Magalhães, que nem o seu corpo conseguem trazer, ficando sem se saber qual o destino que lhe deram.

Depois de tantas injustiças do nosso rei D. Manuel I, em dizer não a tudo que fosse pedido por Magalhães, nem sequer a sua família (mulher e dois filhos menores) que pouco tempo depois faleceram, tiveram direito a qualquer importância.

Até Vasco da Gama aconselhou D. Manuel I a assassinar Magalhães!

Valeu, para limpar o bom nome de Magalhães, face às informações erradas que transmitiram os desertores da nau San Antonio, as declarações do jovem italiano Pigafetta, escrivão de todo o tempo da expedição, sobrevivente e um dos 18 que conseguiram chegar a San Lucar de Barrameda, ele, diplomata e homem de letras que, ao serviço do embaixador do Vaticano chegou em 1518, a Valladolid, na altura a sede da corte espanhola. Depressa descobriu que em Sevilha se preparava uma expedição aos limites do mundo e consegue ser admitido como membro da tripulação.

Pois é, de cerca de 260 tripulantes e cinco navios à largada, a 20 de setembro de 1519, houve um navio e 18 sobreviventes, no seu regresso, a 6 de setembro de 1522, três anos depois.

O nome de Magalhães em ruas ou avenidas em Portugal jamais foi de grande opção. Recordo que existe, por exemplo, em Coimbra, a Avenida Fernão de Magalhães, pois foi aí que eu, pela primeira vez fui multado por estacionamento indevido, decorria o ano de 1973.

E já que a Covilhã tem a Rua Ruy Faleiro por que não dar o nome de Fernão de Magalhães a uma rua ou avenida desta Cidade, como agora fizeram, estranhamente, com o nome do líder pacifista indiano Gandhi, nas comemorações dos 150 anos do seu nascimento, quando, afinal, até comemoramos os 500 anos da 1ª Viagem de Circum-Navegação, iniciada pelo português Fernão de Magalhães, símbolo admirável do início do processo de globalização que vivemos e da força de vontade dos homens em conseguirem alcançar grandes desígnios por que anseiam?

Saudamos o lançamento do livro do Covilhanense, Dr. João Morgado, sob o título Fernão de Magalhães e A Ave-do-Paraíso”.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 09-10-2019)

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