12 de maio de 2021

EM LIBERDADE

 

Os dias em que mais se falou em liberdade e trabalhador já lá vão, na espuma do tempo, esta ainda dominada pelos números da pandemia e pelos resultados provisórios do processo mais mediático da justiça portuguesa. Certo é que, quanto à doença infeciosa, já quase é um tormento ouvir-se falar de epidemiologias, virologias, pneumologias, infeciologias, e outras “logias”. Mas é indubitável que se torna necessária a literacia neste domínio.

Se o 25 de Abril será para sempre memorizado como o Dia da Liberdade, quer queiram quer não, já o 1º de Maio se repercute no Dia do Trabalhador. Sobre este último não deixa de ser confrangedor, no estudo divulgado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, o retrato que se apresenta sobre a pobreza em Portugal: 17,2% da população portuguesa, o que significa 1,7 milhões de pessoas, vivem em risco de pobreza. Sendo certo que este estudo se baseia em dados de 2018, não é difícil prever que estes números já terão sido superados na atual situação. E continuarão a subir. Tal como Eça de Queirós referiu, em Os Maias, “para aí apareceu o Satanismo, o Naturalismo e o Bandalhismo, e outros esterquilínios em ‘ismo’…”

Num artigo lúcido e acutilante de Joana Amaral Dias, in DN, refere o distanciamento de tantos da vida partidária e da intervenção pública face ao delapidar do bem comum por “um punhado de sociopatas e videirinhos cujo único objetivo é servirem-se a si mesmos”. São às resmas neste país de brandos costumes, à beira-mar plantado, sobejamente conhecidos, pelo que me dispenso de aqui nomear alguns, pois não caberiam nesta página. Mas não posso deixar de nela fazer referência a uma afirmação da diretora do DN, Rosália Amorim, de que “se o enriquecimento ilícito preocupa os portugueses, julgo que o empobrecimento ilícito preocupa ainda mais”.

Voltando ao dia da liberdade, Leonete Botelho, in Público, realça o consenso neste 25 de Abril – palco constante de disputas políticas e pretexto para frequentes ajustes de contas com a história – em torno do discurso do Presidente da República: “No dia da liberdade, Marcelo Rebelo de Sousa, filho de um governante do império e um dos artífices da constituição democrática, quis pôr o dedo na ferida da guerra colonial que começou há 60 anos e dali partiu para um apelo à reconciliação com a história”. – “Não há, nunca houve, um Portugal perfeito”. E o Parlamento aplaudiu o Presidente de pé. Alguns historiadores, como Manuel Loff, no entanto, divergiram e criticaram essa visão reconciliadora, nomeadamente no que concerne ao facto de Marcelo, em 2017, no Senegal, ter elogiado a precocidade portuguesa na história da abolição da escravatura, pretendendo que Portugal a teria abolido em 1761, pois não só sabia que o Estado português o não fez antes de passados mais de cem anos.

Nas palavras de Fernanda Câncio, in DN, num notável discurso, o presidente abordou enfim o passado como ferida, pedindo que saibamos assumir o olhar dos colonizados e entender que há várias histórias na história, incluindo a sua, filho do último ministro das colónias (Baltazar Rebelo de Sousa), príncipe imperfeito deste regime e do outro. Uma mensagem claro escuro como o país que interpela. “Nas leis, os negros classificados com ‘indígenas’, ou seja, a maioria da população de Moçambique, Angola e Guiné, eram excluídos da cidadania e tratados como sub-humanos”.

Dois dias após o 25 de Abril, pouco se falou duma efeméride que merecia destaque – os 500 anos da morte do navegador português Fernão de Magalhães, nas Filipinas, às mãos de Lapu Lapu, o chefe dos guerreiros que escusadamente Magalhães desafiou, em 27 de abril de 1521.

Falta cumprir uma liberdade, refere Rosália Amorim – a de movimentos. A Avenida da Liberdade, em Lisboa, encheu-se de portugueses para assinalar o dia da Revolução dos Cravos. Eram pessoas a mais para distâncias a menos. A pandemia ainda não desapareceu e os portugueses não atingiram a imunidade de grupo. A liberdade não é uma justificação para tudo, nunca foi, pelo que o melhor é aguardar, manter a prudência e não correr o risco de morrer na praia.

Quem Me Dera! – Termino com parte da canção de Mariza: “Quem me dera/Abraçar-te no outono, verão e primavera/Quiçá viver além uma quimera/Herdar a sorte e ganhar teu coração”.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 12-05-2021)

 

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