Tendo por base a obra “365
Dias com histórias da História de Portugal”, de Luís Almeida Martins, achei
oportuno registar algumas dessas Figuras e Factos com que os Covilhanenses, ou Homens
da Região Beirã, ficaram retratados nas memórias da nossa História.
Por falta de espaço, várias
figuras e factos tiveram que aqui ser omitidas.
Muito me tarda o meu amigo na Guarda – Um dos mais belos poemas
medievais portugueses está relacionado com a grande paixão do rei D. Sancho I.
D. Sancho I foi pai de 19
filhos, contando os legítimos (nascidos do ventre de Dulce de Aragão) e os
ilegítimos, tidos sobretudo de duas amantes conhecidas: Maria Pais Ribeira, uma
linda fidalga de cabelos dourados conhecida por Ribeirinha, e Maria
Aires de Fornelos. Uma célebre e belíssima cantiga de amigo da suposta autoria
de D. Sancho alude aos seus amores com a Ribeirinha: “Ai eu coitada!
/Como vivo em grão cuidado/ Por meu amigo que hei alongado. / Muito me tarda/O
meu amigo na Guarda! / Ai eu coitada! / Como vivo em grão desejo / Por meu
amigo que tarda e não vejo! / Muito me tarda/ O meu amigo na Guarda!”.
O milagre das rosas – Na estrada Guarda-Lamego, em A-de-Barros,
existe um solar do qual se conta que foi onde D. Dinis e a Rainha Santa
passaram a noite de núpcias. Como o casamento em questão ocorreu em finais do
século XIII e a construção de granito data do século XVII, a impossibilidade de
o casal ali ter pernoitado é manifesta. Mas a crença atesta a popularidade do
casal D. Dinis e D. Isabel – uma popularidade que tem resistido bem ao desgaste
de 800 anos.
Não deve haver português
adulto que desconheça o “milagre das rosas”. Segundo essa lenda, a rainha saiu
numa manhã de inverno do Castelo do Sabugal, onde na altura se encontrava com o
marido, levando embrulhado nas vestes pães para distribuir aos pobres. Eis
senão quando surgiu D. Dinis e lhe perguntou, de sobrolho carregado, o que
levava no regaço. “São rosas, senhor”, respondeu D. Isabel. Desconfiado, o rei
voltou à carga: “Rosas no inverno?!...”. A rainha abriu então o regaço e
mostrou ao marido o que ali estava: rosas, em vez de pães.
Escolhida pelo rei português
D. Dinis, de entre um lote de possíveis candidatas, como a esposa ideal, casou
com ele por procuração em Barcelona quando tinha apenas 12 anos, e o marido 21.
Só se conheceram pessoalmente quatro meses depois, no dia em que D. Dinis a foi
esperar à raia de Beira e se celebrou a boda em Trancoso. Mas, atendendo à
idade da noiva, pode não ter havido noite de núpcias, nem nesta vila nem na
A-de-Barros da crença local.
A viagem maravilhosa – Poucos
portugueses tiveram uma existência tão aventurosa como Pêro da Covilhã. Aí
por 1468, um castelhano que se deslocara à Covilhã para comprar tecidos de lã
deixou-se impressionar pela desenvoltura do jovem Pêro e convidou-o para entrar
ao serviço do seu amo. O rapaz, com uns 18 anos, partiu para Sevilha, onde se
tornou espadachim de D. Juan de Guzmán, irmão do duque de Medina-Sidónia. Pouco
depois Pêro acompanhou a Lisboa D. Juan, que aqui vinha avistar-se com D.
Afonso V. Foi a vez de este rei português muito interessado nos assuntos de
Castela, cuja coroa ambicionava, engraçar com os modos de Pêro e arranjar forma
de o tomar ao seu serviço. Com cerca de 24 anos, Pêro esteve ao lado de D.
Afonso V, como escudeiro, na desastrosa batalha de Toro e, em seguida,
acompanhou-o a França, onde o rei português foi recebido por Luís XI em Tours.
Quando D. João II subiu ao
trono, Pêro da Covilhã passou a servir o novo rei. Mais lúcido e prático do que
o pai, o Príncipe Perfeito aproveitou os dotes deste homem de confiança
para missões delicadas que exigiam grande inteligência e não menor dedicação.
Espião ao serviço do soberano, Pêro conseguiu identificar alguns poderosos que
conspiravam contra a Coroa, como o duque de Viseu e o bispo de Évora.
Poliglota, seria seguidamente incumbido de negociar tratados com dois reis
berberes de Marrocos.
Em 1478, quando já ia a
caminho dos 40 anos, foi finalmente incumbido por D. João II de fazer a longa
viagem que o celebrizaria. No âmbito dos preparativos da descoberta do caminho
marítimo para a Índia, consistia esta em tentar alcançar o Indostão por terra e
trazer informações úteis sobre o cobiçado país das especiarias. De caminho,
informar-se-ia acerca do misterioso reino cristão do Preste João.
Pêro da Covilhã partiu
acompanhado de Afonso de Paiva. Disfarçados de mercadores, seguiram por terra
até Barcelona, onde embarcaram para o Egito, com escala em Nápoles e Rodes.
Juntando-se a uma caravana, disfarçados de mercadores árabes, atravessaram a
Arábia passando por Medina e Meca (onde rezaram como muçulmanos), e em Adem
separaram-se, combinando encontro para daí a três anos à porta da cidadela do
Cairo. Paiva fletiu então para a Etiópia e Pero da Covilhã embarcou para a Índia, onde obteve informações que viriam
a ser de grande utilidade para Vasco da Gama.
A primeira portuguesa que
votou – Maior de idade, médica e chefe de família, Carolina Ângelo pôde
eleger a Constituinte de 1911, mas a lei não tardaria a ser revista para
impedir o acesso das mulheres aos cadernos eleitorais.
Quando o presidente da mesa de
voto chamou pelo seu nome, a jovem eleitora de 33 anos vestida pesadamente de
negro e com fios de ouro ao pescoço avançou com passo decidido. Entregou o
boletim de voto e quando este entrou na urna todos os presentes irromperam numa
salva de palmas. Nessa manhã de 28 de maio de 1911, data da eleição da
Assembleia Constituinte da I República, Carolina Beatriz Ângelo, uma das
primeiras médicas que houve em Portugal, fora a primeira mulher a votar no
nosso País. Nascida na Guarda em 1878, concluíra o curso da Escola
Médico-Cirúrgica de Lisboa em 1902, ano em que se casou com o seu primo
Januário Barreto (natural de Aldeia do Souto – Covilhã), também médico, ativista
republicano. Foi a primeira mulher portuguesa a operar no Hospital de São José,
antes de se dedicar à especialidade de Ginecologia. Iniciou-se em 1906 na
militância cívica, aderindo ao comité português da associação francesa La Paix
et Désermement par les Femmes e à loja maçónica Humanidade e fundando nos anos
seguintes a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e a Associação de
Propaganda Feminista (com Ana de Castro Osório).
Nas asas da Revolução – Revolucionário romântico, Palma Inácio foi
o homem que melhor personificou a luta armada contra a ditadura de Salazar e
Caetano.
Foi em 1962 que desencadeou a
primeira das espetaculares ações políticas que o tornaram numa lenda: o
sequestro do Super Constellation da TAP da carreira Casablanca- Lisboa,
utilizado para o lançamento de panfletos “subversivos” sobre Lisboa e o Sul do
País.
Em finais de 1966 regressou à
Europa para se dedicar por inteiro à luta antissalazarista. Em maio de 1967
comanda o famoso assalto à agência da Figueira da Foz do Banco de Portugal,
destinado à obtenção de fundos para prosseguir a luta revolucionária. Mas ainda
nesse ano foi detido em Paris, a pedido de Salazar. Um tribunal francês decidiria,
porém, que o delito de que o acusavam era político, e pô-lo-ia em liberdade.
No ano seguinte fracassava a
projetada ocupação da Covilhã por um comando revolucionário. Encarcerado no
Porto, evadiu-se num intervalo do julgamento. Quando atravessava a Espanha a
caminho de França seria novamente preso e uma vez mais em tribunal se oporia à
extradição. Em 1973, de regresso
a Lisboa e à clandestinidade após uma estada em Roma, voltou a ser preso quando
preparava a sabotagem dos computadores de vários ministérios.
Definitivamente libertado de
Caxias em 25 de Abril de 1974, foi
eleito secretário-geral da LUAR no primeiro congresso da organização efetuado
em liberdade, durante o qual prestou contas do dinheiro retirado sete anos
antes dos cofres do Banco de Portugal.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal
Fórum Covilhã”, de 15-06-2022)
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