Há sempre casos que levam o seu
encaminhamento para o enfado, tal a menção dos mesmos factos, às resmas, numa
repetição irritante, tanto nos jornais diários, como nas notícias televisivas: dias,
semanas e meses seguidos; em suma, na comunicação social, integralmente, onde
as fotos ou imagens filmadas têm predominância.
Ainda existem muitos
profissionais desta área que não sabem, não querem, ou não os deixam encontrar
o antídoto para debelar aquele espaço fastidioso que afasta as pessoas da
leitura de um jornal, ou na rejeição de levar para segundo plano um noticiário
televisivo. Dou, como exemplo, as dezenas e dezenas de vezes que já vi a mesma
imagem filmada da Alexandra Reis, na RTP, a tomar posse de Secretária de Estado
do Tesouro (que já não é), a propósito da já mais que conhecida polémica sobre
o recebimento dos 500 mil euros, que, penso, vai devolver ao Estado, ou se viu
constrangida a tal conduta. E também da ex-CEO e presidente da TAP, Christine
Ourmières-Widener. Que é isto?! Em vez da irritabilidade que causam aquelas
imagens, nas inúmeras aparições (este um dos muitos exemplos de outros casos), é
o sintoma de quem não tem mais nada para preencher no espaço de um telejornal, pelo
que não seria preferível seguir o caminho da criatividade para encontrar outras
imagens não similares, ou então evitar as constantes repetições?
Não posso negar as honrosas
exceções, onde o jornalismo é assumido na autenticidade dos factos, indo de
encontro à linguagem do povo, preferencialmente pela via do papel, ou numa
entrevista apelativa, com aquelas figuras bem conhecidas do pequeno écrã que nos atraem pelo respeito que nos
transmitem a honestidade das suas intervenções,
num canal televisivo não
sensacionalista, e não na vertente de um intelectualismo que não abarca todos.
Obviamente que há que respeitar o pluralismo opinativo.
Agora são também as muitas vezes
que se fala nos mesmos números sobre as vítimas do caso dos abusos sexuais
ocorridos na Igreja: a validação pela Comissão Independente para o Estudo dos
Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica: “512 dos 564 testemunhos
recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da
ordem das 4815”. Quantas vezes se fala nisto?
O tão badalado caso das vítimas
dos abusos sexuais na Igreja, que há muito deveria merecer dos bispos
portugueses a melhor atenção; mesmo antes do relatório da Conferência Episcopal
Portuguesa (CEP), é outro dos casos que prolifera nas mentes dos portugueses,
não só os católicos, como mesmo na dos ateístas ou agnósticos; vistos na
vertente de um mau serviço dos representantes da Igreja. As desculpas de cada
bispo são nalguns casos aberrantes. A tentativa de encobrir os abusadores foi
notória em vários bispos, que deveriam estar na linha da exemplaridade da
Igreja Católica, Apostólica, Romana. Só depois do alarido da Comunicação
Social, não só a falada como a escrita, os senhores da mitra como que se
envergonharam (alguns pediram desculpa, desculpas esfarrapadas) e lá foram
tentando deitar um “remendo em pano velho”.
A recente transmissão da RTP1 da
série do romance de Eça de Queirós – “O Crime do Padre Amaro”, terá vindo a
contribuir para esta teia de desconforto entre os católicos que mais confiam na
sua Igreja.
E, assim, só agora se começam a
ver os afastamentos de padres suspeitos (o que deveria ter sido feito há muito
mais tempo), uma conduta tardia que leva à responsabilidade da hierarquia
católica portuguesa (é neste caso que me interessa falar) do afastamento dos
católicos das igrejas, quando a sua redução já era evidente há tempos.
A conclusão extraída das várias
informações recolhidas de tudo o que lemos e ouvimos é desoladora. Quando os
católicos esperavam confiar na hierarquia dos representantes da sua Igreja, que
também é a minha como católico, acabam por assistir à deceção dos elementos da
extinta Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja –,
e não só, que recolheu testemunhos de vítimas e apurou que pelo menos 4815
menores terão sido alvo de abusos nos últimos 70 anos, já amplamente referido. Estava
à espera de uma resposta “muito mais clara”, face aos dados apurados, no âmbito
da entrevista dada, a título pessoal, por Daniel Sampaio, psiquiatra e membro
daquela extinta Comissão.
Segundo a antiga governante,
Alexandra Leitão, “A Igreja entendeu que não se deve responsabilizar pela
reparação dos danos causados às vítimas”. “A Igreja Católica que decidiu não
afastar as pessoas que estão indicadas na lista, entende que não se deve
responsabilizar pela reparação dos danos. Há aqui uma situação de
encobrimentos. Podia ser um movimento de viragem da Igreja, não foi, não só não
deu dois passos em frente, como deu dois passos atrás, acho que revitimizou
aquelas vítimas”.
José Mendes, no DN, num seu
artigo de opinião, diz: “Basta, senhores Bispos! Não há outra forma de o dizer!
A Conferência Episcopal Portuguesa e o Bispo José Ornelas devem estar a brincar
com os portugueses. A conferência de imprensa de sexta-feira sobre os abusos
sexuais sobre menores ficará na História como um dos pontos mais baixos, miseráveis mesmo, da
Igreja em Portugal. A cúpula religiosa continua convencida de que, mais uma
vez, o tempo funcionará como a esponja que absorve e apaga os seus pecados,
como tantas vezes aconteceu no passado. Só que estes não são já os tempos da Inquisição.
Agora, a informação flui e a indignação não se abafa facilmente no perdão beato
e gratuito”.
Segundo Daniel Sampaio, “A Igreja
não se colocou do lado das vítimas. Foi assim uma conferência de imprensa
dececionante. Esperava uma resposta “muito mais clara” da Igreja, como já cima
foi referido. E lamentou que padres suspeitos não sejam afastados preventivamente.
Já Marcelo Rebelo de Sousa, como
presidente da República afirmou que a Conferência Episcopal Portuguesa “ficou
aquém ao não assumir a responsabilidade” e também por “não tomar medidas
preventivas”.
O colunista do Público, João
Miguel Tavares, num excelente artigo –”Um desenho sobre a pedofilia para os
bispos portugueses” – , na parte final do mesmo diz que “As coisas mudaram?
Mudaram. O espaço da Igreja é hoje mais seguro do que há 50 anos. Mas mudaram
por causa da sociedade. Não mudaram por causa da Igreja, onde o discurso
eclesial continua poluído pelo clericalismo, pela falta de empatia e, com boa
probabilidade, pelas dores de consciência de alguns bispos ainda no ativo que
também ocultaram e silenciaram, e a quem hoje falta a coragem para fazer o que
se impõe: entregar o anel episcopal e renunciar ao cargo. Este é o maior
escândalo da Igreja desde a Inquisição.
No meio do baralhado em que o
bispo José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa se encontrou, acabou por, mais tarde, afirmar:
“Não fui feliz”, fazendo mea culpa. José
Ornelas mostrou incómodo perante os abusos, mas nenhuma empatia com as vítimas.
Pediu perdão, mas não se comprometeu com reparação.
A poucos meses da anunciada e
muito atribulada Jornada Mundial da Juventude, a prosápia e o conluio da
hierarquia da Igreja, esforça-se por tentar diminuir e desvalorizar a gravidade
dos testemunhos, substituindo a responsabilidade e a reparação dos danos das
vítimas pelo perdão gratuito e deixando os lobos no meio do rebanho.
Consta que há uma guerra pelo
barrete de cardeal. O relatório final da comissão independente que investigou
abusos sexuais a menores na Igreja dividiu a Conferência Episcopal. Mas esta
guerra entre os bispos, segundo o Tal & Qual, esconde uma outra – a
da sucessão de D. Manuel Clemente como cardeal-patriarca de Lisboa.
Quatro bispos foram os primeiros
a erguer a voz, próximo da doutrina do Papa, contra a aparente condescendência
com a Conferência Episcopal, e o seu presidente, D. José Ornelas, receberam o
relatório final da comissão que investigou o abuso de menores da Igreja. Assim,
tudo poderá contar na hora do Papa escolher o novo bispo de Lisboa e a quem
historicamente também é devido o barrete cardinalício. Entre os 25 bispos
portugueses – desde diocesanos e auxiliares, mais o do Ordinariato castrense –
D. Nuno de Almeida, D. Francisco Coelho e D. Armando Domingues, deram um passo
de gigante no reconhecimento por parte da Santa Sé. Mas já um quarto bispo,
auxiliar de Lisboa e responsável pela Jornada Mundial da Juventude, juntou-se
aos três na linha de partida para a corrida ao patriarcado. Será? A ver vamos.
João de Jesus Nunes
jjnuns6200@gmail.com
(in “Jornal Fórum Covilhã”, de
22-03-2023)