Neste mês de junho – mês dos
Santos Populares – sobejamente conhecido ao longo dos tempos, é também o mês em
que, a 10 de junho, comemoramos o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades
Portuguesas, assinalando-se desta forma o dia da morte de Luís Vaz de Camões.
Depois de terríveis tempos de
isolamento que não permitiram festejos nem proximidade das pessoas, ainda persiste
algum temor e a possibilidade de sermos apanhados pelos tentáculos do polvo
pandémico, ainda que de menor gravidade.
Já chegava este problema
mundial de saúde para ainda se vir acrescentar o da morbidez mental na demência
de um ser existente à face da Terra que pretende comparar-se ao imperador Pedro
o Grande, nas nuvens do seu orgulho. Disto não vou falar mais já que,
lamentavelmente, é tema de todos os dias, pelas piores razões.
Venho, isso sim, mais uma vez
reportar-me à guerra para onde nos enviaram, enquanto jovens das décadas de 60
e 70 do século passado, por teimosia salazarista e seus apaniguados, donde
vieram a perecer tantos jovens que hoje ainda podiam estar entre nós, ainda que
numa normal longevidade, e a gerar graves problemas psicológicos aos envolvidos
nessas guerras injustas.
É a razão da notoriedade dos Núcleos
de Antigos Combatentes, com é o da Covilhã, onde muitos vêm solicitar pedidos
de ajuda nas várias vertentes das suas funções.
De harmonia com o livro “365
Dias com histórias da História de Portugal”, de Luís Almeida Martins, aqui
deixo uma narrativa desses tempos vividos, de triste memória:
“Durante mais de 13 anos,
quase metade do orçamento do Estado foi sendo desviado para ‘a Defesa’. Com o
seu rasto e miséria, a Guerra Colonial foi o acontecimento mais traumatizante
da segunda metade do nosso século XX.
Oitocentos mil jovens
portugueses – quase um milhão! – foram mobilizados entre 1961 e 1974 para a
Guerra Colonial que se travou em África contra os movimentos de libertação de
Angola, Moçambique e Guiné. Desses, quase 9 mil morreram e perto 30 mil ficaram
feridos ou estropiados. Um número não quantificado de ex-combatentes acusaria
para sempre os efeitos psíquicos da guerra. Não houve família que não tivesse
pelo menos um combatente em África. Muitas ficaram enlutadas, muitíssimas
viram-se desde então a braços com problemas irresolúveis. Tudo poderia ter sido
evitado se Salazar tivesse sabido descolonizar a tempo.
A Guerra Colonial determinou
também a queda do Estado Novo e o regresso da democracia a um país que chegara
a parecer esquecido dela. Não sabemos quanto tempo mais teria durado a ditadura
se não tivesse havido a guerra, mas não há dúvida de que, ao gerar o
descontentamento dos oficiais mais politizados e forçar a mobilização de estudantes
contestatários do regime, ela foi o fator mais decisivo para a eclosão do 25 de
Abril de 1974.
A guerra começou em 1961. No
dia 4 de fevereiro, as prisões e esquadras de Luanda eram atacadas por
nacionalistas angolanos. Seguiu-se uma chacina praticada por brancos nos
musseques (o equivalente a bairros de lata) da cidade. A 15 de março, a
pró-americana UPA (União dos Povos de Angola) espalhou o terror e a morte nas
fazendas dos Dembos. Salazar enviou tropas para a colónia, mas após vitórias
relativamente fáceis obtidas entre maio e setembro contra inimigos armados de
forma artesanal, o pró-soviético MPLA (Movimento Popular de Libertação de
Angola) abria novas frentes em Cabinda e no Leste. Em 1966 pegou em armas a
UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), que mais tarde
enveredaria pelo colaboracionismo com o regime português. Em meados da década,
o MPLA era já considerado pela Organização de Unidade Africana o legítimo
representante do povo angolano.
Do outro lado do continente, a
Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) iniciou a luta armada em 1964, em Niassa e Cabo Delgado,
abrindo depois nova frente em Tete. Comandadas entre 1969 e 1972 pelo general ultra-direitista Kaúlza de Arriaga, as tropas portuguesas envolveram-se durante
meses na Operação Nó Górdio,
a de maior envergadura de toda a guerra, que não teve o êxito pretendido. A
denúncia do massacre de Wiriyamu feita pelo sacerdote anglicano Adrian Hastings
no Times londrino teve larga repercussão internacional.
Na Guiné, a guerrilha do PAIGC
(Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde), dotado a
partir de 1970 de mísseis terra-ar Strella, de fabrico soviético, foi a
mais difícil de combater pelos Portugueses, que viram alguns jatos FIAT serem
abatidos. A ação psicológica desenvolvida pelo carismático general António de Spínola, governador e
comandante militar durante cinco anos, não impediu a proclamação unilateral da
independência, em setembro de 1973.
Antes tinha sido lançada a polémica Operação
Mar Verde, um ataque à vizinha Guiné-Conakri, ‘santuário’ do PAIGC.
Os Franceses tinham mantido guerras semelhantes na Indochina (1946-1954)
e na Argélia (1954-1962). Ambas haviam conduzido à independência das colónias.
Salazar recusou-se a aprender com esses desfechos inevitáveis.”
João de Jesus Nunes
(In “O Combatente da Estrela”, nº. 127, julho 2022)
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