29 de junho de 2022

O VIETNAME PORTUGUÊS

 

Neste mês de junho – mês dos Santos Populares – sobejamente conhecido ao longo dos tempos, é também o mês em que, a 10 de junho, comemoramos o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, assinalando-se desta forma o dia da morte de Luís Vaz de Camões.

Depois de terríveis tempos de isolamento que não permitiram festejos nem proximidade das pessoas, ainda persiste algum temor e a possibilidade de sermos apanhados pelos tentáculos do polvo pandémico, ainda que de menor gravidade.

Já chegava este problema mundial de saúde para ainda se vir acrescentar o da morbidez mental na demência de um ser existente à face da Terra que pretende comparar-se ao imperador Pedro o Grande, nas nuvens do seu orgulho. Disto não vou falar mais já que, lamentavelmente, é tema de todos os dias, pelas piores razões.

Venho, isso sim, mais uma vez reportar-me à guerra para onde nos enviaram, enquanto jovens das décadas de 60 e 70 do século passado, por teimosia salazarista e seus apaniguados, donde vieram a perecer tantos jovens que hoje ainda podiam estar entre nós, ainda que numa normal longevidade, e a gerar graves problemas psicológicos aos envolvidos nessas guerras injustas.

É a razão da notoriedade dos Núcleos de Antigos Combatentes, com é o da Covilhã, onde muitos vêm solicitar pedidos de ajuda nas várias vertentes das suas funções.

De harmonia com o livro “365 Dias com histórias da História de Portugal”, de Luís Almeida Martins, aqui deixo uma narrativa desses tempos vividos, de triste memória:

“Durante mais de 13 anos, quase metade do orçamento do Estado foi sendo desviado para ‘a Defesa’. Com o seu rasto e miséria, a Guerra Colonial foi o acontecimento mais traumatizante da segunda metade do nosso século XX.

Oitocentos mil jovens portugueses – quase um milhão! – foram mobilizados entre 1961 e 1974 para a Guerra Colonial que se travou em África contra os movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné. Desses, quase 9 mil morreram e perto 30 mil ficaram feridos ou estropiados. Um número não quantificado de ex-combatentes acusaria para sempre os efeitos psíquicos da guerra. Não houve família que não tivesse pelo menos um combatente em África. Muitas ficaram enlutadas, muitíssimas viram-se desde então a braços com problemas irresolúveis. Tudo poderia ter sido evitado se Salazar tivesse sabido descolonizar a tempo.

A Guerra Colonial determinou também a queda do Estado Novo e o regresso da democracia a um país que chegara a parecer esquecido dela. Não sabemos quanto tempo mais teria durado a ditadura se não tivesse havido a guerra, mas não há dúvida de que, ao gerar o descontentamento dos oficiais mais politizados e forçar a mobilização de estudantes contestatários do regime, ela foi o fator mais decisivo para a eclosão do 25 de Abril de 1974.

A guerra começou em 1961. No dia 4 de fevereiro, as prisões e esquadras de Luanda eram atacadas por nacionalistas angolanos. Seguiu-se uma chacina praticada por brancos nos musseques (o equivalente a bairros de lata) da cidade. A 15 de março, a pró-americana UPA (União dos Povos de Angola) espalhou o terror e a morte nas fazendas dos Dembos. Salazar enviou tropas para a colónia, mas após vitórias relativamente fáceis obtidas entre maio e setembro contra inimigos armados de forma artesanal, o pró-soviético MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) abria novas frentes em Cabinda e no Leste. Em 1966 pegou em armas a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), que mais tarde enveredaria pelo colaboracionismo com o regime português. Em meados da década, o MPLA era já considerado pela Organização de Unidade Africana o legítimo representante do povo angolano.

Do outro lado do continente, a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) iniciou a luta armada em 1964, em Niassa e Cabo Delgado, abrindo depois nova frente em Tete. Comandadas entre 1969 e 1972 pelo general ultra-direitista Kaúlza de Arriaga, as tropas portuguesas envolveram-se durante meses na Operação Nó Górdio, a de maior envergadura de toda a guerra, que não teve o êxito pretendido. A denúncia do massacre de Wiriyamu feita pelo sacerdote anglicano Adrian Hastings no Times londrino teve larga repercussão internacional.

Na Guiné, a guerrilha do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde), dotado a partir de 1970 de mísseis terra-ar Strella, de fabrico soviético, foi a mais difícil de combater pelos Portugueses, que viram alguns jatos FIAT serem abatidos. A ação psicológica desenvolvida pelo carismático general António de Spínola, governador e comandante militar durante cinco anos, não impediu a proclamação unilateral da independência, em setembro de 1973. Antes tinha sido lançada a polémica Operação Mar Verde, um ataque à vizinha Guiné-Conakri, ‘santuário’ do PAIGC.

Os Franceses tinham mantido guerras semelhantes na Indochina (1946-1954) e na Argélia (1954-1962). Ambas haviam conduzido à independência das colónias. Salazar recusou-se a aprender com esses desfechos inevitáveis.”

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Combatente da Estrela”, nº. 127, julho 2022)

 

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