Os dias em que mais se falou em
liberdade e trabalhador já lá vão, na espuma do tempo, esta ainda dominada
pelos números da pandemia e pelos resultados provisórios do processo mais
mediático da justiça portuguesa. Certo é que, quanto à doença infeciosa, já
quase é um tormento ouvir-se falar de epidemiologias, virologias, pneumologias,
infeciologias, e outras “logias”. Mas é indubitável que se torna necessária a
literacia neste domínio.
Se o 25 de Abril será para sempre memorizado como o Dia da Liberdade,
quer queiram quer não, já o 1º de Maio se repercute no Dia do Trabalhador. Sobre
este último não deixa de ser confrangedor, no estudo divulgado pela Fundação
Francisco Manuel dos Santos, o retrato que se apresenta sobre a pobreza em
Portugal: 17,2% da população portuguesa, o que significa 1,7 milhões de
pessoas, vivem em risco de pobreza. Sendo certo que este estudo se baseia em
dados de 2018, não é difícil prever que estes números já terão sido superados
na atual situação. E continuarão a subir. Tal como Eça de Queirós referiu, em Os Maias, “para aí apareceu o Satanismo, o Naturalismo e o Bandalhismo, e
outros esterquilínios em ‘ismo’…”
Num artigo lúcido e acutilante de Joana Amaral Dias, in DN, refere o
distanciamento de tantos da vida partidária e da intervenção pública face ao
delapidar do bem comum por “um punhado de sociopatas e videirinhos cujo único
objetivo é servirem-se a si mesmos”. São às resmas neste país de brandos
costumes, à beira-mar plantado, sobejamente conhecidos, pelo que me dispenso de
aqui nomear alguns, pois não caberiam nesta página. Mas não posso deixar de
nela fazer referência a uma afirmação da diretora do DN, Rosália Amorim, de que
“se o enriquecimento ilícito preocupa os portugueses, julgo que o
empobrecimento ilícito preocupa ainda mais”.
Voltando ao dia da liberdade, Leonete Botelho, in Público, realça o consenso neste 25 de Abril – palco constante de disputas
políticas e pretexto para frequentes ajustes de contas com a história – em
torno do discurso do Presidente da República: “No dia da liberdade, Marcelo Rebelo
de Sousa, filho de um governante do império e um dos artífices da constituição
democrática, quis pôr o dedo na ferida da guerra colonial que começou há 60
anos e dali partiu para um apelo à reconciliação com a história”. – “Não há,
nunca houve, um Portugal perfeito”. E o Parlamento aplaudiu o Presidente de pé.
Alguns historiadores, como Manuel Loff, no entanto, divergiram e criticaram
essa visão reconciliadora, nomeadamente no que concerne ao facto de Marcelo, em
2017, no Senegal, ter elogiado a precocidade
portuguesa na história da abolição
da escravatura, pretendendo que Portugal a teria abolido em 1761, pois não só
sabia que o Estado português o não fez antes de passados mais de cem anos.
Nas palavras de Fernanda Câncio, in DN, num notável discurso,
o presidente abordou enfim o passado como ferida, pedindo que saibamos assumir
o olhar dos colonizados e entender que há várias histórias na história,
incluindo a sua, filho do último ministro das colónias (Baltazar Rebelo de
Sousa), príncipe imperfeito deste regime e do outro. Uma mensagem claro escuro
como o país que interpela. “Nas leis, os negros classificados com ‘indígenas’,
ou seja, a maioria da população de Moçambique, Angola e Guiné, eram excluídos
da cidadania e tratados como sub-humanos”.
Dois dias após o 25 de Abril, pouco se falou duma efeméride que merecia
destaque – os 500 anos da morte do navegador português Fernão de Magalhães, nas
Filipinas, às mãos de Lapu Lapu, o chefe dos guerreiros que escusadamente
Magalhães desafiou, em 27 de abril de 1521.
Falta cumprir uma liberdade, refere Rosália Amorim – a de movimentos. A
Avenida da Liberdade, em Lisboa, encheu-se de portugueses para assinalar o dia
da Revolução dos Cravos. Eram pessoas a mais para distâncias a menos. A
pandemia ainda não desapareceu e os portugueses não atingiram a imunidade de
grupo. A liberdade não é uma justificação para tudo, nunca foi, pelo que o
melhor é aguardar, manter a prudência e não correr o risco de morrer na praia.
Quem Me Dera! – Termino com parte da canção de Mariza: “Quem me dera/Abraçar-te no outono, verão e
primavera/Quiçá viver além uma quimera/Herdar a sorte e ganhar teu coração”.
(In "Jornal fórum Covilhã", de 12-05-2021)
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