8 de março de 2023

ENVELHECER NÃO SIGNIFICA ESQUECER

 

Este é o título que a médica neurologista, Isabel Santana, inclui na revista Olhares, um registo muito oportuno que me chamou à atenção, eu que me debato com esse problema de me surgirem muitas partidas de falha da memória, essencialmente quando mais da mesma necessito, ou seja, para o desenvolvimento de um texto, ou mesmo no discernimento de uma conversação, já que várias vezes a omissão da palavra que está debaixo da língua teima em não sair. Mas, com esforço, e uma dose de tranquilidade, as memórias ofuscadas acabam por voltar à tona da água.

A caminho de sete décadas e mais sete anos de peregrinar neste planeta, recordo-me que há precisamente sete anos (a minha tendência para o número sete, talvez induzido pela resposta de Cristo aos Apóstolos de que deviam perdoar não sete vezes mas setenta vezes sete), numa consulta a uma neurologista, no âmbito das formulações da consulta, veio a propósito o meu envolvimento na publicação de mais um livro, de grande conteúdo (perto de 900 páginas), para além de manter colaboração assídua em quatro jornais. A resposta foi perentória: “Escrever artigos moderadamente, sim! Quanto a esse livro que está a escrever, esqueça!”. Bom, aceitei parte da prescrição mas a obra em curso acabou por sair, não um “ensaio” mas um autêntico “tratado sobre seguros”, aquela que foi a minha atividade de mais de quatro décadas, e ainda mantenho um grupo de amizades em redor da mesma. Depois deste livro (que se encontra em mais de centena e meia de bibliotecas e instituições deste país, Brasil e muitos particulares), mais dois se seguiram.

“Temos 800 mil milhões de neurónios, uns mais especializados que outros – é certo – e tudo o que somos, fazemos, pensamos, imaginamos e sentimos passa por ali. A informação circula a uma velocidade próxima dos 400 Km/hora e está sempre dependente da comunicação que existe entre os neurónios, as chamadas sinapses ou pontos de encontro de trocas químicas e elétricas. Quando a idade avança, este funcionamento começa a perder alguma eficácia, mas as modificações são subtis e não interferem com a vida do dia-a-dia”.

Evidentemente que respeito as orientações clínicas mas também compreendo que é muito difícil terminar com compromissos, ainda que voluntários, das atividades cognitivas.

É certo e verdade que o esquecimento nas pessoas mais idosas nem sempre é levado a sério, conforme refere Isabel Santana, admitindo alguns serem ingredientes de um processo normal de envelhecimento, o que considera errado, já que não é apenas o risco cardiovascular que importa. “O cansaço, a desmoralização, o sofrimento e a solidão, inevitavelmente irão acelerar o défice de saúde mental e física. A falha de memória deve ser um alerta, mas há outros sintomas a que devemos dar atenção: perder o entusiasmo por atividades que eram muito apreciadas; desorientação no tempo e eventualmente no espaço; arrumar objetos no lugar errado; perda de iniciativa; perda de capacidade de resolução de problemas básicos; perda de capacidade de raciocínio; alterações de humor, comportamento e personalidade; dificuldade na utilização de palavras (fala e/ou escrita); perda de memória”.

Sem o sentido de atemorizar quem ler esta crónica, deixo, no entanto, aqui este interessante alerta (que para mim também serve) da médica neurologista Isabel Santana, para as nossas capacidades cognitivas não ficarem comprometidas.

Infelizmente lê-se pouco no nosso país, e até os jornais começam a ficar preteridos. O meu melhor ambiente entre amigos é de quem gosta de cultura, e não de quem a despreza. Felizmente ainda conto com alguns bons grupos de amigos, entre as versões apontadas, onde não faltam os prazeres da comida portuguesa, e dos bons vinhos.

Quando faço uma visita à Biblioteca Municipal, lá encontro interessados pela leitura, mormente dos jornais.

E, aqui, um antigo leitor assíduo da biblioteca, que já vem da antiga Biblioteca Municipal, ao Jardim, e agora na nova Biblioteca Municipal, de seu nome Francisco Pereira de Sousa, continua numa perene ida à sala de leitura para a consulta de jornais e livros. É um prazer ver este Homem, de 85 anos, que desde os primórdios da antiga biblioteca, na década de 50 do século passado, até aos dias de hoje, se torna o mais antigo leitor da Biblioteca Municipal da Covilhã.

Recentemente encontrámo-nos e memorizou algumas páginas dum dos meus livros que lhe ofereci, ao mesmo tempo que recordou peripécias quando, menino e moço, visitava a antiga Biblioteca Municipal, ao qual não lhe facultavam todos os livros, face à mentalidade da época, em que os livros sobre amor eram tabu. Mas era o Almanaque ABCZINHO de que mais gostava, com aquelas figuras, como o boneco Narciso Pateta. Recordou o jornal do regime salazarista Diário da Manhã em que encimava “Tudo pela Nação, Nada contra a Nação”.

Convidou-me a ver a parte de trás do seu carro, onde havia livros em vários sítios, que ia lendo. Sem dúvida, um caso insofismável de amor à cultura.

Este Leitor de mais de setenta anos de leitura na Biblioteca Municipal merece ser objeto de reconhecimento municipal. Ou será que estou equivocado. Não! Não estou!

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 08-03-2023)

 


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