“O mundo pula e avança como bola
colorida entre as mãos de uma criança” – assim termina a Pedra Filosofal de
Manuel Freire. Mas também inicia com as letras “Eles não sabem que o sonho é
uma constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer”.
Este mundo está cada vez mais nas
mãos de muitos senhores que fazem deste Planeta uma bola de farrapos, que se
vai desfazendo com tantos pontapés sem sentido, retirando-lhe todos os cambiantes
do bem-estar de todos os humanos. Aos outros senhores, que deveriam ser
respeitados, que cumprem os acordos internacionais em prol da Casa Comum, já
não lhes dão ouvidos, não passam cavaco, embirram como crianças quando lhes
retiram a bola colorida.
Que mundo este sem sentido da
vida! Mas, mesmo assim, existe o sonho que é uma constante da vida. Estamos
atravessando um longo período que, não obstante uma pandemia ainda não
terminada, uns quantos pensantes, julgando-se iluminados, são banhados no seu
sonho que os irá conduzir para uma tremenda escuridão.
E neste avançar do mundo, repleto
de boas intenções para uns, mas nas contradições de outros, assim vão surgindo
ledos e tristes dias.
As últimas semanas foram repletas
de acontecimentos se bem que relevantes também preocupantes. Faço referência,
por exemplo, às eleições em Itália avançando para a extrema-direita na cena
política europeia. Isto depois das vitórias alcançadas na Hungria, na Polónia e
na Suécia, para além dos avanços ocorridos em França.
Pois é, já estávamos esquecidos
do lema salazarista de “Deus, Pátria e Família”, quando surge agora o mesmo de
Benito Mussolini, da terceira maior economia do euro e a segunda potência
industrial da União Europeia.
Esperemos agora que, no Brasil,
Lula da Silva, apesar de algumas contradições, possa levar de vencida, na
segunda volta, em 30 de outubro, o ultra direitista Jair Bolsonaro.
Na Guerra da Ucrânia têm surgido
importantes desenvolvimentos, quer no terreno quer nos bastidores. A relevância
no terreno vai para as vitórias das forças ucranianas com o registo de
significativos avanços, recuperando perto de 5.500 quilómetros quadrados. Os invasores russos mostram já o seu grande
nervosismo em face da humilhação provocada por estas vitórias ucranianas.
Depois, as muitas contradições
entre responsáveis da Igreja Católica no encobrimento dos casos de pedofilia.
Não fosse a persistência dos denunciantes e vítimas deste contexto, em casos
que, muitos deles, já prescreveram, estes homens do “divino” ficavam no segredo
dos deuses, muitos dos quais sem punição. Lamentáveis os encobrimentos desses
desvios sexuais por homens da Igreja, que deveriam ser os primeiros a dar o
exemplo, como o Bispo de Leiria-Fátima, D. José Ornelas, como dantes já haviam
sido o Patriarca de Lisboa, Cardeal D. Manuel Clemente. E nesta envolvente de
casos até o bispo de Timor, Prémio Nobel da Paz, viria a ser apanhado na rede,
há já bastante tempo, com o ar de espanto dos portugueses perante D. Ximenes
Belo.
E, para completar o ramalhete de
casos deploráveis nestas circunstâncias, faltavam as palavras de agradar a Deus
e ao Diabo, do Presidente da República, a tentar deitar água na fervura quando
se referiu que “Haver 400 casos não me parece que seja particularmente elevado
porque noutros países e com horizontes mais pequenos houve milhares de casos”.
Os 424 testemunhos foram recolhidos pela designada Comissão Independente para
Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, uma
estrutura constituída por decisão da Conferência Episcopal Portuguesa e
coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht.
Face à avalanche de críticas
sobre as palavras do Presidente da República, este viu-se constrangido a pedir
desculpa: “A minha intenção não foi ofender as vítimas, se ofendi, peço
desculpa”.
João de Jesus Nunes
(In quinzenário “O Olhanense”, de
15-10-2022)